Eduardo Príncipe de Lira Rocha foi demitido porque
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Eduardo Príncipe de Lira Rocha foi demitido porque "cota para pessoas diferentes estavam preenchidas"





O caso de um  homem trans que perdeu uma vaga de emprego porque o empregador “não sabia de sua condição” tomou grandes proporções nas redes sociais. Eduardo Príncipe de Lira Rocha, 30, chegou a ser contratado, mas foi demitido antes de começar porque “cotas para pessoas diferentes estavam preenchidas”, de acordo com a mensagem que recebeu do ex-futuro chefe e publicou nas redes sociais.

Em entrevista exclusiva ao iG Queer, Eduardo acredita que a ação e a fala do empregador configuram transfobia. “A mensagem está muito clara. Ele fala que não identificou de primeira que eu sou uma pessoa trans e diz que a vaga de pessoa trans está preenchida, como uma cota só para justificar que não é preconceituoso porque tem até um ‘funcionário diferente’, como ele disse. Ou seja, se ele pudesse voltar atrás ele me perguntaria se sou trans e já negaria desde o início?”, questiona o rapaz.

Eduardo conta que, antes de ficar desempregado, trabalhava na Prefeitura de Juazeiro, na Bahia, e era supervisor da Pasta LGBT da cidade. “Eu já tinha um ativismo muito grande aqui na cidade e em Petrolina com ações, construção de políticas públicas efetivas, manifestações, espaços de formação, entre outras coisas”, explica.


Eduardo tem depressão, quadro que foi agravado durante a pandemia do coronavírus, o que o deixou desempregado por um bom tempo. Ele começou a entregar currículos e um funcionário da empresa, que mais tarde o demitiria, o informou sobre a vaga e o chamou para uma reunião.

O gerente fez uma proposta a Eduardo, a qual ele não encarou como satisfatória pela baixa remuneração e acúmulo de funções: ele trabalharia como motorista e monitor. Eduardo fez uma contraproposta, que foi respondida pela empresa, que o convidou a retornar.

Lá, o gerente, que mais tarde enviaria a mensagem, mostrou interesse pelas qualidades e habilidades que Eduardo descreveu na entrevista. “Ele literalmente começou a crescer os olhos demonstrando interesse muito grande, me instigando ainda mais a aceitar a vaga e dizendo que eu poderia crescer na empresa por ter uma boa habilidade de comunicação”, conta.

No dia 6, uma terça-feira, Eduardo foi contratado. Quatro dias depois, no sábado, recebeu a mensagem que o dispensava.

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Eduardo Príncipe compartilha o print que recebeu no WhatsApp
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Eduardo Príncipe compartilha o print que recebeu no WhatsApp


“Ele deixou claro que não respeita a identidade de gênero das pessoas trans quando primeiro quer um um homem do ‘sexo masculino’ ocupando a vaga. Isso desrespeita o Estado. A lei me reconhece, meus documentos são retificados”, afirma o rapaz.

Além disso, a ação cometida pelo gerente configura crime pelo artigo 4º da Lei nº7.716/89, a Lei do Crime Racial. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a configurar LGBTfobia nos mesmos termos dos crimes de racismo, prevendo reclusão entre três e cinco anos.

Eduardo alega que o empregador também desrespeitou outros funcionários trans da empresa. “Ele diz que 99% da equipe dele é feminina. Tem dois rapazes na empresa dele e ele só considera um, que é um homem cis. O outro homem trans ele considera como mulher. Isso é transfobia”, explica.

Eduardo conta que se sentiu constrangido e humilhado depois da mensagem e da demissão. “Foi invasivo questionar as minhas habilidades por um genital. Se é por um genital, por que que ele não disse que queria um homem do sexo masculino ou uma mulher do sexo masculino, incluindo as pessoas trans?”, pergunta.

Eduardo diz que ainda não entendeu a justificativa do empregador em ter sido demitido. “A gente tem habilidade por conta da nossa cabeça que movimenta o nosso corpo, não o corpo que movimenta a cabeça. Na mensagem, ele fala que não quer mais trabalhar com pessoas trans, o que é inadmissível porque não é só uma empresa que faz isso, são várias”, avisa.

Depois de compartilhar seu caso nas redes sociais, o rapaz explica que recebeu mensagens de todo Brasil de pessoas trans que passaram por situações similares no mercado de trabalho. Além disso, ele afirma que o único empregado trans da empresa é alvo constante de transfobia. “Com essa situação, mesmo sem se conhecer, a gente tem essa luta comum”.

Ainda no próprio post, Eduardo afirma que, assim como muitos brasileiros, está passando por dificuldades financeiras. Ele afirma que diversas dessas dificuldades, somadas à sua depressão, a transfobia ainda torna tudo mais difícil. “Como é que eu e outras pessoas trans vamos pagar as contas das nossas casas? Como vamos botar arroz e feijão na mesa, pagar aluguel, ter moradia, melhorar a saúde, ter coisas básicas?”.

Por fim, o rapaz afirma que o mercado de trabalho coloca as pessoas trans para fora. “Jogam a gente à margem para sobreviver e depois reclamam que as mulheres trans e travestis estão na prostituição. Fica muito difícil a gente continuar vivo. A gente não quer viver dessa forma. Ninguém quer”, pontua.

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