O CEO da Mais Diversidade Ricardo Sales já atua com diversidade e inclusão há quase duas décadas.
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O CEO da Mais Diversidade Ricardo Sales já atua com diversidade e inclusão há quase duas décadas.

Os últimos quatro anos foram de grande retrocesso para as pautas de diversidade e direitos humanos, especialmente para a comunidade LGBT+, com um governo que era assumidamente LGBTfóbico . Foram várias as declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro que ofendiam, não apenas a comunidade queer, mas também mulheres, negros, pessoas com deficiência e indígenas.

Em um dos pleitos que vão ficar para a história, a eleição de 2022 reelegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o seu terceiro mandato como chefe do Executivo. Com um perfil mais progressista , Lula parece ter aprimorado sua visão sobre diversidade e já podemos ver avanços significativos.

“É um respiro podermos voltar a falar sobre esses temas de uma forma propositiva. As nossas expectativas passam, sobretudo, pelo retorno das políticas públicas, de um Estado brasileiro atuante mais uma vez nessa agenda, o que é absolutamente fundamental porque a diversidade e inclusão não é de responsabilidade exclusiva das empresas”, afirma o CEO da Mais Diversidade, Ricardo Sales, que avalia ainda que, apesar de um presidente e um ministério progressistas, a nova administração vai precisar lidar com um Congresso “mais conservador que o anterior”.

“É importante lembrar que embora tivemos esse respiro no Executivo, continuamos com um Congresso ainda mais conservador que o anterior, com a maior bancada do partido do ex-presidente [PL]. Fiquei feliz de termos um ministério mais diverso, mas ao mesmo tempo frustrado por não haver paridade de gênero. Celebramos ao mesmo tempo em que apontamos o que ainda falta construir”, diz.

Empresas ocuparam vácuo deixado pelo governo Bolsonaro

Na avaliação do empresário, a pauta de diversidade e inclusão evoluiu de forma significativa nos últimos anos e que o retrocesso imposto pelo governo anterior serviu de motivador para que as empresas brasileiras ocupassem um vácuo.

“Nós tivemos um governo que não só não tomou iniciativas em relação à defesa e ao respeito dos direitos humanos, mas também adotou uma postura de enfrentamento em relação a essas agendas”, afirma Sales.

Ele avalia ainda que o ano de 2020 foi de “inflexão e virada na agenda de diversidade” uma vez que episódios importantes como os assassinatos de George Floyd, nos Estados Unidos, e João Alberto Freitas, no Carrefour de Porto Alegre, além da pandemia , marcaram o ano. Ocorridos como estes fizeram com que a pauta ESG (Pilares da governança ambiental, social e corporativa nas empresas) avançasse, segundo o executivo.

“Eu brinco que o tema ‘subiu de andar’ nas empresas. Ele foi parar no andar da diretoria e no Conselho de Administração. Isso se deve a diversas razões, mas inclusive porque o mercado passou a olhar para a agenda de diversidade e inclusão como uma agenda de negócios. No contexto brasileiro, todas essas iniciativas são lidas em conjunto com a lacuna do Estado, e as empresas, tendo que ser criativas para ocupar um espaço importante de garantia dos direitos dos seus funcionários, desenvolveram suas próprias políticas”, afirma.

Avaliando o ano passado, o CEO analisa que mesmo “muito conturbado e tumultuado” e tendo sido um “ano de guerra, de rescaldos de pandemia, de eleição , de Copa do Mundo , de economia muito ruim no Brasil e de crise política”, ainda assim as empresas mantiveram os investimentos em diversidade e inclusão “porque sabem que isso está diretamente relacionado a competitividade delas e suas capacidades de atraírem os melhores talentos”.

“O tema [diversidade e inclusão] deixou nos últimos anos de ser uma pauta acessória e assumiu o protagonismo de ser uma pauta estratégica, sem a qual as empresas devem até se perguntar se haverá futuro para elas”, afirma.


Geração Z dominará o mercado

O CEO afirma que em 10 anos a geração Z será a maioria no mercado de trabalho.
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O CEO afirma que em 10 anos a geração Z será a maioria no mercado de trabalho.



Segundo dados do Great Place to Work, as gerações Y e Z já representam 60% da força do trabalho global. A Y é a famosa “geração millennial”, que engloba as pessoas nascidas entre 1982 e 1994; já a geração Z, está com idade entre 15 e 20 anos, e na definição de Sales “é uma geração que não deixa passar batido situações de preconceito e discriminação”. Esta é uma característica que vai definir muito as relações de trabalho no futuro, segundo o CEO.

“A geração mais nova hoje no mercado de trabalho é a Z e ela será a maioria no mundo corporativo em 10 anos - o que não é nada termos históricos. É uma geração nativa digital que tem provocado as organizações no sentido de reivindicar suas identidades. Tem sido comum ouvir ‘eu não vou trabalhar nessa empresa, se eu não puder ser quem eu sou, se eu não puder falar abertamente sobre minha orientação sexual, se eu não tiver a minha raça, o meu gênero, a minha condição de deficiência respeitados’, entre outras questões”, afirma.

