Funcionários podem se sentir incomodados ao serem perguntados se são ou não LGBTs
Georgie Cobbs/Unplash e Montagem iG
Funcionários podem se sentir incomodados ao serem perguntados se são ou não LGBTs

Com o Mês do Orgulho LGBTQ+ , celebrado no último mês de junho, questões como diversidade e inclusão ganham holofotes em todo o mundo, especialmente no que diz aos direitos e oportunidades das pessoas da comunidade no mercado de trabalho.

No mundo corporativo, programas como o DE&I (sigla para Diversidade, Equidade & Inclusão), ganharam maior destaque quando as empresas passaram a se adaptar à agenda ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança). Com isso, muitas consultorias passaram a ser procuradas para que as corporações adotassem medidas mais inclusivas, incluindo em suas equipes pessoas que se enquadram na sigla  LGBTQIAPN+ .

Uma  pesquisa global realizada pela PwC, que analisou programas de diversas corporações ao redor do mundo, mostrou que 80% das empresas consideram o tema como prioritário em seus planejamentos de ações. No entanto, 38% dos profissionais LGBTQIAPN+ entrevistados afirmam que o preconceito ainda é presente e que a diversidade continua como um obstáculo para o crescimento profissional.

Nesse quesito, pesquisas como a realizada pela Human Rights Campaign (HRC), que avaliam as melhores empresas para a população LGBTQ+, são importantes para identificar as companhias que melhor se enquadram em quesitos como diversidade e equidade no mercado de trabalho.

O último relatório  HRC Equidade BR mostra que 90% das empresas brasileiras responderam à implementação de uma política formalizada de Diversidade e Inclusão (D&I) e 94% disseram que oferecem cobertura de saúde igual para seus funcionários transgêneros. Além disso, 850 mil funcionários são impactados pelos esforços deste programa, com base nos dados coletados com o estudo.

Preconceito velado e descredibilização nas empresas

Preconceito ainda é desafio para 38% dos profissionais LGBTQIAPN+, segundo pesquisa da PwC
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Preconceito ainda é desafio para 38% dos profissionais LGBTQIAPN+, segundo pesquisa da PwC

Enquanto programas como o DE&I ainda então em fase de amadurecimento, profissionais LGBTQIAPN+ continuam a sentir a discriminação em ambiente de trabalho, em maior ou menor grau.

Para Vicente Batista, diretor de produto no QuintoAndar, um dos maiores problemas não está exatamente na discriminação visível, mas nas “microagressões” sofridas no dia a dia, que passam despercebidas pelo público geral.

“Já enfrentei muitas microagressões sutis que podem passar despercebidas pelos outros, mas têm um impacto profundo”, relata Vicente ao iG Queer .

Ele afirma que é comum que as pessoas façam suposições sobre as preferências dele, como homem gay, “dizendo coisas como ‘você não gosta de futebol, certo?’ ou "você deve ser ótimo em decoração', baseadas em estereótipos sem fundamento”.

“Sempre foram comuns piadas e comentários que trazem uma conotação de negatividade, como ‘isso é tão gay’ ou o uso de ‘viado’ como insulto. E, quando minha escolha era reagir e corrigir, as pessoas ao redor ficavam desconfortáveis e se afastavam”, comenta Vicente.

Marcela Ferreira, coordenadora de customer success na Frete.com, relata que hoje se sente valorizada e respeitada, e que sua bissexualidade não é motivo de discriminação. No entanto, já enfrentou preconceito em momentos anteriores, em que, além da discriminação por sua orientação sexual, também lidava com desafios adicionais por ser mulher.

“É preciso ter muita coragem para ser uma mulher LGBTQIAPN+ no mercado de trabalho”, diz Marcela, acrescentando que, o fato de ser a única mulher em um ambiente formado por homens, invisibilizava sua competência como profissional.

“Fiz parte de um time de liderança, no qual eu fui a única mulher entre gerente e coordenadores, e fui alvo de brincadeiras veladas e de descredibilização por ser quem sou. Minha opinião, meu trabalho e execução - que em muitos momentos eram superiores aos pares - começou a ser ignorado, despercebido e um pouco ridicularizado”, relata.

