Comunidade LGBTQIAP+ apresenta maior tentativa de suicídio
Reprodução/Canva/iG Queer - 09.10.2023
Comunidade LGBTQIAP+ apresenta maior tentativa de suicídio

O Dia Internacional da Saúde Mental é celebrado em 10 de outubro e urge a importância de debater o assunto de forma explícita na sociedade, especialmente quando tratamos de grupos minorizados como a comunidade LGBT+.

Com base em estudos sobre  estresse de minoria , uma teoria fundada na ideia de que minorias sociais lidam com estressores específicos, os quais podem atuar como fatores de risco da saúde física e mental desses grupos de pessoas, e sua relação com desenvolvimento de quadros de depressão, ansiedade e ideação suicida , o iG Queer conversou com o médico Bernardo Rahe, psiquiatra clínico com atuação nas áreas de saúde mental da população  LGBTQIAP+ e dependência química e não química para entender esse cenário.

Bernardo explica que a ideação suicida e as questões de  saúde mental na população LGBTQIAP+  são desencadeados pela somatória de diversos fatores, entre eles a  falta de apoio familiar e o preconceito sofrido dentro da própria casa . Contudo, é preciso analisar ainda toda a situação de vulnerabilidade na qual essa pessoa pode estar inserida socialmente.

“Ser parte de uma minoria é um fator de risco importante para a saúde física e mental das pessoas de uma maneira geral”, diz o especialista, que também é membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), da Associação Internacional de Psiquiatras LGBTQIAP+ (AGLP) e da Associação Mundial Profissional para a Saúde Transgênero (WPATH).

O médico compartilha estudos que têm demonstrado que vários estressores relacionados às minorias têm ligação com suicídio.

“Uma metanálise [combinação de diferentes estudos] da cientista Jennifer de Lange e colaboradores, publicada em 2022, que analisou adolescentes e adultos jovens, demonstrou que, no geral, a vitimização baseada em preconceito contra a comunidade LGBT, a vitimização geral, o bullying e o tratamento negativo por parte da família estavam significativamente associados a ideação suicida e/ou tentativas de suicídio.”

Letras mais afetadas da sigla

A prevalência de episódios de depressão entre lésbicas, gays e bissexuais é de 32,67%
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A prevalência de episódios de depressão entre lésbicas, gays e bissexuais é de 32,67%

Pesquisas apontam um maior risco de tentativas de suicídio entre lésbicas, gays, bissexuais  e transgêneros, em comparação com heterossexuais (de 11% a 20% contra 4%, respectivamente).

“A população LGBTQIAP+ tem vários pontos em comum e muitos fatores de risco e de proteção são compartilhados, mas não podemos esquecer que cada ‘letra’ tem sua particularidade e que deve ser vista com cuidado”, afirma Bernardo.

Com base em estudos, ele argumenta que pessoas bissexuais e transgênero têm um risco maior de tentativas de suicídio e de cometerem suicídio. Já as mulheres lésbicas , além de sofrerem  lesbofobia podem ser impactadas também pela misoginia e, consequentemente, terem um somatório de estressores.

População trans tem até quatro vezes mais propabilidade ao suicídio

De acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), estima-se que 42% da população trans já tentou suicídio. Já um relatório chamado “Transexualidades e Saúde Pública no Brasil”, do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT e do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Univsersidade Federal de Minas Gerais (UFMG), revelou que 85,7% dos transmasculinos já pensaram em suicídio ou tentaram cometer o ato.

“Em uma análise como grupo, a população LGBTQIAP+ tem duas a quatro vezes maior probabilidade de cometer suicídio quando comparados com seus pares heterossexuais e cisgênero”, afirma Bernardo.

Para o psiquiatra, dentro da própria comunidade LGBTQIAP+ esse número varia, e as pessoas transgênero têm um risco maior (ideação, planejamento, tentativa e suicídio consumado) que pessoas cisgênero. “O mesmo ocorre com bissexuais em relação a gays e lésbicas”, completa.

Outro estudo, conduzido pelo pesquisador e professor do Departamento de Demografia da UFMG, Samuel da Silva, revelou que a prevalência de episódios de depressão entre lésbicas, gays e bissexuais é de 32,67%.

