Em ano de eleição que decide os chefes do executivo nas esferas federal e estadual, as candidaturas de deputados e senadores ganham papel coadjuvante na disputa pela atenção do eleitor, mas estes cargos são tão importantes quanto o de presidente da República ou de um governador de Estado.
Decidir senadores e deputados é escolher quais serão os representantes diretos do povo na Câmara e no Senado Federal, já que a função básica destes cargos é a de criar leis e fiscalizá-las a interesse da população, cada um em sua esfera de atuação.
É muito importante pensar nos candidatos a estes cargos porque, na lógica, cada eleitor deve votar naquele que se alinha aos seus pensamentos, valores e ideias de uma sociedade justa e igualitária. Para grupos marginalizados, como a comunidade LGBTQIAPN+, essa reflexão precisa estar ativa para que exista a garantia de representação parlamentar de pessoas queer, ou que sejam aliadas à causa.
Segundo a organização VoteLGBT, 309 candidaturas LGBT+ foram registradas em 2022, número que representa um aumento em comparação com a última eleição presidencial, em 2018, quando a instituição mapeou 157 candidaturas. Contudo, o avanço ainda é lento. Neste pleito, o número de candidaturas LGBT+ representa apenas 1,09% do total.
Na semana do primeiro turno das eleições deste ano, que ocorre no próximo domingo (2), o iG Queer conversou com cinco candidatos LGBT+ aos cargos legislativos para entender suas propostas de campanha e suas visões sobre as políticas públicas voltadas à população LGBTQIAPN+. Confira a seguir os candidatos que concederam as entrevistas (eles estão organizados por ordem alfabética):
Dani Balbi, candidata a Deputada Estadual pelo PCdoB/RJ
Primeira professora trans da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dra. em Ciência da Literatura, roteirista e professora.
Márcia Rocha, candidata a Deputada Federal pelo Cidadania/SP
Mulher trans empresária e advogada, Conselheira Seccional da OAB/SP e Coordenadora do Projeto Transempregos.
Marília Freire, candidata ao Senado pelo PSOL/AM
Mulher lésbica, Oficial de Justiça no Tribunal de Justiça do Amazonas e Membra do Humaniza Coletivo Feminista e da Frente Estadual pelo Desencaramento do Amazonas.
Matheus Ribeiro, candidato a Deputado Federal pelo PSDB/GO
Jornalista, dono da agência de publicidade M.Ribeiro Comunicação e da produtora Zoombe Filmes, empresas sediadas em Goiânia e Brasília.
Prof Gui Souza, candidato a Deputado Distrital pela Rede/DF
Professor do Instituto Federal de Brasília, evangélico progressista e coordenador do grupo Evangélicxs pela Diversidade/DF.
Foram realizadas as mesmas perguntas para todos os candidatos, exceto três perguntas adicionais aos candidatos Matheus Ribeiro e Prof Gui Souza que o repórter julgou necessárias. Confira as respostas de cada candidato a seguir.
Quais são as suas principais propostas voltadas para a comunidade LGBT+?
Dani Balbi (PCdoB/RJ): “A construção de ambulatórios voltados para a população transexual; Cotas para pessoas trans nas universidades, assim como a construção de permanência estudantil para essa comunidade e, por fim, a criação de delegacias especializadas em investigar crimes de ódio decorrentes da LGBTQIA+fobia”.
Márcia Rocha (Cidadania/SP): “O mais essencial é transformar em lei todos os direitos que conquistamos nos últimos dez anos no Judiciário. É importante também ter uma boa representatividade LGBT+ no Congresso, para que a sociedade mude a forma como nos vê. Uma das minhas propostas é criar uma lei que impeça que pessoas LGBT+ sejam expulsas de casa e, caso isso aconteça, que elas recebam uma pensão para evitar que acabem na marginalidade como vemos acontecer”.
Marília Freire (PSOL/AM): “Duas das minhas principais propostas quando eleita senadora são o aperfeiçoamento e aprovação do Estatuto da Diversidade e, ainda, uma lei Federal que destine parte dos tributos arrecadados a título de 'pink money' para políticas públicas de manutenção de estudantes da população LGBTQIAPN+ nas Universidades e na construção de abrigos para jovens expulsos de casa”.
Matheus Ribeiro (PSDB/GO): “Fomento de recursos dentro da própria população LGBTQIAPN+, além da inclusão da comunidade no mercado de trabalho com oportunidades, planos de cargos e salários efetivos. A empregabilidade trans, por exemplo, é um tema que não está sendo debatido de forma mais intensa, precisamos criar estratégias de acesso ao mercado de trabalho e profissionalização. Instrumentalizar as denúncias e os crimes de LGBTfobia com a promoção de mais igualdade ao acesso à Justiça por meio de consultorias jurídicas com especialistas de renome e atuação na área do Direito LBGTQIA+, também é uma proposta nossa”.