O mesmo aconteceu com Rafael Oliveira, diretor de recursos humano da Trinus.Co, que é um homem não branco e homossexual. Para ele, as principais dificuldades surgiram no início da carreira. “Incluíram lidar com piadas, pedidos para mudar meu comportamento e diminuir minha espontaneidade para me adequar”, relata.

“Acho que o problema está no acumulado de microagressões e desconfortos que uma pessoa heterossexual, especialmente um homem heterossexual, não passaria”, aponta Vicente, destacando que essas situações interferem diretamente no desempenho profissional de quem está iniciando sua trajetória profissional.

“O sentimento de inadequação e falta de segurança psicológica que senti no começo da minha carreira com certeza me impediu de ser mais assertivo, de negociar melhor e acelerar meu crescimento.”

Autoconhecimento para superar os desafios

Empresas têm enxergado cada vez mais a importância de diversidade no ambiente de trabalho
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Empresas têm enxergado cada vez mais a importância de diversidade no ambiente de trabalho

O caminho para pessoas LGBTQIAPN+ chegarem a cargos de liderança é bastante árduo e, uma vez que chegam lá, precisam enfrentar desafios ainda maiores, como se precisassem constantemente se validar.

Como aponta a  pesquisa “Liderança LGBTQIA+: carreira e atuação de líderes gays e lésbicas nas organizações”, realizada por Felipe Carvalhal, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, em sua tese de doutorado, mostra que líderes homossexuais precisam mostrar alta performance em suas atividades, como forma de compensação por integrarem a sigla LGBTQIAPN+.

Vicente diz que nunca sentiu que sua sexualidade em si prejudicasse diretamente seu trabalho, mas que “tudo o que decorre dela”, sim.

“Trabalhar em empresas que não valorizam a diversidade prejudica muito a sua capacidade de performar bem, de ser produtivo, e isso com certeza foi um fator negativo no desenvolvimento da minha carreira”, afirma.

Ainda assim, ele reforça que, uma vez que sobem na hierarquia de uma empresa, o tratamento passa a ser “diferente”. “Minha impressão é que cargos de maior hierarquia tendem a enfrentar menos preconceito aberto, mas ainda lidam com formas mais veladas e sutis de discriminação. A posição costuma proteger de preconceitos mais diretos, o que não acontece para pessoas em início de carreira.”

Marcela e Rafael ressaltam que as maiores armas utilizadas por eles para combater situações complicadas foram o autoconhecimento e “doses diárias de amor próprio”.

“Ser LGBTQIAPN+ também é se esforçar para alimentar uma dose diária de amor próprio e autocuidado, combustível necessário para enfrentar situações diárias assim. Nessa situação, eu compartilhei com alguém de confiança, comecei a documentar os acontecimentos para um momento que eu precisasse e sentisse que deveria reportar”, conta Marcela.

“Para contornar essas situações, busquei apoio, desenvolvi um processo de autoconhecimento e trabalhei para ressignificar minha condição. Até hoje me esforço através do compromisso de criar ambientes inclusivos e diversificados nas empresas onde atuei”, complementa Rafael.

Busque apoio e tenha uma rede de confiança

É importante buscar uma rede de apoio e abrir os problemas com uma pessoa de confiança
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É importante buscar uma rede de apoio e abrir os problemas com uma pessoa de confiança

Na vida profissional, o isolamento causado pelo preconceito pode levar a uma dificuldade de identificação com a cultura da empresa e à insatisfação e como isso está relacionado à produtividade do funcionário.

Quando as pessoas LGBTQIAPN+ se deparam com esses desafios no ambiente corporativo, Marcela e Rafael indicam que o melhor a se fazer é encontrar apoios de pessoas que estão dispostas a ajudar e construir uma rede de confiança dentro das equipes, para que possam atuar como aliados em momentos de confronto, caso sejam necessários.

“Sofrer preconceito mexe com tantas estruturas emocionais que é necessário saber que o processo de enfrentar, confrontar e, principalmente, conviver com as pessoas responsáveis, pode ser extremamente doloroso”, diz Marcela. “E nada como um apoio psicológico para te ajudar a se manter firme e cuidar de você mesmo.”