Acesso ao tratamento também pode ser uma barreira

Depressão, ansiedade e crise de pânico são recorrentes na comunidade LGBT
Pexels/Anna Shvets
Depressão, ansiedade e crise de pânico são recorrentes na comunidade LGBT

“O acesso da comunidade LGBTQIAP+ à saúde é, sem dúvidas, um tema crítico, com uma série de entraves nos setores público e privado. A LGBTfobia institucional e a falta de preparo dos profissionais de saúde no atendimento dessa população têm um papel importante na demora para que as pessoas acessem o sistema de saúde e recebam o tratamento adequado.”

O sistema de saúde de maneira geral, não só no Brasil, não está totalmente preparado para acolher as pessoas LGBTQIAP+ e suas especificidades. “Saber que a população LGBT+ não é um grupo único e homogêneo e que cada pessoa tem suas vulnerabilidades e seus fatores protetores é fundamental para um cuidado adequado e eficaz.”

Política Nacional de Saúde Integral LGBT

No Brasil, em 2011, foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT) no Sistema Único de Saúde (SUS).

Para Bernardo, houve avanços nesse sentido, e que é preciso reconhecê-los, sobretudo para não deixar que os empecilhos ainda existentes sejam desmotivadores para os indivíduos que precisam de tratamento.

“Cerca de 90% dos pacientes apresentam remissão total da doença quando tratados e, hoje, temos profissionais devidamente treinados para atender a este público. Em situações de crise ou suspeita de transtorno mental, a recomendação é que se busque ajuda”, defende.

Além disso, o psiquiatra enfatiza que a depressão é uma doença multifatorial que pode ser desenvolvida por diversos fatores, como genética, bioquímica cerebral e eventos estressores.

Para prevenir a doença ele recomenda a todos, sendo da comunidade LGBTQIAP+ ou não, tentarem manter uma vida saudável, com a prática regular de atividades físicas, atividades de lazer e a manutenção adequada do sono.

“Também é importante que pacientes e aqueles que estão à sua volta tenham atenção a sintomas como a sensação de tristeza e apatia de forma prolongada, insônia, cansaço excessivo, alterações de apetite e dores no peito, e que indiquem ou busquem ajuda médica.”

É preciso agir antes

A luta contra o preconceito, o letramento, o acolhimento e todas as discussões político-sociais sobre os direitos e a inclusão de pessoas LGBTQIAP+ são os primeiros passos para avançarmos no combate ao suicídio neste grupo, pontua o especialista.

“Para o indivíduo, no dia a dia, ter informações confiáveis sobre transtornos mentais, redes de apoio e acesso ao tratamento de questões de saúde mental pode fazer toda a diferença nessa jornada.”

Outro ponto importante é que equipes de saúde estejam preparadas para o atendimento a pessoas com comportamento suicida, “além da capacitação para o atendimento adequado da população LGBTQIAP+ que historicamente é vítima de preconceitos e agressões no sistema de saúde.”

Suicidado

Casos de pessoas LGBTQIAP+ suicidadas , termo que se refere a estigmatização social que leva as pessos a tirarem a própria vida, é uma realidade. Casos se tornaram representativos nesse debate, como o de Demétrio Campos e  Paulo Vaz , dois homens trans.

Paulo Vaz era um ativista transmasculino
Instagram/Reprodução
Paulo Vaz era um ativista transmasculino


Bernardo completa dizendo que falar de saúde mental sem estigmas e ampliar as discussões para todos os âmbitos possíveis como “familiar, corporativo, político e social”, ouvindo as necessidades e questões específicas desse grupo e pensando, integralmente, em como fornecer o suporte adequado, é também uma forma de evitar o enfraquecimento da saúde mental de pessoas queer.

“O enfrentamento ao estigma e preconceitos vividos pela população LGBTQIAP+ é fundamental. Outros fatores de proteção que devem ser estimulados são: grupos de apoio, se sentir seguro em ambientes distintos — como a escola, faculdade e locais de trabalho —, ter bom vínculo familiar e/ou com amigos, empregabilidade e boas condições de saúde”, finaliza.

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