A jovem Mattilla, 23, aracajuana, é a primeira atriz trans a ser indicada ao Prêmio Bibi Ferreira, premiação brasileira de teatro musical, antes dos 25 anos. A atriz foi indicada na categoria Revelação em Musicais, na 10ª edição do prêmio por sua atuação em "Los Hermanos — musical pré-fabricado".
Em 2022, as primeiras mulheres trans e travestis indicadas ao prêmio foram: Verónica Valenttino, Marina Mathey e Diva Menner, com Marina e Verónica vencendo nas categorias em que concorriam.
Atualmente Mattilla está em cartaz em "Djavanear — um tanto flor, um tanto mar", no Rio de Janeiro , espetáculo formado apenas por mulheres para homenagear a discografia do cantor Djavan. A atriz já integrou o elenco de espetáculos como "Funny Girl — a garota genial" e "Rent".
Com "Los Hermanos — musical pré-fabricado”, além da indicação ao prêmio Bibi Ferreira, a artista também foi indicada ao Prêmio da Imprensa Digital (DID), que avalia teatros musicais.
“A indicação do Bibi foi uma alegria imensa. Foi uma honra estar perto de gente que admiro tanto, pessoas que são tão experientes no fazer teatral e principalmente por ser um trabalho que tenho tanto orgulho. ‘Musical Pré-Fabricado’ foi um lugar que definitivamente me marcou como um dos maiores trabalhos da minha carreira. Foi uma explosão criativa”, celebra a artista.
Natural de Aracaju , capital do estado do Sergipe, Mattilla nasceu em uma família de artistas. A mãe é cantora lírica, o pai, trombonista, e o irmão, pianista. “Nasci nesse ambiente e fui estimulada desde cedo, só que num contexto ainda muito religioso, pois a minha família é religiosa, e eu fui criada nesse lugar. Mas, conforme fui crescendo, eu fui dando os meus próprios passos.”
Com o contato prévio com o fazer artístico, ela decidiu estudar teatro. E foi dentro dele que ela pôde externalizar a identidade feminina que sempre a acompanhou. Logo depois, foi morar no Rio de Janeiro com a família, onde se estabeleceu e continua até hoje, mas sempre vivendo entre a capital fluminense e a paulista.
“Foi no teatro que tive a oportunidade, a coragem e a possibilidade de me externalizar enquanto uma mulher trans. Sei que eu sou uma mulher trans desde muito pequena, desde criança, mas foi numa sala de teatro que eu coloquei isso para fora pela primeira vez. É por isso que tenho uma relação de muito respeito com o fazer teatral, porque acho que é algo tão potente, é algo que consegue chegar em camadas tão profundas, tanto de quem faz, quanto de quem assiste.”
A representatividade trans no teatro musical
Embora comemore as conquistas profissionais, Mattilla não abandona a visão crítica da situação de pessoas trans no teatro e, principalmente, no teatro musical no Brasil.
“Sei que sou uma exceção, e falta muito ainda para essa representatividade existir de fato. O teatro musical é uma área com muitos homens gays, muitas mulheres lésbicas , mas quando a gente fala de pessoas trans, a gente está muito atrás, e acho que isso é ainda mais gritante de ser discutido quando a gente percebe que dentro do fazer teatral existe um fetiche histórico com a figura da pessoa trans”, reflete.
O fetiche histórico ao qual Mattilla se refere diz respeito ao termo transfake , prática utilizada para representar pessoas trans, mas usando corpos de atores cis no local.
“Nós não temos o direito de ser medianas. Isso é muito cansativo, eu sei que isso é difícil. Eu me sinto um pouco sozinha, apesar de não ser a primeira, nem ser a única, existem outras atrizes trans que estão aí fazendo o seu trabalho, mas a gente ainda é a minoria da minoria e eu só posso torcer pelo dia em que os produtores de elenco, os diretores, vão nos olhar como possibilidade para todos os papéis, porque o que acontece é que às vezes as três, quatro atrizes trans do país ficam esperando para ter aquela personagem que é uma prostituta no musical porque é a personagem demarcadamente trans.”
A jovem também acredita que ser definida apenas como uma mulher trans ainda é algo bastante raso, visto que há diversas formas e identidades trans. Ela se identifica como uma mulher trans, gorda e nordestina, e tem consciência de que seus recortes não se assemelham às outras identidades trans, como, por exemplo, de uma mulher trans negra ou magra.
"É preciso primeiro entender que as pessoas trans são possíveis e depois entender de quais pessoas estamos falando. E eu acho que essa discussão dentro do teatro musical continua muito embrionária", destaca Mattilla, que também pontua que vive situações que fogem da norma, pois na maior parte dos trabalhos, não precisou ser a trans no papel, mas apenas uma personagem feminina.
Ser artista trans não é fácil
Para a atriz, se posicionar também pode fazer com que perca trabalhos. "Às vezes somos a base da pirâmide, nós somos as pessoas contratadas para uma produção que é muito maior. Então, nesse sentido, o público tem um papel muito importante de começar a ter um olhar um pouco mais atento. Quando é anunciado o elenco de um novo projeto, o público precisa se questionar quantas pessoas trans estão nesse projeto, quantas pessoas pretas, pessoas com deficiência, etc., e não é pelo papinho da inclusão, não é para ficar bonito na foto, é porque a riqueza está na diversidade."
Ela também compartilha o desejo de que todos os ambientes profissionais do teatro, os escritórios e o meio corporativo estejam repletos de pessoas trans. No entanto, ressalta que essas pessoas trans precisam ter a oportunidade de se qualificar, algo que se torna uma barreira no Brasil.
"Sei que tive o privilégio de ter uma família que me apoia e dos acessos que tive, mas sei também que há outras pessoas trans que não vivem a mesma situação que a minha, e por isso será mais difícil para elas."
Com um repertório bastante plural e em crescente evolução no teatro musical, ela também deseja adentrar o mundo das telas: televisão, cinema ou séries. Mas ainda é algo que vem amadurecendo em Mattilla e tentando se encaixar. Diferentemente da música, que é também um projeto pessoal dela, embora não tenha revelado muitas informações. O “vem aí” garante surpresas para os próximos meses.
SERVIÇO
"Djavanear — um tanto flor, um tanto mar"
Onde
: Sesc Copacabana — Teatro de Arena — Rua Domingos Ferreira, 160 — Copacabana, Rio de Janeiro, RJ
Quando
: de 11 de janeiro a 4 de fevereiro
Horário
: de quinta a domingo, às 20h
Ingresso
: R$ 7,50 (habilitado Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)
Musical. 12 anos. 70 min.
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