Ela continua: “Conheça seus direitos, documente tudo, recorra ao RH, considere assistência externa e esteja pronto para educar. Não é seu papel, mas é importante que exista um cenário antes e depois do preconceito”.

Rafael diz que, em momentos como estes, “o mais importante é buscar apoio de pessoas confiáveis, trabalhar no seu autoconhecimento e autoestima, não ter medo de ser autêntico, denunciar as situações de preconceito e construir redes de apoio dentro e fora do ambiente de trabalho”.

Para Vicente, também é papel da empresa tornar seu ambiente mais acolhedor para a diversidade. “A empresa precisa deixar claro que se importa com a pauta e com as pessoas LGBTQIAP+. Esse é o primeiro passo para melhorar a segurança psicológica dessas pessoas.”

Ele reforça que, na prática, isso acontece implementando políticas claras de inclusão, treinamentos e conversas regulares sobre questões LGBTQ+, e facilitando a criação de grupos de afinidade.

“Todos os funcionários, especialmente os líderes, precisam ser educados e letrados para que consigam criar um espaço seguro para as pessoas LGBTQIAP+. Quando as ações falharem e surgirem comportamentos discriminatórios, é importante tomar ações claras”, diz ele, dando como exemplo sua própria experiência em seu atual local de trabalho.

Vicente pontua: “Desde que cheguei, o time sempre foi muito intencional em acolher e incentivar a autenticidade. Até mesmo nos nossos produtos e marketing, existia uma presença de pautas de diversidade que me deixavam confortável no dia a dia de trabalho”

Menos marketing e mais ações

É importante criar um ambiente com acolhimento social e diversidade
Fauxels/Pexels
É importante criar um ambiente com acolhimento social e diversidade

Para haver mudanças significativas nessa realidade, é preciso que o tema da diversidade seja algo recorrente, e não somente no mês do Orgulho LGBTQIAPN+, quando acontece o que muitos apontam o comportamento de várias empresas como uma “caça ao pink money ”.

Para Vicente, esse é um problema que vai além: “Acho que a crítica legítima é menos direcionada à ‘caça ao pink money’ que acontece [no mês do orgulho], e mais à ausência de qualquer ação voltada para o público LGBTQIAP+ no resto do ano.”

“A caça ao pink money em si tem efeitos positivos. A exposição de mais pessoas e temas LGBTQIAP+ por parte das empresas contribui com a normalização e aceitação na sociedade”, diz Vicente, que complemente: “Mas o apoio corporativo tem que ser autêntico e contínuo. Empresas que realmente se importam com a causa LGBTQIAP+ demonstram seu compromisso com ações concretas, com um marketing que considera diversidade, políticas internas de não discriminação, e programas de apoio aos funcionários LGBTQIAP+, independentemente da época do ano.”

Marcela diz que é preciso tirar a diversidade do lugar de “campanha de marketing afirmativa para o mercado” e mostrar que a cultura da empresa não sobrevive sem ela.

“Diversidade no processo de Recrutamento e Seleção, diversidade na Liderança, diversidade na Estratégia Corporativa, diversidade nas Ações de Engajamento, diversidade nas vozes internas, diversidade em tudo. Não é, simples?”, indaga Marcela.

Rafael afirma que “sempre é possível revisitar ou implementar políticas claras de diversidade e inclusão, promover treinamentos contínuos sobre o tema. Além disso, devem criar um ambiente seguro para que todos se sintam confortáveis em expressar suas identidades”.

“Se isso for feito, o apoio durante o mês do orgulho vai ser visto como parte de um compromisso genuíno, e não como uma estratégia oportunista de marketing sazonal”, finaliza Vicente.

Vicente Batista, 35 anos, diretor de produto no QuintoAndar Reprodução
Vicente Batista, 35 anos, diretor de produto no QuintoAndar Reprodução
Marcela Ferreira, coordenadora de customer success na Frete.com Reprodução
Marcela Ferreira, coordenadora de customer success na Frete.com Reprodução
Rafael Oliveira, diretor de recursos humano da Trinus.Co Reprodução
Rafael Oliveira, diretor de recursos humano da Trinus.Co Reprodução


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