Maeve Jinkings dá vida à Suellen e Kauan Alvarenga é Tiquinho
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Maeve Jinkings dá vida à Suellen e Kauan Alvarenga é Tiquinho

Suellen, cobradora de pedágio, percebe que pode usar seu trabalho para fazer uma renda extra ilegalmente. Mas tudo por uma causa nobre: financiar a ida de seu filho à caríssima "cura gay" ministrada por um famoso pastor estrangeiro.

É com esta sinopse que o filme “Pedágio”, de Carolina Markowicz, ganha forma. O longa-metragem, que é o segundo da carreira da diretora, chega aos cinemas nesta quinta-feira (30).

Inconformada com a orientação sexual do filho, Suellen comete delitos na tentativa de financiar uma “cura” para a “doença” dele. O filme retrata a opressão e violência sofrida pela população LGBTQIAP+ , diante das incoerências e atrocidades promovidas por alguns setores da sociedade.

“Em pleno 2023, com todos os avanços, tecnologias e progressos, chega a ser chocante a preocupação com quem o outro se relaciona sexualmente. O abismo conservador que vivemos nos últimos tempos serviu para deixar bem à vontade cada indivíduo que se achasse no direito de proferir críticas e até agressões à população LGBTQIA+”, analisa Carolina, que também assina o roteiro da produção.

“Além da violência, há práticas absurdas e patéticas, como as retratadas pelo filme, que parecem ser ficção, mas estão muito próximas à realidade surreal do brasileiro LGBT, gerando sequelas físicas e emocionais irreparáveis”, completa.

Na história, Suellen, interpretada pela atriz Maeve Jinkings, é uma mãe solo, periférica, que se sente incomodada com as críticas de terceiros ao filho homossexual Tiquinho, papel vivido pelo ator Kauan Alvarenga.

Ela entende que ser um homem gay é um defeito e faz de tudo para salvá-lo. No entanto, a complexidade da personagem reside no fato de que ela age acreditando estar fazendo o melhor para o filho. A relação dos dois, apesar de ser razoavelmente boa, acaba tornando-se violenta por parte da mãe.

Uma mãe humanizada

Suellen é mãe solo e foge da representação de uma mãe fundamentalista
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Suellen é mãe solo e foge da representação de uma mãe fundamentalista

“Eu não queria retratar mais uma vez uma mãe super-religiosa, uma pessoa que vai na igreja todo dia, porque ela é uma figura que só quem é fundamentalista também se identificaria. E eu acho que a homofobia, infelizmente, está arraigada na sociedade de tal maneira que supera e está muito além das pessoas que são extremamente religiosas no dia a dia. Ela [a homofobia] já está estabelecida na sociedade, independentemente das pessoas serem religiosas ou não”, defende Carolina em entrevista ao iG Queer.

“Eu queria falar sobre e para essa parte da população, que é a mulher que é independente, que trabalha, que tem uma vida amorosa, uma vida sexual, e não é uma religiosa que segue à risca. E que, mesmo assim, é um produto dessa sociedade que a ensina que se ela tem um filho dessa maneira, ela fez algo errado”, completa.

O título do filme apresenta uma metáfora para essa tentativa de interromper o desenvolvimento de Tiquinho. No processo de Kauan para dar vida ao personagem, ele se inspirou em divas drags brasileiras, como Pabllo Vittar e Glória Groove.


Já na construção da personagem Suellen, Maeve defende que o processo visou humanizar a representação dessa mãe, e não colocá-la apenas como a vilã, mas também como vítima.

“Tivemos a preocupação de humanizar essa mãe. E para isso, entrevistei muitas mulheres, cheguei a essas mulheres por meio de ONGs que dão suporte a familiares de pessoas LGBTQIA+. Isso foi importante porque eu queria ver de perto esse conflito. É uma maternidade complexa, ela não é uma mãe que só acolhe, uma pessoa sem defeitos. Ela está ali tentando, ela é uma mulher sozinha, cria esse filho sozinha, e sabe que a responsabilidade sobre a criação dele e a formação moral dele vai recair sobre ela, e um dos sentimentos mais presentes na vida de uma mãe é a culpa, quem dirá de uma mãe solo”, destaca Maeve. 

