Exercícios físicos estão associados ao bem estar e têm grande importância na vida de quem busca uma saúde mais equilibrada e sustentável. Outro fator positivo da prática esportiva é que o exercício contínuo também pode ser um grande aliado da saúde mental , além de importante ferramenta de socialização.
Para as pessoas trans isso não é diferente e diante da realidade de preconceito e transfobia que enfrentam, poucas têm acesso a ambientes comuns que promovem tais atividades, como academias, escolas de natação e competições, por exemplo.
É para isso que iniciativas como o "Trans No Corre" existem. O movimento reúne pessoas trans, principalmente transmasculinas
, para praticar exercícios físicos em grupo na cidade de São Paulo
. Danilo Forziati, um dos organizadores, conta ao iG Queer
que o projeto nasceu com um objetivo específico: promover o pertencimento.
“Aqui vale aquela máxima que muito se escuta em outra modalidade de esporte: ‘Nunca foi só sobre futebol ’. Nesse caso, nunca foi apenas sobre corrida. Desde seu primeiro momento, o 'Trans No Corre' se destacou pelo sentimento de pertencimento desses corpos trans juntamente a outros corpos como os seus”, explica.
Danilo afirma que ele mesmo, na companhia de outras pessoas trans, ganhou mais confiança no treino, a ponto de remover em uma das corridas seu “binder” , — uma espécie de colete cirúrgico que comprime os peitos e é fundamental para diminuir a disforia em pessoas transmasculinas.
“Foi num sábado, numa corrida qualquer com o ‘Trans No Corre’, que eu me senti seguro e confortável para tirar minha camiseta e correr sem tampar meus peitos em pleno Minhocão, Centro da cidade [de São Paulo], num sábado, às 10h da manhã. Isso é poderoso, sabe?”, revela.
Gael Penha, outro organizador do projeto, conecta a importância do movimento à comum exclusão de pessoas trans de espaços de atividade física.
“Basta entender que é necessário nós mesmos nos movimentarmos em prol de conseguir, a duras penas, um ambiente seguro para praticarmos esporte, sabendo que, ainda assim, existe um forte movimento de expulsão indireta dos nossos corpos de todos os espaços, inclusive dos esportes quando se fala em competições”, explica.
Gael também aponta para a importância de movimentos como o "Trans No Corre" na saúde física e mental dos participantes. “É cientificamente comprovado que tomar sol e praticar esporte auxilia na liberação de endorfina e serotonina, que promovem sentimento de bem estar”, detalha.
Ele acrescenta: “Isso, unido ao ambiente amigável que proporcionamos, onde nos transformamos numa verdadeira família, acaba colaborando para que tiremos essas pessoas de dentro de casa e possamos assim propiciar, sobretudo, saúde mental para elas e para nós mesmos também.”
Educação física e a saúde mental
A premissa de que a atividade física colabora para a saúde, em seus variados setores, é confirmada por Leonardo Peçanha, professor de Educação Física, mestre em Ciências da Atividade Física (Universo) e doutorando em Saúde Coletiva (IFF/Fiocruz).
“Quando a gente fala em população que vive em vulnerabilidade, como por exemplo pessoas trans no geral, a gente vai tratar de um fator primordial para nós que é o cuidado, tanto do nosso corpo quanto também da nossa saúde mental”, explica.
Em relação à saúde mental, ele ressalta a importância da interação social alinhada à prática de exercícios físicos. “A prática regular desses exercícios físicos vai também agir em um sentido biofisiológico [...] E também vai fazer com que a interação com outras pessoas minimize essa possível questão de saúde mental”, esclarece.
O especialista acrescenta: “Você estar em interação com outras pessoas, promovendo uma prática de exercício físico regular, faz com que a nossa saúde, para além da questão do corpo, [sobretudo] a mente, esteja ativa e isso é muito benéfico para nós.”
Outro aspecto importante que garante a união das pessoas por meio do exercício físico é a prática alinhada também ao lazer, segundo o professor. A socialização é mais eficaz e permite a formação de comunidades fortemente ligadas.
“É importante que essas essas ferramentas também estejam colocadas nesse debate, porque não é apenas fazer por fazer. Quando a gente pratica vem tudo isso junto [...] A gente pode dizer que é uma maneira de unir a comunidade através do movimento que é o exercício físico”, afirma.
O pesquisador também faz um apelo aos profissionais de educação física, essenciais na promoção do exercício físico e acompanhamento no processo de transição de uma pessoa trans.
“A gente precisa criar alternativas e principalmente entender que o profissional precisa estar atento e se atualizar para não naturalizar a violência [...] Acho que também é dever do profissional de educação física estar atento e tornar a prática profissional cada vez mais respeitosa e com mais equidade”, conclui.
O "Trans No Corre" acontece aos sábados, a partir de 10h da manhã, com concentração na Praça Roosevelt, na Bela Vista (SP). Após o aquecimento, o grupo segue para o Minhocão (uma via expressa elevada), de onde partem as corridas, que tem de 3 a 5 km de distância, a depender do acordado no dia.
As modalidades, também conversadas antes pelo grupo, variam entre “Corrida”, “Corre e Anda” e “Caminhada”. Os organizadores Danilo e Gael reforçam que o serviço é feito por e para pessoas trans, mas que todos são bem-vindes no movimento.
Luco Kaique Araújo, jardineiro e um dos participantes do projeto, acredita que o movimento teve impacto considerável em sua transição de gênero. “Ver várias formas novas de se expressar, trocar vivências e criar laços me fortalece sempre, e me ajuda a ter mais carinho no meu processo diário de ser um corpo dissidente, seja ouvindo novas perspectivas ou com locais de escuta”, finaliza.