A 'Respeita Meu Nome' atua como mediadora entre a empresa e a pessoa que foi desrespeitada; a plataforma também tem parceria com empresa que oferece serviços jurídicos
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A 'Respeita Meu Nome' atua como mediadora entre a empresa e a pessoa que foi desrespeitada; a plataforma também tem parceria com empresa que oferece serviços jurídicos

Respeitar o  nome social e os pronomes de uma pessoa trans é o primeiro passo para acolhê-la e integrá-la na sociedade. Afinal, ele é o nome pelo qual a pessoa optou por ser chamada, e como qualquer nome próprio, seja ele registrado ou não, é parte essencial de sua identidade.

O nome social tem de ser respeitado não só na intimidade do indivíduo, como entre familiares e amigos, mas também na empresa em que a pessoa trabalha, em empresas prestadoras de serviços (como bancos, farmácias ou lojas) e pelo poder público, além de outros espaços comuns.


A plataforma “Respeita Meu Nome” fundada por Maria Cláudia Cardoso, estudante de marketing da Universidade de São Paulo (USP), e lançada oficialmente no dia 29 de janeiro deste ano, surge com a proposta de fazer valer o direito do respeito ao nome social, tão importante para a comunidade transgênero.

À nível federal, a primeira portaria que estabeleceu o direito ao nome social de pessoas transexuais e travestis é a de nº 233 de 18-05-2010, que estabelece que:

"Fica assegurado aos servidores públicos, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais."

No âmbito privado, ainda não há uma lei que assegure a aplicação do nome social em empresas, contudo há uma nota técnica do Ministério Público do Trabalho dispondo sobre a questão (02/2020). O órgão, inclusive, vem condenando empresas que se recusam a adotar tal prática.

Maria Cláudia explica que a ideia de criar a plataforma “surgiu da necessidade de ter o meu nome respeitado, e não só o meu, porque eu tenho inúmeros colegas que não se identificam com o nome que lhes foi dado no nascimento. [Eles] me apontaram que o seu nome social não estava sendo respeitado pelas empresas”, conta a estudante ao iG Queer .

Como a “Respeita Meu Nome” funciona?

A ideia é que a plataforma seja uma ferramenta de denúncia, e que sirva como mediadora de conflitos entre a empresa e o empregado que foi desrespeitado. É importante pontuar que, dada a forma como ela funciona, a denúncia não poderá ser feita de forma anônima.

“A ‘Respeita Meu Nome’ vai ajudar as pessoas trans no sentido de que a gente vai trazer uma solução aqui e agora. A gente quer realmente ser um canal entre essas organizações privadas ou públicas”, explica a fundadora.

“Primeiro, a pessoa trans, ela é o nosso ponto central. Depois são as empresas. A gente também não quer que seja uma empresa desatualizada, uma empresa que vive em oceanos vermelhos [...] que tenha sua marca manchada por crime [por exemplo]”, detalha.

Maria acredita que a iniciativa pode incentivar as empresas a agirem diferente. “Ser transfóbico é crime. Então a gente entende isso e a gente quer seguir por esse caminho. Eu acho que as empresas vão respeitar as pessoas trans, porque isso toca no bolso delas. Porque isso toca na reputação, no ‘branding’.”


Qualquer pessoa pode abrir uma reclamação na plataforma, que irá notificar a empresa denunciada e esperar por um retorno em até 30 dias. Em caso positivo, a plataforma atua junto da empresa interessada na mudança para que esses direitos sejam colocados em prática.

O Dia da Visibilidade Trans é comemorado no dia 29 de janeiro, data em que foi lançada a plataforma
Karollyne Videira Hubert/Unplash
O Dia da Visibilidade Trans é comemorado no dia 29 de janeiro, data em que foi lançada a plataforma


“A nossa proposta de negócios é sentar com a empresa e dar uma consultoria nos canais de atendimento para que ela consiga identificar quais são os gargalos relacionados a isso. A gente identifica junto com ela esses gargalos e atualiza junto com ela sua base de dados”, contextualiza a fundadora.

Em caso negativo, a “Respeita Meu Nome” oferece um encaminhamento jurídico ao reclamante. A plataforma tem uma parceria com a “Bicha da Justiça”, uma empresa de advogados especializada em causas LGBTQIAPN+ .

A plataforma ainda está em período de testes e Maria, junto de sua equipe, pretende aprimorá-la com o tempo, a partir de “feedbacks” de usuários e das empresas.