Diante deste cenário, Sales avalia que a questão da diversidade e inclusão já é parte inerente do mundo corporativo, e as empresas que não se atentarem para a condição estarão defasadas.

“Quando falamos que uma empresa tem que falar sobre diversidade e inclusão, há várias razões. Eu sempre começo pelas razões éticas porque vivemos em uma sociedade desigual, em que os preconceitos se manifestam com grande intensidade. Além dessa razão, tem o aspecto de negócio que se soma. Sabemos que o tema é importante para o aumento da criatividade, da inovação, para diminuir a rotatividade de funcionários e para a melhora da reputação da empresa. Por fim vêm as mudanças geracionais”, explica.

Para o CEO, a geração Z é mais crítica, contudo, tem dificuldades de avaliar os progressos já adquiridos, especialmente para a população LGBTQIAN+. Ele avalia que de 2011 a 2021, a “década das conquistas”, o Brasil deu um salto referente a políticas públicas voltadas para população LGBT+.

“O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a legitimidade das uniões homoafetivas [em 2011]; depois, em 2015, a autorização para retificação do nome de pessoas trans foi simplificada; em 2019, ocorreu a equiparação da LGBTfobia ao crime de racismo ; em 2020, o STF retirou a proibição de homens cis homossexuais, mulheres trans e travestis de doarem sangue . Na época, as pessoas ficaram chocadas porque nem sabiam que era proibido”, lembrou Sales que avalia que “foram avanços muito importantes em um curto espaço de tempo”. Contudo, ele faz uma ressalva, uma vez que todos esses direitos “vieram pela via do Judiciário”.

“Não tivemos o Executivo, nem o Legislativo brasileiros atuando nessas demandas. Uma legislação específica para a questão do casamento homoafetivo, por exemplo, teria evitado que depois da vitória do Bolsonaro, no final de 2018, tantos casais LGBTs corressem para os cartórios para casar, uma vez que não havia uma legislação que permitisse o casamento homoafetivo, mas sim entendimento progressista do STF”, diz.


Comunicação forma imaginários


Ricardo Sales ainda afirma que a mesma premissa - de que a geração Z é mais crítica, mas não reconhece os progressos - vale também para o campo da comunicação. Ele explica que, em uma conversa que teve com uma pessoa mais jovem, foi questionado se as iniciativas de diversidade e inclusão de algumas empresas não são meramente ações de publicidade, o que ele discorda.

“Nunca é só uma campanha de marketing. A comunicação forma imaginários, ela pode desconstruir estereótipos, ela tem um peso imenso. Se uma pessoa acha que é só publicidade, é porque possivelmente ela não nasceu em um mundo em que a mídia só ia contra a diversidade, em especial aos temas LGBTs”, afirma.

O CEO, que neste ano completa 18 anos de experiência com diversidade e inclusão, tem 39 anos e lembra que no passado a televisão abusava de  estereótipos para representar as pessoas LGBT+.

“Eu nasci em um mundo em que há 10 anos o programa de humor na televisão era uma violência tremenda. Era um pai que olhava para câmera diante do seu filho gay para dizer: ‘Onde foi que eu errei?’. Era um bordão repetido no país todo” [no programa 'Zorra Total' (1999-2015), da TV Globo].  O Silvio de Abreu [autor de novelas] colocou um casal de lésbicas em 'Torre de Babel' (1998-1999) e elas morreram na trama em uma explosão em um shopping porque as personagens não foram aceitas pelo público”, diz.

Trazendo um contraste com as produções audiovisuais de hoje em dia, Sales faz uma reflexão sobre série queer “Heartstopper” (2022), da Netflix.

“Eu assisti à série ‘Heartstopper’ e fui conversar com amigos da minha geração e eles tiveram a mesma sensação que eu: de desgraça iminente. Nós víamos aqueles dois meninos juntos construindo uma relação e passamos episódio por episódio esperando algo de ruim acontecer, porque passamos a vida assistindo nossas histórias terminarem de forma trágica”, conta.

Por fim, o CEO afirma que os produtos audiovisuais, em especial as novelas, no caso do Brasil, “têm um papel pedagógico muito importante” que às vezes o jovem não vai consumir ou entender, mas que tem como público-alvo faixas etárias mais velhas, que são educadas com as histórias que estão cada vez mais diversas.

“[A novela é feita] para os avós, os pais e os tios, que estão se educando e aprendendo o que é uma pessoa trans, o que é uma pessoa assexual em novelas da Glória Perez, por exemplo. Vai ser perfeito? Óbvio que não! A novela também vai trabalhar com estereótipos, vai ter que reduzir um senso complexo de uma forma muito simples, porque ela tem que abranger um número grande de público, mas já é um avanço”, finaliza.


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