Fabiano Contarato e o filho são atacados nas redes sociais
Reprodução/Agência Senado
Fabiano Contarato e o filho são atacados nas redes sociais

Fabiano Contarato tem 55 anos, apenas três como Senador, o mais votado do Espírito Santo nas eleições de 2018, e fez história ao protagonizar uma das cenas mais emblemáticas da política em 2021: sentado na cadeira da presidência da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid, fez um discurso contra a homofobia que sofreu do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury , ao vivo pela TV, que repercutiu em todos os veículos de comunicação.

O parlamentar - que foi eleito pelo Rede Sustentabilidade, em 2018, e está se filiando ao PT, agora, em 2022 - conta em entrevista exclusiva ao iG Queer que esta não é a primeira vez que passa por um caso de homofobia. Antes de se tornar senador, Fabiano era formado em direito e pleiteava uma vaga em um concurso para delegado da polícia civil. Naquela época, quando ainda não havia se declarado como uma pessoa LGBT diante da sociedade, fez a prova para conquistar o cargo, passou em primeiro lugar na academia de Polícia de São Paulo, juntamente com outros 44 delegados aprovados. Naquele momento, existiam duas listas para conseguir a promoção, sendo a primeira por merecimento e a outra por antiguidade. A primeira referia-se aos títulos conquistados durante a vida profissional.

“Eu tinha passado para a Polícia Federal, era professor substituto em uma universidade federal, tinha vários títulos, então eu era o cabeça da lista de merecimento. Já por antiguidade, todos os 44 estavam no mesmo nível porque todos tomam posse no mesmo dia”, introduz. “Existia uma avaliação pessoal do delegado de polícia, então tinha um requisito lá que falava sobre ‘comportamento social’. Se o delegado especial olhasse para você e dissesse que você não tem ‘comportamento social’, já saiu da lista do merecimento. Isso aconteceu comigo”, conta.

Fabiano afirma que os delegados avaliadores disseram que ele não tinha um ‘comportamento social’, sem prova, processo ou qualquer justificativa plausível. Então, ele saiu da concorrência à vaga por merecimento. Já na lista por antiguidade, ele ficou no final da fila porque o critério do desempate era a idade e ele era o segundo delegado mais novo no concurso.

“Existem vários tipos de preconceitos, de homofobia, de racismo. Às vezes isso é explícito, mas também pode ser velado”, lamenta. “Hoje eu vejo que aquela minha não-promoção na carreira de delegado foi um comportamento preconceituoso, nunca foi explícito. Também tenho que reconhecer um espaço privilegiado dentro da comunidade porque eu sou um homem cisgênero branco, totalmente diferente de um homem trans, uma mulher trans negra, de uma travesti, por isso que a gente tem que olhar para trás e agradecer. Quantas travestis pagaram com a vida, com a integridade física, foram expulsas de casa e ainda são, para permitir que eu estivesse aqui no senado hoje? Quando você tem uma vereadora que é travesti ou uma deputada que é uma mulher trans, existem outras formas de discriminação que vão se aprofundando”.

Católico, o senador teve muita dificuldade para “sair do armário” e enfrentou os dogmas e pensamentos tortuosos da igreja para assumir sua sexualidade. Ele diz que carregava uma “culpa” por ter sentimentos homossexuais e nunca se permitia a se relacionar com um outro homem. Por este motivo, ele conseguiu dar o primeiro passo somente aos 26 anos, quando engatou um romance com o primeiro namorado.

“Eu era atingido pelos comentários das pessoas falando ‘o Contarato é inteligente, mas é gay’ e eu nunca tinha nem me declarado, nunca tinha tido nenhum relacionamento. Então, a válvula de escape era a religião. Rezava muito para que Deus mudasse isso em mim e focava no estudo. Para que as pessoas me aceitassem, eu tinha que ser o melhor. É como se houvesse uma compensação. Não por maldade, eu só pensava que ‘para suprir esse lado, eu tenho que ser o melhor aluno’. Esse foi o meu caminho.”

Fabiano, então, decidiu gritar ao mundo sobre os sentimentos dele e entendeu o amor de Deus de uma forma diferente, com os olhos de quem não exclui, mas daquele que inclui. “Gosto muito de falar que a minha religião é o amor. Foi muito complicado porque eu estava nessa família que eu amo, com meus pais e irmãos, sem poder me declarar para eles porque é muito difícil. Parece que você usa uma máscara o tempo todo. Você não é você para as pessoas que você mais ama”.

Das urnas à luta LGBTQIA+

Contarato conquistou o almejado cargo como delegado de polícia, passou a trabalhar com crimes de trânsito e interagia bastante com a população. Neste período, também passou a fazer trabalhados dentro de presídios para falar sobre erradicação da tortura, explicar para os policiais e os agentes penitenciários a importância destes assuntos, e seu trabalho começou a ganhar visibilidade. A partir daí, algumas pessoas começaram a pedir que ele se tornasse candidato a algum cargo eletivo, algo que ele jamais esperasse em sua carreira.

“Confesso que eu criminalizava a política. Eu dizia ‘não, isso não, nem morto’. A minha história de vida que me credenciou para isso. Um dia me lembrei do discurso do Martin Luther King, quando ele fala ‘o que mais assusta não é a perversidade dos ruins, mas a omissão dos bons’, e percebi que estava ‘enxugando gelo’ na delegacia de trânsito apurando, presidindo um inquérito de crimes de trânsito com morte que não dava em nada. Eu dizia ‘a gente tem que mudar a lei’. Foi aí que entendi que não poderia ficar omisso para mudar a lei. Eu não quis ser senador por vaidade, mas é uma questão pragmática”, explica.

