Setembro é o mês dedicado à conscientização e prevenção do suicídio , campanha que teve início em 2015 no Brasil e até hoje se dedica a discutir, desmistificar a alertar a população sobre saúde mental. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o país está entre os 10 países do mundo com a maior taxa de suicídio, e em 2020, dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que o número de suicídios no Brasil foi de 12.895 casos.
Quando se trata da comunidade LGBTQIAP+, naturalmente marginalizada dentro das estruturas e ambientes sociais , os transtornos psicológicos ganham destaque, principalmente devido aos gatilhos externos, como a própria LGBTfobia e a relação com a família. Thaís Christinne Ventura, psicoterapeuta voltada para a população LGBT+, aponta que esses fatores estão presentes na queixa de grande parte dos pacientes.
“[Os pacientes] trazem queixas diversas: questões de trabalho, relacionamento, família, saúde, etc., mas o ponto em comum que os conectam, além das condições sobre gênero e sexualidade, são as situações de preconceito e discriminação que vivem: não aceitação da família e medo de exposição no trabalho, por exemplo”, explica.
Isabela Perim, analista de informações, é um mulher cis lésbica que lida com a depressão e a ansiedade. Ela já passou por tratamento unindo medicamentos e terapia para lidar, entre outras situações, com as violências que sofre por ser quem é.
“Os julgamentos, os olhares e a homofobia mascarada por perguntas inconvenientes são algumas das principais violências. Isso impacta muito na minha saúde mental, pois me sinto muito insegura e preciso constantemente me explicar para as pessoas, principalmente por ter uma expressão de gênero ligada a estereótipos masculinos, e consequentemente me desmotiva a fazer o que tenho vontade por medo do que posso ouvir”, conta.
Thaís pontua que as consequências do preconceito e da falta de amparo sofridos pela comunidade LGBTQIAP+ pode variar desde desvios de comportamento e agressividade até transtornos como depressão, ansiedade, automutilação (prática de ferir a si mesmo como forma de “descarregar” o sofrimento emocional) e abuso de drogas e álcool.
“Estudos apontam que uma pessoa que sofre preconceito tem quatro vezes mais chances de desenvolver depressão do que alguém que não sofre. Os sintomas são diversos, mas é importante nos atentarmos principalmente ao isolamento constante, afastamento da família e amigos, relatos de tristeza, angústia, além de consumo constante de álcool e outras drogas, abandono de si mesmo e sensações de despedida”, ressalta.
Para conseguir lidar com os reflexos emocionais da violência social (e também familiar, em muitos casos), Isabela chama a atenção para o fato de que boa parte dos atendimentos dedicados à saúde mental são pagos, e quando uma pessoa que não tem condições de bancar esse recurso, os hospitais públicos normalmente têm muitas filas e atendimentos pouco eficientes.
“Deveria-se criar um viés em que as pessoas LGBT sejam direcionadas a um psiquiatra ou psicólogo capacitados para conseguirmos ter um apoio sem precisar desembolsar uma grande quantidade de dinheiro para isso. Ter um setor voltado apenas para a saúde mental de pessoas LGBT+ seria interessante e poderia funcionar melhor”, destaca.
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Tendo em vista a necessidade de uma boa qualidade de atendimento, muito se debate sobre a capacitação dos profissionais e também o receio que pessoas LGBTQIAP+ podem ter de procurar um especialista para tratar da saúde mental e acabarem não encontrando o apoio necessário. Sobre isso, Thaís reconhece que muitos profissionais ainda manifestam preconceito dentro dos consultórios.
“A psicologia é, na verdade, uma ciência que afirma em todo o seu código de ética o compromisso com o bem estar do sujeito. Dessa forma, o espaço terapêutico deve ser um local isento de preconceitos e da opinião do psicólogo, sendo assim, deveria desde sempre ser um espaço inclusivo à comunidade [LGBT]. Mas sabemos que nem todo colega é um profissional pautado nessa realidade, então acredito ser necessário ressaltar o quanto é importante que nós profissionais estejamos em busca de cada vez mais conhecimento e especificidades da comunidade [LGBT] para que a gente não reproduza ainda mais preconceito no único lugar que não deveria existir esse tipo de atitude”, explica.
