'Pajubá' sendo gravado na Pinacoteca de São Paulo
Lau Baldo
'Pajubá' sendo gravado na Pinacoteca de São Paulo

Pajubá  é um dialeto que surgiu da fusão de termos portugueses com palavras dos grupos étnico-linguísticos nagô e iorubá, e chegou ao Brasil pelos escravizados da África Ocidental que encontraram expressão nas práticas religiosas afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda.

O dialeto ganhou destaque quando foi adotado pela comunidade LGBTQIAP+ , especialmente por  homens gaysmulheres trans e travestis , enriquecendo seu repertório vocabular e performativo.

Agora, o termo surge para dar nome a um documentário brasileiro que tem à frente duas pessoas trans e negras: a diretora Gautier Lee, — cineasta, angrense e  pessoa não binária — e Hela Santana, — a autora e roteirista do filme, escritora, trans e baiana. 

Gravado para representar as cinco regiões do Brasil, o documentário "Pajubá", ouviu 28 personalidades transmasculinas, transfemininas e travestis de diversas áreas para representar a pluralidade de ser uma pessoa da comunidade T e as vivências plurais desse grupo no Brasil.

“Pajubá representa a pluralidade do nosso país. O Brasil é um país praticamente continental, somos a maior parte da América do Sul e também uma grande parte da América Latina . E a gente está tentando traduzir isso dentro do nosso recorte de vivências, pessoas e cultura trans. Queremos realmente mostrar que existe cultura e existe história trans em todas as partes desse país. A gente quer acima de tudo celebrar isso, celebrar que temos pessoas negras, brancas, indígenas, que são políticos, que são chefes de cozinha, que são influencers, que são dançarinos, que são educadores, que são autores, que são tudo isso”, explica Gautier. 

Bastidoes de 'Pajubá' com entrevista de Neon Cunha
Bastidoes de 'Pajubá' com entrevista de Keila Simpson
Bastidoes de 'Pajubá' com entrevista de Caê Vatiero

O documentário foi filmado em Porto Alegre  (RS),  Salvador (BA),  Brasília (DF) e em  São Paulo (SP). Na capital paulista, foram registrados depoimentos de 15 pessoas trans, entre elas: Neon Cunha, ativista social e fundadora da Casa Neon Cunha, que presta assistência à população LGBTQIAPN+ em São Bernardo do Campo (SP); Caê Vatiero, jornalista e criador do projeto Transfobia em Dados; e Amara Moira, professora, escritora e ativista. 


Gautier Lee é a diretora de 'Pajubá'
Lau Baldo
Gautier Lee é a diretora de 'Pajubá'

Além de personalidades paulistas, a cidade de São Paulo também foi cenário para depoimentos de personalidades de outros estados, como a atriz acreana Kika Sena, a cantora baiana Ventura Profana, o fotógrafo amazonense Dayo Nascimento e o artista visual pernambucano Fefa Lins. Além deles, muitas outras pessoas, como a também deputada federal Erika Hilton e a ativista Keila Simpson. 


Hela Santana, à frente do roteiro da produção, conta que o processo de escolha das pessoas entrevistadas foi feito com bastante cuidado, mas também com uma certa limitação, devido ao orçamento. A obra foi contemplada no Edital de Concurso FAC Filma RS, e tem apoio financeiro do Fundo de Apoio à Cultura – Pró-cultura RS FAC. 

“Tentei procurar e colocar no filme pessoas que eu admirava tanto na arte, como na política, como no ativismo social e em outros lugares também. A gente não tem como dar conta de explorar o que é a transgeneridade como um todo num país tão grande quanto o Brasil, até porque a transgeneridade em si não é algo homogêneo. Durante o mapeamento, eu cheguei a quase 100 pessoas que eu gostaria de ter no filme”, relembra ela, completando: “[Pajubá] é um convite para as pessoas conhecerem essa cultura, essa história, e é uma pequena amostra.” 