Prof Gui Souza (Rede/DF): “A primeira proposta tem relação com a Saúde LGBT+. A intenção é a de monitorar de perto os equipamentos que Brasília tem específicos para as pessoas da comunidade porque sabemos que esses espaços sofrem diversas tentativas de desmonte. A segunda frente se refere à moradia de pessoas LGBT+ que sofrem violência doméstica, expulsos de casa e que recorrem a abrigos públicos. Nossa proposta é aumentar as vagas nestes espaços e monitorar esse serviço. Por último, minha equipe e eu fazemos o enfrentamento ao fundamentalismo religioso dentro da Igreja e queremos lutar pela inclusão de pessoas LGBT+ nas comunidades religiosas”.
Qual é a importância de candidaturas LGBT+, em específico de pessoas trans?
Dani Balbi (PCdoB/RJ): “Nunca tivemos uma deputada transexual na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), mesmo sendo um dos Estados mais responsáveis pelos casos de violência contra essa comunidade. Os casos muitas vezes são engavetados, assim como as políticas públicas que garantam nossa independência econômica, formação acadêmica e, principalmente, nossa sobrevivência. Isso tudo é casado com uma sub-representatividade muito grande da nossa comunidade nos espaços de decisão e construção de políticas públicas. Precisamos estar em todos os espaços de debate e implementação de políticas para que essa realidade mude”.
Márcia Rocha (Cidadania/SP): “Nós, pessoas LGBTQIAP+, somos muito pouco representados, com isso é muito importante haver essa representatividade de candidaturas. As pessoas trans dão uma visibilidade para a comunidade porque, justamente, está gravado no corpo a sua condição de ser pertencente a este grupo. São importantíssimas essas candidaturas”.
Marília Freire (PSOL/AM): "Representatividade importa muito e podermos ser nossa própria voz e levar políticas públicas voltadas para a nossa população em todos os espaços é fundamental".
Matheus Ribeiro (PSDB/GO): “Devemos ocupar os espaços de poder e cumprir um papel de representação. Faço parte de uma bancada do orgulho com outros políticos, inclusive opositores. Em junho deste ano, assinei uma Carta Compromisso da Aliança Nacional LGBTQIA+, em Goiânia, assegurando que, caso eleitos, seremos pessoas no parlamento, Assembleia e Câmara Federal, para defender pautas de combate ao preconceito, isso deve ser um compromisso social”.
Prof Gui Souza (Rede/DF): “As candidaturas LGBT+ são extremamente importantes porque trazem para a discussão as necessidades das pessoas da comunidade. Por mais que uma pessoa seja simpática à causa, ela não vai ter o olhar necessário para as necessidades e especificidades da comunidades. Ter candidaturas de lésbicas, gays e trans é extremamente importante, porque nos permite brigar nos espaços de poder”.
Qual é a sua avaliação sobre os posicionamentos do presidente da República a respeito da comunidade LGBT+?
Dani Balbi (PCdoB/RJ): “A palavra é ‘absurdo’. Não é possível ou não deveria ser que um presidente da República se sinta confortável para direcionar ódio contra uma parte grande da população brasileira, sem que nada aconteça. Sabemos que a LGBTQIA+fobia, infelizmente, é uma realidade no país. Entretanto, ao invés de fortalecê-la, é papel de nossos líderes institucionais combatê-la. Afinal, tem a vida de muitos e muitas em jogo”.
Márcia Rocha (Cidadania/SP):
“O presidente da República tem esse discurso de ódio há bastante tempo e que ele vem, até, amenizando nos últimos tempos, mas ainda sabemos que pelos atos, pelos discursos, pela nomeação para o Supremo Tribunal Federal de pessoas que são contrárias ao movimento LGBT+ de alguma forma, que isso mostra ainda quem ele é e o problema que ele representa para a nossa comunidade”.
Marília Freire (PSOL/AM): “Avalio como decadentes, vergonhosas, especialmente vindo do representante de um país. Se eu pudesse diria ao presidente ir fazer terapia e o alertaria que nós, LGBTQIAPN+ também pagamos impostos como ele, se bem que ele já defendeu a sonegação em dado momento”.
Matheus Ribeiro (PSDB/GO): “Avalio que é um governo que teve inúmeros retrocessos, inclusive para a nossa comunidade. Infelizmente, na campanha eleitoral para presidente em 2018, assistimos às falas mais absurdas do candidato Bolsonaro, hoje presidente da República, e que reforçam o preconceito. De lá pra cá, nada mudou, não há se quer por parte do poder executivo federal uma política afirmativa de proteção à população LGBT. Além disso, é urgente e necessário que ampliemos o debate sobre a ‘família’ para além da família tradicional, e que essa discussão atinja as universidades, os locais de trabalho e as nossas comunidades”.
Prof Gui Souza (Rede/DF): “O presidente da República faz um desserviço em muitas áreas e, em específico na pauta LGBT+. A partir do momento que não há nenhuma proatividade do governo para ampliar as políticas públicas para a comunidade, isso já representa um desserviço, porém ainda temos os posicionamentos públicos LGBTfóbicos que aumenta a violência contra pessoas LGBT+”.
Quais são as dificuldades de concorrer no seu Estado? Concorda que as candidaturas LGBT+ ainda são invisibilizadas?
