A startup de impacto social Nohs Somos, que tem como CEO o empreendedor social Hóttmar Loch, esteve presente na primeira edição do “The Town”, o festival de música “irmão” do Rock in Rio, que ocorreu em setembro deste ano. No evento, a Nohs Somos atuou em três frentes diferentes.
“A gente fez uma curadoria de conteúdos, com influenciadores produzindo conteúdo acerca da pauta LGBT+ durante o festival”, conta Hóttmar, que fala na sequência da segunda ação: a implementação de dois banheiros sem gênero.
“A gente auxiliou nas estratégias [da implementação dos banheiros sem gênero]. A gente até estava esperando algum tipo de hate, mas não aconteceu nada significativo em relação a essa pauta”, afirma o empreendedor social.
“Falando agora da minha experiência, nas vezes que eu frequentei o banheiro sem gênero, a maioria das pessoas que entrava era queer, mas também havia pessoas que não eram da comunidade. Vi algumas postagens nas redes sociais positivas em relação à pauta, No geral, a gente sentiu um cenário muito mais positivo do que negativo.”
Contudo, Hóttmar pontua que “obviamente existem alguns desafios”. “Por exemplo, nas áreas vips, não tinha banheiro sem gênero. A gente ouviu algumas demandas de artistas. A Pepita, por exemplo, foi uma que trouxe alguns pontos em relação a essa questão.”
Pelo fato de ter sido a primeira edição do “The Town”, “existiram muitos erros, com outras pautas de diversidade, em especial a de acessibilidade”, avalia Hóttmar, que acredita que as falhas “são uma excelente oportunidade para o negócio.”
“Por que eu gosto de falar ‘enquanto negócio’? Porque não é assistencialismo. A questão é que quando a gente entende que uma pauta é negócio, a gente dá o espaço devido a ela. Qualquer área dentro de uma organização, ou seja, dentro de um negócio, tem planejamento, tem recurso, tem uma governança.”
A terceira ação de diversidade que a startup esteve envolvida durante o festival foi a construção de um censo LGBT+ com as pessoas que compareceram ao evento. “Tínhamos a meta de 500 pessoas respondentes por dia. Tivemos 500 respostas a mais do esperado”, comemora Hóttmar. Os dados sobre o censo ainda não foram divulgados.
“A gente fala nas empresas, durante as consultorias, que a diversidade está em um lugar muito parecido com a inovação. Óbvio que é legal você ter uma área específica para criar projetos cada vez maiores, mais interessantes e interligados com a organização. Mas é muito interessante que a diversidade esteja em toda a organização, tal qual a inovação”, defende o empreendedor.
Ele continua: “Quando a gente fala de letramento, de capacitação, de treinamento dentro de casa [da empresa], a gente está dizendo que é necessário uma recorrência. E ainda assim você não está livre de ter casos de LGBTfobia , de racismo, e outros preconceitos .”
Empreendedorismo social
As eleições de 2018 impactaram o Brasil, e em especial a comunidade LGBTQIAPN+ que se sentiu ameaçada pela vitória de Jair Bolsonaro, que sempre deu declarações LGBTfóbicas . Este foi o evento propulsor para que Hóttmar criasse mais tarde a Nohs Somos.
“Quando Bolsonaro ganhou, lembro até hoje, fui passear com a minha cachorra, e eu estava muito desolado. Fiz uma postagem no meu Instagram. Eu não postava nada para além de fotos minhas. A postagem era uma imagem de uma mão colorida e eu escrevi algo do tipo: ‘A gente vai fazer alguma coisa’.”
O empreendedor lembra que interagiu com uma menina trans que relatou que estava há uma semana sem sair de casa com medo de morrer, por conta da ascensão da violência que ocorreu naquele período. “Aquilo me chocou”, lembra Hóttmar.
“Eu sempre gostei muito de tecnologia e liderança. Durante o resultado da eleição e tudo o que estávamos passando, eu comecei a pensar o que a gente tinha de tecnologia que auxiliava a comunidade, para além dos aplicativos de relacionamento.”