A experiência de Isabela com o psicólogo e o terapeuta com quem fez acompanhamento foi boa, de acordo com ela, mas não foi direcionado. “Talvez se fosse uma terapeuta especializada em pessoas LGBTQIA+ eu poderia ter um acompanhamento mais específico. Acho importante que as pessoas que escutem a gente tenham, no mínimo, conhecimento sobre quem nós somos e o que passamos no dia a dia. Apenas assim seremos realmente compreendidos”, destaca.
Ainda sobre a sua experiência, ela comenta que ouviu comentários desagradáveis por parte do pai ao se assumir e que refletem em si até hoje em forma de insegurança, ansiedade e depressão. “[Essas palavras] me causam crises quando escuto termos similares aos que ele me disse na época”, explica. Em vista disso, a falta de apoio por parte da família é um fator de destaque quando o assunto é saúde mental de pessoas LGBTQIAP+.
Thaís chama a atenção para o fato de que, no caso dos jovens, por exemplo, ter amparo familiar é fundamental e ajuda a manter o bem estar emocional desses indivíduos.
“Alguns estudos apontam que quando um jovem LGBTI+ é acolhido por um adulto o risco para suicídio cai 40%, ou seja, ter alguém que o ame ou aceita já contribui muito para sensações de bem estar desta pessoa, mas ainda há um medo de rejeição a ser trabalhado pelo filho LGTBI+ e são temas recorrentes no setting terapêutico”, declara.
E quando se fala sobre saúde mental LGBTQIAP+?
Independentemente da campanha Setembro Amarelo, questões relacionadas à saúde mental, e mais especificamente à saúde mental LGBT, devem ser debatidas sempre que possível, justamente para que informações, orientações e métodos de prevenção ao suicídio possam ser difundidos em todos os meios ao máximo possível.
Para Isabela, atualmente ainda não se discute a saúde mental de pessoas LGBT+ tanto quanto deveria. Para ela, a imagem dessa população ainda é estigmatizada e recebe pouca atenção e iniciativas insuficientes.
“O que existe são pessoas presumindo o que nós precisamos ou não, sem ouvir o que temos a dizer. Precisamos de uma gama de profissionais gratuitos que possam nos atender porque a demanda é grande. Sofri muitas violências verbais e físicas, como quando jogaram vinho em mim e em um amigo gay com quem eu estava, enquanto riam. Tudo isso gera traumas que se acumulam e precisam ser discutidos, mas nossa saúde mental fica de lado. Gostaria que pudéssemos falar abertamente sobre as violências que sofremos. Toda pessoa LGBT já sofreu alguma agressão verbal ou física. Nossa vida é andar na rua de noite ou à tarde sem saber se vamos ou não ser hostilizados”, desabafa.
Além da falta de atenção para essas pautas, a população LGBTIAP+ lida constantemente com a carência de representatividade e normalização das vivências, o que os torna excluídos e distantes de muitos espaços. Thaís conta que a predominância da hétero-cis normatividade tem reflexos claros na saúde mental de pessoas LGBT.
“O padrão cis-hétero normativo causa em muitas pessoas a sensação de que elas são erradas, diferentes, anormais e o impacto emocional disso é gravíssimo, pois além de aumentar o número de discriminação e preconceito, gera uma falta de pertencimento e sensação de humanidade às pessoas. O sentir-se ‘diferente’ e ‘errado’ pode muitas vezes ser o início de um adoecimento mental”, esclarece.
Quanto às formas de minimizar os impactos dos gatilhos internos e garantir a manutenção da saúde mental, a psicóloga destaca, entre outros fatores, o acesso à terapia, atividades físicas e meditação.
“É importantíssima a busca por profissional adequado como psicólogo e psiquiatra, para que seja feito uma avaliação e se necessário um acompanhamento medicamentoso para estabilizar o quadro. Atividades físicas, meditação, alimentação adequada e uma boa higiene do sono podem contribuir muito para essa sensação de bem-estar. Busque sempre estar com pessoas das quais se sinta amado e formem uma rede de apoio. Fácil nunca é, mas é possível minimizar os impactos através do exercício de ressignificar situações”, conclui.