Dani Balbi (PCdoB/RJ):
“Com certeza, ainda não atingimos a igualdade que precisamos. O preconceito enraizado na sociedade nos coloca, inclusive, em perigo. Sofremos risco de violência a cada aparição, e isso nos faz pensar sempre muito antes das atividades que participamos, o que sequer seria um problema para grupos privilegiados na sociedade. Mas, isso não nos desanima. Continuaremos dando as mãos na certeza de que podemos mais”.
Márcia Rocha (Cidadania/SP): “A maior dificuldade de concorrer em São Paulo é a desigualdade de recursos. Quem já é deputado recebe muito mais dinheiro do que quem não é. Isso causa uma dificuldade, que quiseram eliminar quando proibiram as empresas de fazerem doações, mas ao mesmo tempo mantiveram um privilégio, já que são os partidos que determinam quem recebe mais ou menos. A questão financeira, de oportunidade, de tempo de TV e de rádio tornam mais difícil o acesso às candidaturas LGBT+ de sucesso na eleição”.
Marília Freire (Candidata ao Senado pelo PSOL/AM): “Somos poucos, mas estamos em diálogo e nos apoiamos mutuamente. Os veículos de imprensa nacionais e até internacionais têm contribuído muito para dar visibilidade às nossas candidaturas, às nossas pautas e às nossas lutas”.
Como o senhor alinha a pauta religiosa com a pauta LGBT+, sendo um candidato gay evangélico progressista? Qual a maior dificuldade de alinhar essas duas pautas? (pergunta anterior foi substituída por esta ao candidato Prof Gui Souza)
Prof Gui Souza (Rede/DF): “Eu não tenho nenhuma dificuldade em alinhar as duas pautas, porque tanto na minha vivência como cristão quanto na LGBT+ hoje não há nenhum conflito. Já tive conflitos relacionados a estas questões e, nos últimos anos, o processo foi o de estudar e conhecer pessoas que desenvolvem trabalhos que são importantes teologicamente para que superemos essa visão que exclui a pessoa LGBT+ da fé evangélica. Quando vamos para o campo público, existe uma dificuldade tanto dos evangélicos tradicionais quando dos LGBTs, mas essa é uma luta que deve ser enfrentada e eu estou disposto a debater. A fé, o direito democrático e a sexualidade são direitos de todos”.
Como o senhor avalia a recepção das pautas LGBT+ na direita, em especial no seu partido? (pergunta anterior foi substituída por esta ao candidato Matheus Ribeiro)
Matheus Ribeiro (PSDB/GO):
“Fui muito bem acolhido pelo PSDB, sou respeitado dentro do partido e tenho a minha independência. Participo de reuniões frequentes com o presidente nacional da Diversidade Tucana, Edgar Souza [...] Precisamos ultrapassar inúmeras barreiras quando se trata do poder público. Temos desafios enormes para criar, aprovar e regulamentar projetos de criar de proteção a comunidade LGBTQIA+”.
Pesquisa com eleitores LGBT+
O iG Queer
também realizou uma pesquisa com eleitores LGBT+ para entender suas
expectativas e motivações para o pleito de 2022.
O formulário ficou disponível entre os dias 15 de setembro e 26 de setembro. Ao todo, 104 pessoas autodeclaradas LGBTQIAPN+ responderam às perguntas.
O Estado com mais participantes foi o Rio de Janeiro (43,3%) seguido por São Paulo (34,6%), e Bahia e Minas Gerais empatados (3,8%). Sobre identidade de gênero, a maioria se identifica como homem cis (55,8%), seguido por mulher cis (27,9%) e não-binárie (12,5%).
Sobre sexualidade, a metade se identifica como gay (50%), seguido por bissexual (22,1%) e lésbica (12,5%). A maior parte dos participantes da pesquisa tem entre 26 e 45 anos (63,3%) e não vai votar pela primeira vez em 2022 (94,2%).
Quando perguntados sobre o espectro político que pretendem votar, a maioria respondeu Esquerda (83,7%), seguido por Centro Esquerda (15,4%) e Centro Direita (1%). Mais da metade diz se sentir representado pelos candidatos LGBT+ (66,3%).
Nas perguntas "Você dará prioridade a candidates LGBT+ nesta eleição?" e "Você já escolheu seus candidates?", a porcentagem para a opção 'Sim', foi a mesma: 74%.
A última parte da pesquisa era uma pergunta aberta, que questionava: 'Quais são as propostas que você gostaria de ver des candidates LGBT+?'. As respostas foram diversas, mas entre os pontos de encontros, muitos participantes responderam "Mais casas de acolhida", "combate efetivo à LGBTfobia" e "Políticas públicas para melhorias de pessoas LGBTI+ em situação de vulnerabilidade", por exemplo.
Entre as propostas que se destacaram e que não foram unamidade estão: 'Menos ativismo identitário e mais preocupação com as pautas econômicas', 'Projetos voltados a idosos LGBT+ em vulnerabilidade', 'Políticas de inclusão cultural e de acolhimento a jovens marginalizados dentro da comunidade' e 'Inseminação artificial na rede pública para casais lésbicos e pessoas que podem engravidar'.
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