A partir dessa reflexão, Hóttmar fez sociedade com um amigo e a dupla começou a se organizar. “A gente fez umas três reuniões com um coletivo de cerca de 90 pessoas para pensar o que poderíamos fazer, usando a tecnologia. Lá nesse início a gente já começou a usar o Design Think para conseguir conciliar essas percepções. Ali nasce a ideia do Mapa LGBTI+.”
Quem mapeia o site é a própria comunidade LGBT+, que o usa, explica o empreendedor. “O que o mapa faz é organizar os dados da comunidade e devolver para que a comunidade possa tomar decisões mais assertivas acerca de lugares que fazem sentido [para ela frequentar]. Tem mais restaurantes, bares, baladas e hotéis [LGBTfriendly].”
“Mais de 100 pessoas voluntárias já passaram pela Nohs Somos. A gente só chegou onde a gente está hoje porque muita gente acreditou na ideia, acreditou na gente, construiu junto com a gente, o que é muito desafiador. Pagar com grana e conseguir manter uma cultura, já é desafiador. Agora pagar com propósito, quando as pessoas trabalham na hora livre delas, é mais ainda [desafiador].”
Além do Mapa LGBTI+ a startup também criou uma iniciativa semelhante, o Bar de Respeito , em parceria com a Ambev, que mapeia especificamente bares LGBTfriendly, e que surgiu durante os jogos da Copa do Catar.
“Em 2020 nasce a consultoria como uma demanda de mercado”, continua Hóttmar traçando uma linha do tempo da startup. “A gente começa a levar para o corporativo a parte estratégica de construção de plano e comitê [de diversidade], em que a gente olha muito para pesquisa e dados. [Trabalhamos] tudo o que tange a construção de planejamento, além do setor de treinamento, em que a gente treina liderança, áreas, temas específicos, colaboradores, constrói eventos entre outras ações.”
CEO disruptivo
Apesar de flertar com os signos de masculino e feminino em seu vestuário Hóttmar explica que se identifica como uma pessoa cis. Contudo, ele tenta levar essa provação e questionamento de gênero também para o mundo corporativo.
“Eu estava muito insatisfeito com a minha expressão de gênero, no que tange a vestimenta, e queria me apropriar mais de quem eu era. Então, há cerca de dois anos comecei a querer expor mais para o mundo aquilo que eu estava sentindo dentro de mim. Foi quando nasceu um pouco dessa vestimenta, que inclusive eu busco levar para o corporativo, só que depende, nem sempre eu consigo”, pontua o CEO.
Ele explica que a forma como vai se vestir em atividades profissionais “depende muito da cultura do evento”.
Na sequência, Hóttmar traz um exemplo: “Teve um evento que eu nem estava tão diferente na vestimenta e eu ouvi um ‘chupa r*la’ no banheiro.”
“Uma empresária que palestrou comigo em um outro evento me contou que um palestrante, quando eu passei, comentou: ‘Pra que isso né?’ [se referindo a vestimenta de Hóttmar]. Aí ela deu o show que tinha que dar, obviamente com toda a voz da razão.”
Com as experiências, o empreendedor avalia que existem eventos em que é desafiador bancar esse estilo, contudo ele reconhece seu lugar de privilégio.
“Obviamente que eu ainda falo de lugar de muito privilégio, porque quando a gente entra no corporativo, por mais que você não vai ver uma violência física com muita frequência, você vai ver muita piada, vai viver [a LGBTfobia] nas entrelinhas, naquilo que não é dito.”
“Posso dizer com certeza que não temos mais clientes por conta dessa nossa cultura que não é o corporativismo 100%, ao mesmo tempo que é o nosso diferencial, para onde a gente está construindo e para onde a gente está caminhando. É desafiador, a gente perde dinheiro com isso, mas é uma construção a longo prazo”, finaliza o CEO.
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