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Hoje, Fabiano faz uma convocação a todas as pessoas, principalmente LGBTQIA+, para que não demonizem a política e pede que todos se interessem por este assunto. Ele destaca que esta é uma das únicas saídas para conseguir uma mudança efetiva nas leis de proteção à comunidade. Além disso, ele avisa que apenas estar em um partido político já ajuda a construir um projeto de governo para o município, estado, União, para o país, seja na Câmara Federal, no senado, na Assembleia Legislativa, nas prefeituras ou na Câmara de Vereadores.

“Entre em um partido político, seja ele qual for. Aquele que você mais se identifica. A gente criminaliza a política. Quando eu fui falar com a minha família, eles falavam ‘você vai se meter lá no meio desse bando de...’ Eu lembro que fiquei triste e falei com eles ‘a partir de hoje, vocês não têm legitimidade para reclamar que a saúde pública não é de qualidade, que a educação pública de qualidade não existe, que temos um desemprego enorme e que nós temos 80 milhões de brasileiros em situação de pobreza. Se vocês me conhecem e acham que eu não posso fazer viver naquele espaço de decisão, de poder ali, de transformação, mas vocês chancelam quem faz da política uma profissão’. Eu sou delegado e professor universitário. Eu estou como senador”, crava.

O parlamentar é casado com o fisioterapeuta Rodrigo Groberio desde novembro de 2017 e os dois adotaram juntos Gabriel e Mariana. O político não esconde o orgulho que sente dos três e descreve ao iG Queer que, para ele, família é onde ‘você deixa semear, plantar amor’. Fabiano também destaca que família não tem orientação sexual, não tem regra se é dois pais ou duas mães, se é um pai ou uma mãe.

“É onde se brota o amor, onde você fala e transmite Deus. E não estou falando desse Deus que está acima de todos, mas na forma como olha para as pessoas, você enxerga aquele Deus que imagina e, com isso, vai exercitar mais a caridade, a compaixão, o amor, o diálogo, a humildade. A família é um local, um terreno forte onde o insumo, o elementar ali é o amor transformador.”

E foi no futuro de todos os tipos de família que Fabiano pensou quando resolveu bater de frente com a frase homofóbica dita por Otávio Fakhoury. Na época, o parlamentar havia cometido um erro ortográfico em um post no Twitter dizendo que o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten deveria ser preso e que, no depoimento, havia se configurado "estado fragancial (sic)" ao invés de “flagrancial”. O  empresário bolsonarista foi à mesma rede social e disse em tom jocoso “o delegado, homossexual assumido, talvez estivesse pensando no perfume de alguma pessoa ali daquele plenário. Quem seria o ‘perfumado’ que lhe cativou?”

“Tomei conhecimento daquela daquele crime no dia anterior e eu confesso que eu não falei para o meu marido porque eu sei o quanto ele se preocupa comigo. Infelizmente ainda sofro ofensas . Não tinha dormido direito. Cheguei cedo ao senado, 8h da manhã, e fui direto para a CPI. A prioridade para falar é para membro, titular ou suplente, e eu não faço parte desse grupo, só teria espaço se desse tempo. Minutos antes, eu ainda estava muito na dúvida se falava ou não, mas quando decidi, comuniquei ao senador Renan Calheiros (MDB-AM) [sobre o que aconteceu] e ele disse que eu ia falar, inclusive, antes dele. O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão, não viu a ofensa, eu não tinha mostrado a ele”, lembra dos bastidores.

Em um país que mais mata pessoas transexuais no mundo, Fabiano acredita que um comportamento homofóbico, transfóbico, racista, misógino, sexista e xenofóbico atinge a toda a população, de um modo geral. Contudo, naquele momento, teve muito medo de sua privacidade ser atingida, mas prezou por lutar pelo direito coletivo e não podia imaginar que realmente o presidente fosse o convidar para discursar.

“Eu acredito que o que ele disse foi um ato de covardia com a população LGBTQIA+”, afirma. “Quando me pediram para falar sentado na cadeira da presidência, não sabia o que eu ia falar. Me chamou para que eu ficasse lá ombro a ombro com a pessoa que praticou o crime contra mim, tendo ouvido ele falar dez vezes a palavra família, sobre vida, legalidade, moralidade e em Deus foi muito difícil controlar o lado emocional com o racional. Eu acho que isso que fez com que eu falasse daquela forma que eu acho que que foi contaminada, no bom sentido, de emoção, mas sempre tentando ser racional. Foi um momento muito difícil e eu não imaginava, confesso, que fosse ter tanta repercussão.”

Contarato garante que ainda tem muito fôlego e força para combater a visão deturpada de grande parte da classe política. Ele acredita que seu discurso tenha mexido muito com as pessoas e deu mais visibilidade para que os parlamentares tomem consciência sobre o preconceito, principalmente dentro de um governo negacionista, homofóbico, racista e misógino.

“Não podemos focar naquilo que as pessoas fazem para nós, mas analisar o que estamos fazendo com aquilo que estão praticando contra a gente e o que nós estamos transformando aquilo. Precisamos ter mais coragem, maior participação da população LGBTQIA+ na política e colocar em debate. Se o Senado aprovar qualquer lei, e se este Presidente da República [Jair Bolsonaro] vetar, a gente ganha mais força para derrubar o veto e isso nos fortalece cada vez mais. Ser cidadão não é apenas viver em sociedade, mas transformá-la”, finaliza.

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