A atriz também reflete que homofobia é reproduzida de maneira muito mecanizada na maioria das vezes, e que as pessoas nem sequer pensam muito sobre isso.

Ela menciona que muitas dessas violências, como a que Suellen pratica sobre o próprio filho, ocorrem sem que a pessoa se dê conta da dimensão do ato. “No imaginário de Suellen, ela está corrigindo o filho desesperadamente, no meio de um cotidiano muito duro de sobrevivência, e essa violência ocorre de uma maneira muito pouco elaborada. Ela está ali sendo influenciada pelo amigo, por um discurso que é naturalizado e já muito sedimentado culturalmente.” 

Os limites entre o real e o ficcional

Tiquinho é homossexual e sofre com o desejo de
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Tiquinho é homossexual e sofre com o desejo de "ser curado" pela mãe

“Acho que a gente vive no Brasil, em alguns aspectos, em uma fronteira constante entre o que é real e o que não é”, diz a diretora Carolina, que afirma ainda que queria trazer esse debate importante para as telas, mas não de maneira literal, sobretudo pelo tema da produção ser a prática de “conversão sexual”. 

“Eu não queria mostrar essa violência, tanto física quanto emocional. A minha vontade sempre foi de jogar um holofote num absurdo, no patético, no ridículo, de acreditar que a existência de algo assim faça algum sentido. Qualquer pessoa que se propõe a fazer isso, é um charlatão. E nunca quis definir a igreja do filme como sendo de uma religião específica”, pontua ela, que descreve o longa como “um drama permeado por humor ácido”.

Cubatão: personagem coadjuvante

O tema do pedágio e a cidade de Cubatão também ganham presença na história. A diretora afirma serem duas coisas que sempre teve um fascínio. “Sempre fui muito fascinada com a profissão da cobradora de pedágio, que é um lugar que passa tanta gente, mas, ao mesmo tempo, é tão solitário.”

Além disso, o longa-metragem se passa na cidade de Cubatão, onde Carolina morou por quase dois meses durante as filmagens. O município é uma espécie de personagem coadjuvante no filme e exerce influência na diretora há muitos anos, desde a infância, quando ela observava as luzes do complexo industrial de Cubatão no trajeto entre a capital de São Paulo e o litoral paulista.

“O roteiro de Carolina aborda muito essa fronteira moral. Quando você deixa de ser uma pessoa de bem, né? Esse discurso tão usado, essa ‘pessoa de bem’, a ‘família de bem’ [...] Quantas pessoas que a gente às vezes considera errada existem? Como essa pessoa se vê? Como ela justifica o que ela está fazendo e em nome do que? Acho que na história do país recente, muita violência foi praticada em nome de algo ‘mais nobre’”, provoca a protagonista Maeve.

Destaque nacional e internacional 

No Brasil, o longa foi o maior vencedor no Festival do Rio 2023, com quatro troféus, conquistando os prêmios de melhor atriz (Maeve Jinkings), ator (Kauan Alvarenga), atriz coadjuvante (Aline Maria Marta) e direção de arte (Vicente Saldanha).

Além de percorrer renomados festivais internacionais, como os de São Paulo, San Sebastián, Vancouver e Bordeaux, Em Toronto, no Canadá, a diretora se tornou o primeiro nome latino-americano da história a receber o prestigiado Tribute Award, na categoria Emerging Talent, ao lado de nomes como Spike Lee, Pedro Almodóvar e Patricia Arquette. No Festival de Roma, "Pedágio" conquistou o prêmio de melhor filme.

O longa foi produzido pela Biônica Filmes e O Som e a Fúria, coproduzido pela Globo Filmes e Paramount Pictures e distribuído pela Paris Filmes.

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