“A ideia é que [a plataforma] seja mais inclusiva, mais intuitiva, e que realmente possa ajudar essas pessoas. A gente quer ser uma ajuda efetiva, não só uma ajuda paliativa”, conta. O objetivo da estudante é aumentar ainda mais o escopo da plataforma por entender que, para ajudar de fato, é necessário um cuidado em outras frentes também.

“Não são só essas causas, não é só nome e pronome que uma pessoa trans precisa. São muito mais coisas, é respeito, dignidade, acesso à saúde, acesso ao emprego”, afirma.

“Eu acredito que em breve a gente vai ter aí uma plataforma bem robusta, que faz essa ajuda a 360 graus, para pessoas trans e para empresas”, finaliza.

As reais consequências

Hoje em dia, o nome social pode substituir o nome de registro no documento de identidade oficial, sem necessidade de retificação
Foto/Divulgação
Hoje em dia, o nome social pode substituir o nome de registro no documento de identidade oficial, sem necessidade de retificação


Daitô Rosa é estudante de medicina na Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto, e passou por constrangimento em sala de aula, quando uma professora o chamou pelo seu nome de registro.

“Quando a corrigi, ela pegou e mostrou para todos os alunos da sala qual nome estava na lista e disse que a culpa não era dela. Independente[mente] de quem seja o culpado pela não atualização no sistema, ela não deveria ter exposto aos alunos e apenas respeitado a correção que solicitei. Ela mostrou para cada aluno, um por um”, conta.

Maria Matheus Bortoleto Cury, estudante de Direito na mesma universidade de Daitô, e que se identifica como uma pessoa transmasculino não-binário , é estagiário em uma empresa da área jurídica. Ele conta que, apesar de ter seu nome social respeitado por colegas, assim que foi admitido, pediu para ter seu nome social inserido no sistema da empresa, mas teve seu pedido negado.

“As pessoas respeitam o meu nome social no dia a dia, nas conversas que a gente tem, mas em questão de cadastro e de sistema de RH, sistema computacional que as pessoas usam para se comunicar dentro de empresa, eu nunca tive o nome social respeitado”, revela.

O estudante sugere uma melhoria nos sistemas internos das empresas que, na visão dele, não estão preparados para receber pessoas trans e seus nomes sociais.

“A primeira coisa é ter sistemas computacionais preparados para lidar com a alteração de nome social [...] Nesses casos, fazer uma previsão dentro das empresas para esse tipo de cadastro, porque parece que eles nunca tiveram uma pessoa trans, sabe? Então o cadastro nem foi programado dessa forma para ter essa previsão”, explica.

Júlia* (nome fictício), é mãe de uma mulher trans de 26 anos, e vive no interior de São Paulo . Enquanto trabalhava em uma empresa da área agrícola, teve a oportunidade de trabalhar junto de sua filha em períodos de safra. Quando o dono da empresa descobriu que a menina era trans, impediu que a jovem fosse novamente contratada.

“Ele [o responsável pela contratação] me perguntou: ‘Ela já fez a cirurgia [de redesignação sexual ]?’ Falei que não. ‘Então ela não vai poder trabalhar aqui esse ano e usar o banheiro feminino’”, respondeu o contratante. “Ela nunca usou banheiro feminino, ela usa o banheiro químico, não é nem feminino nem masculino, é banheiro químico”, contestou a mãe.

Júlia* conta que o funcionário do RH ainda questionou se a jovem já havia retificado os documentos, o que a mãe respondeu que sim. “‘Ah, então ela não vai poder usar o banheiro masculino’", disse o homem segundo a trabalhadora. "Mas é o banheiro químico, entendeu? É uma portinha só, ela não ia incomodar ninguém”, retrucou a trabalhou.

Segundo Júlia*, durante a conversa, o homem estava visivelmente constrangido e, mesmo após as falas transfóbicas, ele mostrou interesse em contratar a filha da mulher, contudo, foi impedido por superiores e utilizou a questão do nome social e da falta de cirurgia sexual para impedir a contratação da menina.

“Eu tive que passar por tudo isso calada, para não perder o emprego. Eu sofri muito com isso, chorei muito, porque ao mesmo tempo que eles falavam que o trabalho dela era excepcional, vieram e falaram isso pra mim. Ela não pode usar banheiro feminino, porque não fez a cirurgia. E ela não pode usar o banheiro masculino, porque já retificou o nome. Então foi uma situação difícil”, desabafa a mãe.

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