Bandeira do Orgulho Trans
Reprodução/ANTRA
Bandeira do Orgulho Trans








O Brasil teve 175 assassinatos de pessoas trans em 2020, de acordo com o relatório anual da Antra (Associação Nacional de Trevestis e Transexuais), o equivalente a uma morte a cada dois dias. Para Raphael Maciel de Carvalho, 19, homem trans morador da cidade de São Paulo, é muito difícil viver no país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. "O medo de sair de casa é constante”. Esse é um dos vários desafios enfrentados por pessoas transgênero que afetam diretamente a sua saúde mental. 

Maura Âmbar, mulher trans e professora da pós-graduação de suicidologia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), ressalta que muitas vezes a violência começa dentro de casa. “O que se aprende desde cedo é que o certo é ser hétero-cis, então, quando uma pessoa transgênero se descobre, isso soa para os pais como uma rebeldia ou como falta de caráter”, explica. 

No que diz respeito a lidar com essa pressão, tanto por parte da família quanto da sociedade como um todo, o psicólogo e voluntário do Centro de Referência LGBT de Campinas, Matheus Alves, destaca que “a reação e a forma como uma pessoa trans ressignifica as violências que chegam até ela depende muito do seu repertório interno, da sua estrutura familiar e de fatores sociais”. De acordo com o especialista, cada vivência trans tem as suas especificidades, então a maneira como os gatilhos externos afetam seu emocional e sua autoestima pode variar. 

Dados do 1° Mapeamento de Pessoas Trans do Município de São Paulo, realizado em janeiro de 2021 pelo CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), em parceria com o SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania do Município de São Paulo), mostram que 47% dos participantes da pesquisa já passaram por atendimento psicológico ou psiquiátrico por motivo de depressão e 25% devido à ansiedade combinada com nervosismo e estresse. 

Sobre a origem desses sintomas, Matheus pontua que a população transgênera está inserida em uma sociedade que estruturalmente não permite que a pessoa trans tenha a sua identidade.

"Desse modo, ela precisa constantemente se autoafirmar”, lamenta ele. “As pessoas impõem como devemos ser, dizendo, por exemplo, que ‘você só será homem se fizer isso ou aquilo’, e é ainda pior quando nos invisibilizam alegando que ‘você nunca será homem’”, relata. 

Além das imposições e críticas, a negação da existência também é um obstáculo para que pessoas trans possam ter uma convivência social saudável. Catarina Vovchenco Alves, 19, pessoa trans não-binária de São Paulo, diz que é aceita pela família e pelos amigos, mas que já escutou várias vezes que seu gênero "não é válido e não existe”.

“O que mais me incomoda é quando me chamam de ‘mulher’ sendo que não sou, mesmo que a minha expressão de gênero às vezes esteja mais alinhada ao feminino do que ao masculino”, explica. 

Suicídios

De acordo com a Antra, 30% dos casos de suicídio catalogados entre pessoas trans em 2020 foram de homens trans/transmasculinos e 70% de mulheres trans/trevestis. No dossiê consta que esse fenômeno ocorre devido ao processo de exclusão social, a marginalização, discriminação e estigmatização, que se concretiza no dia a dia de pessoas trans como tentativas de homicídio e violação dos direitos humanos. 

Para prevenir a incidência de suicídios e garantir a manutenção da saúde mental de pessoas trans, o recomendado por ambos os especialistas ouvidos é o acompanhamento psicológico. Raphael, por exemplo, lida com a ansiedade e com episódios depressivos, e ressalta que a terapia é essencial por tudo o que uma pessoa trans passa durante a vida inteira. "É um porto seguro junto com apoiadores, amigos e pessoas que respeitam as outras pelo que são”, salienta.

Já Maura pontua que a função do profissional de psicologia não é fazer alguém deixar de ser LGBT, e sim oferecer apoio para que essa pessoa consiga lidar socialmente sendo LGBT. 

Quando o acesso a uma terapia não é possível, Matheus aconselha buscar por uma rede de apoio ou recorrer ao CVV (Centro de Valorização da Vida, número 188), que é anônimo, funciona 24 horas e oferece um serviço de escuta.  Sobre a possibilidade de um futuro no qual a violência contra pessoas trans seja reduzida e elas possam conviver socialmente sem se preocuparem com os riscos que correm apenas por existirem, ele aponta que a ação política é fundamental.

“Enquanto não tivermos uma política com real interesse de mudar a situação, continuaremos submetidos a uma estrutura violenta”, acredita.

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