Hela Santana assina o roteiro de 'Pajubá'
Lau Baldo
Hela Santana assina o roteiro de 'Pajubá'

Além da dificuldade financeira, outros desafios também surgiram durante a construção do roteiro. “Temos um documentário, mas também temos uma narrativa ficcional, com performance e música. A maior dificuldade, para além da óbvia financeira, provavelmente foi encontrar um elemento temático que unisse tudo isso, de uma forma mais prática e que ajudasse na construção de uma narrativa coesa. Ficamos quase três anos na construção desse roteiro e acho que conseguimos chegar em um lugar onde toda a equipe se encontra e se vê satisfeita com ele”, comenta Hela. 

“'Pajubá' é um longa que mescla documentário com ficção, com performance. Tem momentos que são realmente ficcionados, e essa parte de ficção foi pensada muito pela Hela como uma forma de reconstruir imaginários”, acrescenta Gautier. 

Representatividade em frente e atrás das câmeras 

Claquete de 'Pajubá'
Carol Brandão
Claquete de 'Pajubá'

Buscando ter diversidade na obra, a equipe de "Pajubá" é composta majoritariamente por pessoas trans e/ou negras. 

“A gente tinha uma rede de profissionais trans e negros que a gente acionou para compor a nossa equipe — uma equipe que também é multicultural. Temos produtoras-executivas baianas, uma roteirista que também é, mas que mora em São Paulo, uma diretora de fotografia mineira que mora em São Paulo também, uma diretora de arte gaúcha. [...] Todo mundo contribuiu muito”, comenta a diretora da produção.

Hela recorda ao iG Queer que disse a Gautier que só aceitaria participar se a equipe fosse majoritariamente trans ou, se não fosse trans, que fossem pessoas cis negras — e assim foi feito.

“As pessoas já chegavam ao projeto sabendo que seria assim. E para a galera trans, principalmente, foi um pequeno paraíso, pois quase todas as pessoas trans que trabalham com audiovisual sonham em ter uma equipe que para onde quer que olhem vejam uma pessoa trans”, diz Hela. 

O processo de gravação e o set foi supergostoso, afirmam ambas, mesmo com algumas adversidades do dia a dia e correria comuns. Hela também cita que houve um dia em que olhou para o set e começou a chorar dizendo: “Olha o que estamos fazendo aqui, sabe? Temos uma equipe inteira de pessoas trans trabalhando para gente, por nós e com nós.”

Estreantes no formato documental 

Gautier Lee e Hela Santana estão à frente do documentário
Lau Baldo
Gautier Lee e Hela Santana estão à frente do documentário

Fora de "Pajubá", Hela é roteirista da antologia de "Histórias (Im)possíveis" e "Encantado’s", além de ser consultora de diversidade da novela "Elas por Elas" — produções da TV Globo. Já Gautier está à frente dos roteiros das segundas temporadas das séries "De Volta aos 15", da Netflix, e "Auto Posto", do Comedy Central. 

Para o documentário, foi necessário fazer algumas adaptações na rotina criativa. Após uma temporada de sucesso em trabalhos com ficção e que tiveram grande repercussão nacional, tanto Hela, quanto Gautier estão focadas em finalizar "Pajubá", que será o primeiro longa-metragem e documentário da carreira delas. 

“Tudo é muito novo, mas estou acompanhada de uma equipe tão apaixonada pelo filme quanto eu, e isso tem sido um conforto nas horas em que a ansiedade aperta”, conta Hela. 

Desenvolver um projeto documental foi também um desafio para Gautier que estudou bastante, tanto a linguagem documental, como as referências para esse projeto, além também das referências que Hela trouxe desde o primeiro momento. 

“Quase todo dia alguém chorava no set de emoção, porque a gente tem relatos fortíssimos; um forte no lugar de afeto, outro no lugar de celebração, sabe? Porque é esse lugar também. As histórias que a gente estava ouvindo eram muito universais para quem é trans”, pontua Hela. 

Quando terminaram as gravações, elas perceberam que o projeto se tornou algo maior do que imaginavam: “Até bateu um certo pânico. ‘Nossa, o que a gente vai cortar?’ Porque é impossível cortar, todo mundo falou coisas incríveis. E agora estamos nesse desafio de montar o filme com todo o potencial dele e das narrativas dessas pessoas”, finaliza a diretora. O documentário tem previsão de lançamento para 2024.

Acompanhe o iG Queer também nas redes sociais: Instagram , X (Twitter)FacebookComunidade no Whatsapp.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!