A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família durante votação do projeto sobre o contrato civil de união homoafetiva
Lula Marques/ Agência Brasil
A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família durante votação do projeto sobre o contrato civil de união homoafetiva

A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara aprovou no último dia 10, por 12 votos a 5, o projeto de lei (PL) que visa proibir o casamento entre pessoas do mesmo gênero no Brasil.

O texto, do relator deputado Pastor Eurico (PL-PE), segue para as comissões de Direitos Humanos e de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. “Este projeto que está assustando todo mundo não tem a mínima chance eventualmente de virar lei, porque, se virar lei, é inconstitucional”, defende Maria Berenice Dias, advogada e desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

A jurista também é fundadora e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, referência em Direito Homoafetivo e de Gênero no Brasil.

A então presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias, em Homenagem ao Cinquentenário do Levante de Stonewall, em sessão na Câmara dos Deputados.
Michel Jesus/ Câmara dos Deputados
A então presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias, em Homenagem ao Cinquentenário do Levante de Stonewall, em sessão na Câmara dos Deputados.




“O único significado deste projeto é chamar atenção para que os movimentos sociais pressionem por uma legislação. Eu consegui esses avanços jurisprudenciais, ao criar comissões de diversidade sexual em todo o Brasil, mais de 200, para qualificar os advogados para baterem nas portas do Judiciário, buscando o reconhecimento dos direitos homoafetivos”, afirma a jurista que afirma que “foi isso que levou o Supremo [Tribunal Federal (STF)] a reconhecer [os direitos LGBTs]. 


“Criamos a Comissão Nacional da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados, da qual fui presidente durante oito anos. Nós elaboramos o projeto de lei [que garante o casamento homoafetivo], e dizem que é o mais completo do mundo, porque não só regula todos os direitos como também altera toda a legislação restante que exclui [as pessoas LGBTs], ou fala em homem ou uma mulher. O projeto fala em pessoas.”

Maria Berenice conta que o projeto foi apresentado por iniciativa popular, “com 100 mil assinaturas”. Ela continua: “Foi um trabalho de seis anos colhendo as assinaturas. Eu tive que mandar fazer um armário no meu apartamento para poder abrigar os documentos.”

“E o que que aconteceu? A mesma coisa com todos os projetos de lei, acabou sendo arquivado. [...] Temos um Congresso Nacional conservador? Temos, mas não tem outro caminho que não seja buscar uma regulamentação legal. Nesse sentido que deveria se movimentar todas as entidades que se atentam às questões do direito desta população.”


Antinomia

Bandeira do movimento LGBT+ estendida durante a 24ª Parada do Orgulho de Brasília
Danilo Moreira/TV Globo
Bandeira do movimento LGBT+ estendida durante a 24ª Parada do Orgulho de Brasília


O Brasil é um dos países que mais assegura os direitos à população LGBT+. Em 2011, o STF reconheceu, por unanimidade, a união civil LGBT+ no país. Em 2013, para cumprir essa decisão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu que nenhum cartório poderia rejeitar a celebração destes casamentos.

Em 2015, também via STF, casais homoafetivos passaram a ter o direito de adotarem, o que fez com que nos últimos quatro anos, o número geral de adoções aumentasse 113%.


No ano seguinte, a presidente em exercício, Dilma Rousseff, assinou um decreto que passou a reconhecer que, nas repartições e órgãos públicos federais, pessoas travestis e transexuais tenham sua identidade de gênero reconhecida e sejam tratadas pelo  nome social.

Em 2018, uma resolução do CNJ reforçou o decreto e passou a garantir o uso do nome social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros.

Em 2021 o Senado aprovou um projeto de lei que proíbe a discriminação de doadores de sangue com base na orientação sexual. A matéria está para apreciação da Câmara dos Deputados. O PL 2.353/2021 é de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES).



“No fundo existe uma certa antinomia. O Brasil foi o primeiro país do mundo a admitir o casamento de pessoas do mesmo sexo, importante decisão da Justiça, contudo, não por lei”, avalia Maria Berenice.  Vale lembrar ainda que o país é líder em assassinatos de LGBTs no mundo.

A jurista continua: “É claro que a partir deste reconhecimento da Corte maior, vários outros direitos também acabaram sendo reconhecidos e assegurados ‘em cascata’, como direito à herança, à adoção, direito previdenciário, pensão por morte, entre outros.” 

Contudo, a desembargadora aposentada ressalta que todo os avanços do Brasil nos direitos LGBTQIAPN+ foram garantidos por meio do Poder Judiciário, “porque nós temos um poder legislador absolutamente medroso e preconceituoso, que sob a alegação de pegar a Bíblia e professar não sei qual fé, no fundo usam isso de escudo para não precisar se posicionar sobre temas que podem desagradar o seu eleitorado, e com isso comprometer a sua eleição.”

“Se há essa bancada chamada de evangélica, o seu foco não é na religião, e sim em agradar o seu eleitorado. No Brasil temos um segmento ainda muito conservador, algo que vem se dilatando mundo afora não só do Brasil.”

Países na Europa como Itália , Rússia , Hungria , e na África como Uganda  e Quênia têm endossado medidas LGBTfóbicas que visam perseguir e limitar os direitos das pessoas LGBTs, incluindo prisões perpétuas e penas de morte.



“O conservadorismo é fruto do machismo institucional. [...] Diante deste movimento conservador que está tomando conta do legislador, esse Poder acaba imóvel, não vota nada. É uma perversidade, não vejo outro termo a se falar do nosso legislador, que deixa de cumprir com a sua função, que é fazer leis que busquem tentar a igualdade constitucional assegurada e o respeito à dignidade da pessoa humana.”

Por que direitos LGBTs não estão efetivamente assegurados?

“Decisões judiciais estão cobertas de uma certa fragilidade, porque há possibilidade da mudança da composição dos tribunais. O grande exemplo é a questão do aborto nos Estados Unidos, que foi assegurado pela Suprema Corte por 50 anos, contudo no momento que houve a mudança da composição [da Corte], a decisão imediatamente caiu.”


Maria Berenice chama a atenção para a possibilidade do mesmo ocorrer no Brasil, uma vez que há “dois ministros terrivelmente evangélicos”, nas palavras da jurista, se referindo a Nunes Marques e André Mendonça, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Os ministros Nunes Marques e André Mendonça
Supremo Tribunal Federal/ Divulgação
Os ministros Nunes Marques e André Mendonça


A gora você pode acompanhar o iG Queer também no  Instagram!

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!