Nome social não é sinônimo de apelido
Rosemary Ketchum/Pexels
Nome social não é sinônimo de apelido


Entre as demandas que rondam a comunidade transgênero, um tema que está sempre em evidência, principalmente quando se fala sobre episódios de transfobia, é a negligência ao nome social da pessoa trans e a insistência em chamá-la muitas vezes pelo nome morto – ou nome de registro. Em vista disso, é importante entender o quanto o nome social de uma pessoa transgênero é importante para ela e os possíveis gatilhos que a citação do nome morto pode despertar.

Allis Matos, Media Analyst da agência Raccoon.Monks e pessoa não-binária, pontua ao iG Queer que, a seu ver, a maior dificuldade de pessoas cis em respeitarem o nome social de pessoa trans está diretamente ligada à transfobia estrutural que invisibiliza e invalida estas vivências. 

“Entendemos a importância de apelidos e nomes artísticos em nosso meio social, mas quando tratamos sobre especificamente o nome social, muitas pessoas insistem em dizer que aquele não é o seu nome verdadeiro. A transfobia é algo enraizado na sociedade brasileira. Sabemos que o Brasil ainda é o país que mais mata a população LGBTQIA+ no mundo, e temos inúmeros vídeos de travestis sofrendo violência nas redes sociais. Infelizmente, a transfobia, assim como o racismo, muitas vezes é encarada como forma de entretenimento e não como crime”, expõe. 

Além disso, por não sentirem na pele a mesma dor que pessoas trans sentem, quem é cisgênero normalmente não dá a devida atenção a estas questões, como comenta Alex Fernandes, produtor de conteúdo e coordenador de mídias sociais na EDB Comunicação e homem trans:

“Elas [pessoas cis] nunca viveram uma realidade de desrespeito em relação ao próprio nome e, por isso, não acreditam que é uma questão de grande importância. Creio que comparam muito à ideia de apelido, como se nome social fosse apenas uma alternativa. Não compreendem que o nome é uma definição de quem você é”, diz.

Além destes hábitos e ideais tatuados no subconsciente cisgênero, há também a precariedade de debates frequentes que mantenham esse tema fresco na mente de pessoas cis para que elas possam de fato reconhecer como esta é uma problemática real. Paulette Furacão, mulher trans, comenta sobre isso e ressalta como a desinformação também é uma vilã poderosa. 

“Percebemos que, a partir do momento que discutimos sobre orientação sexual e identidade de gênero, principalmente nas escolas, já há uma diminuição dos casos de transfobia recreativa. Essa questão atinge toda a sociedade na qual estamos inseridos. Temos dados alarmantes que apontam o Brasil como um dos países mais perigosos para pessoas trans e travestis, percebe-se que é justamente pela falta de debate sobre questões de gênero e transfobia. Somos sempre obrigados a renunciar a nossa identidade e a nossa vivência”, esclarece.

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Os gatilhos

Ter o nome morto revivido é algo que pode gerar certo grau de sofrimento para pessoas trans, dependendo da experiência de cada um. Para Allis, por exemplo, o nome de registro é algo que desperta lembranças desagradáveis e provoca desconforto emocional. 

"O meu nome morto representa uma outra fase na minha vida. Alguém que eu não sou mais. Passei por um processo longo de autodescoberta, autoaceitação, mudanças físicas, psicológicas e sociais. Meu nome social representa toda a minha luta para ser quem eu realmente sou. Já meu nome morto apenas me lembra das dores que passei e do quanto falta ainda para me tornar aquilo que almejo. Lembro-me de ter ouvido uma frase que dizia ‘o nome é a primeira ofensa que o ser humano sofre’, hoje já não me lembro o filósofo que a disse. A cada dia que passa, essa frase fica cada vez mais marcada em mim”, explica. 

Alex, por outro lado, não tem o nome morto como sinônimo de gatilho, embora já o tenha incomodado muito. “Atualmente não é exatamente um gatilho, até porque me acostumei por conta de uma amiga cujo nome é igual ao meu nome morto, por isso associo o nome a ela e nem pensaria em olhar se o falassem para se referir a mim. Mas, antes de chegar nesse ponto, sempre foi como uma pontada de frustração, uma raiva e dor na hora que falavam”, diz. Ele ainda relembra algumas justificativas usadas por pessoas cis para explicar o por quê de negligenciarem o nome o social, e pontua o motivo pelo qual essas afirmações não possuem fundamento. 

“‘É o nome que tá no RG’, isso é o ápice do ridículo pra mim. A pessoa costuma pedir o RG de todo mundo que conhece? Em muitos casos ela descobre o nome morto por acaso e justifica desse modo. ‘É que eu tô acostumado’: isso pode ser compreensível durante um tempo, principalmente no caso de família. Acho que toda pessoa trans reconhece que há um período de adaptação. Mas quando isso continua sendo falado depois de anos, não dá mais para defender. Nem quando a pessoa só ouviu o nome morto uma ou duas vezes e age como se fosse uma vida inteira”, declara.

Allis acrescenta ainda que “quando escolhemos nosso nome social, isso representa um renascimento, da forma correta. O nome social passa a representar tudo aquilo que você é e aquilo que você vai se tornar”. Sobre o senso de pertencimento que o nome carrega, o psicólogo Leonardo Morelli explica que respeitar o nome de alguém é respeitar a própria existência e permanência desta pessoa na sociedade. 

“A importância de ter o nome reconhecido é que você pertence a um espaço psicológico, social, cultural e histórico, então você passa a existir. Para quem tem o nome constantemente negligenciado, a lógica é: se meu nome não está de acordo com quem eu sou, eu deixo de existir e perco a minha relação com as pessoas e comigo mesmo. Ao negligenciar o nome, você coloca a pessoa em um local que não lhe pertence, o que traz sofrimento”, conclui.

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