Primeira mulher trans a se tornar professora da Faculdade de Direito do Recife (FDR), a mais antiga do Brasil, aberta em 1827, e também a primeira trans a fazer parte da direção da instituição ligada à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a jurista Antonella Galindo pode também se tornar a primeira mulher trans a ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
O STF em 132 anos de história só teve três mulheres como ministras. Todas elas brancas. Além disso, nenhuma pessoa abertamente LGBTQIAP+ foi nomeada até então. Contudo, uma campanha nas redes sociais atrelada às entidades LGBTs passou a defender a candidatura de Antonella, que atualmente é vice-diretora da FDR/UFPE, para a Suprema Corte.
Correndo por fora na disputa pela indicação do presidente Lula (PT) para a vaga da ministra Rosa Weber, que se aposentou compulsoriamente devido a idade, Antonella revela ao iG Queer que ser considerada para ocupar a vaga no Supremo já a deixou feliz.
A jurista, que também é professora há 25 anos, afirma que a ideia surgiu a partir de entidades LGBTQIAP+ que enxergaram em sua notoriedade jurídica uma possibilidade de representação queer na corte. A campanha virtual é uma forma de alavancar e dar visibilidade ao nome da especialista para que o presidente considere sua indicação.
“Sei que tenho uma trajetória extensa dentro do Direito, mas quando pessoas à frente de organizações LGBTQIAP+ me procuraram para alavancar o meu nome e ser notada pelo presidente, foi uma alegria”, completa a doutora, que pontua ainda que nunca houve uma pessoa abertamente LGBT+ no Supremo, o que seria inédito caso ela fosse eleita.
Assim como os principais nomes na disputa, Antonella não tem se colocado publicamente como candidata à vaga de Rosa, mas pessoas próximas à jurista fazem questão de fazê-lo, sobretudo as envolvidas no debate queer brasileiro.
Falta de representatividade na política brasileira
Para a professora, um Supremo que não tenha nenhuma pessoa negra hoje, mostra um déficit de representação, visto que a maioria da população do país é negra. “Há muitos juristas negros e negras que são aptos a ocupar o cargo, e eu conheço vários. Lá dentro, eles não contribuiriam somente com a questão técnica, mas também com o olhar de uma pessoa negra.”
A indicação de Antonella acompanha outro momento histórico na política do país em que 18 pessoas abertamente LGBTQIAP+ foram eleitas para cargos políticos, no pleito de 2022, o que representa um número recorde. Dos 18 parlamentares eleitos, 16 são mulheres, 14 são negros e 5 são trans, segundo levantamento da organização VoteLGBT.
“Temos o STF e temos a Constituição, que têm normas muito avançadas, no sentido de enfatizar a igualdade e a justiça social, mas como se interpretam essas normas? É por isso que a representatividade é importante, não apenas o notável saber jurídico”, afirma a jurista.
Dentro dessa perspectiva, a representatividade de mulheres, pessoas racializadas e LGBTQIAP+ também se faz necessário. “Uma Corte que vai julgar pessoas nos mais diversos segmentos sociais, é uma Corte que esses segmentos também devem estar presentes dentro dela.”
Antonella ainda pontua que ao ser vista como opção para a vaga de ministra no STF, a divulgação do seu nome não objetiva se contrapor a nenhuma das juristas negras também indicadas.
Trajetória curricular
Graduada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), mestra e doutora em Direito pela UFPE, Antonella fez estágio doutoral na Universidade de Coimbra, em Portugal.
Depois ela retornou como professora da UFPE, após escolher a instituição, descartando outras duas universidades federais nas quais havia sido aprovada em concursos públicos. Ela atuou ainda como professora nas universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Paraíba (UFPB).
A jurista também foi coordenadora de curso, da pós-graduação e de Pesquisa & Extensão, antes de assumir a vice-diretoria da Faculdade de Direito de Recife, além de já ter integrado os grupos de pesquisas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, Oxford Transitional Justice Research e do Public International Law Group.
Ela também atuou como presidente de diversas comissões da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), como a Comissão de Estudos Constitucionais; a Comissão de Direitos Humanos da OAB/PE; e a Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/PE. Antonella foi ainda conselheira estadual da OAB-PE e conselheira Penitenciária do Estado de Pernambuco.
Transformando o Judiciário
“Sou uma mulher trans, nordestina e exerço a parentalidade de uma pessoa com deficiência, por isso tenho um olhar multifacetado para essas questões”, defende. Para ela, tudo que for emancipatório dentro da estrutura do Judiciário é válido.
A doutora também afirma que, caso fosse considerada por Lula para o STF, teria um olhar para o social, um olhar para representatividade, para as identidades, para os direitos LGBTQIAP+ , de igualdade racial, feminino e de pessoas com deficiência.
“Mesmo quando se tomam decisões no Supremo favoráveis aos grupos minorizados é sempre sobre o outro, nunca sobre si. É sempre nesse lugar de afastamento. ‘Eu estou sendo emancipatório porque eu incluo o outro’, mas o outro ainda está lá longe. Nunca entre nós, aqui”, complementa.
A representação feminina na Suprema Corte
“A representatividade feminina para mim é muito importante dentro do Judiciário, seja ela uma mulher negra, trans ou indígena. Até assinei duas petições apoiando a candidatura dessas mulheres [negras] no Supremo, e fiquei superfeliz com a nomeação de Edilene Lôbo para o TSE [Tribunal Superior Eleitoral].”
Antonella acredita que a Corte brasileira parou no tempo, se comparado com os outros países. “Os EUA, por exemplo, mesmo que sejam um país com uma Corte bastante conservadora, há pessoas negras, latinas e mulheres”, exemplifica a jurista sobre a necessidade de mais representação dentro da Corte brasileira.
Apesar da intensa campanha para que seja indicada uma mulher, sobretudo uma negra, Lula afirmou que não considerará a cor da pele ou o gênero para escolher seu indicado. Porém, sem uma nova mulher no STF, o país passará a ser o segundo menos igualitário da América Latina, perdendo apenas para a Argentina, que não tem nenhuma mulher.
Se a nova pessoa que ocupar a vaga no STF for um homem, em percentual, o Brasil ficaria atrás do Supremo de nações como Venezuela, El Salvador e Nicarágua, apontadas por organismos de direitos humanos como autoritárias ou não democráticas.
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