A 14ª temporada do reality show da Record TV, "A Fazenda", ainda nem completou duas semanas no ar, mas já tem movimentado a internet com discussões sobre problemas sociais como machismo, xenofobia e LGBTfobia. Uma das brigas que chamou a atenção logo no primeiro dia de exibição foi entre os peões Alex Gallete e Bruno Tálamo.
Gallete, DJ e apresentador gay, afirmou depois de uma prova que todos os integrantes eram iguais e que a discussão sobre a diferença entre homens e mulheres deveria acabar. Para justificar seu ponto de vista, ele utilizou a linguagem neutra: "Aqui é um jogo. Aqui somos todes. Não dá para falar todos ou todas. Somos todes. Se a gente pegar por orientação sexual ou por ser homem ou mulher...".
Em outro momento, o jornalista Bruno Tálamo declarou que o DJ era seu rival no jogo por conta da "militância excessiva" do peão, afirmação que incomodou Gallete que acusou o jornalista de não respeitar sua vivência.
A discussão sobre o uso da linguagem neutra ainda causa reações comovidas por parte de quem não aceita a abordagem, mas, a discussão precisa avançar porque ela vai além da questão gramatical, como defende a consultora de diversidade, Bárbara Aires, que já atendeu grandes empresas como Petrobras e FGV, além de universidades e escolas públicas e privadas.
“A importância do debate tem ligação com o respeito à identidade da pessoa que não se identifica como cisgênera. É triste que a discussão sobre a linguagem neutra passe, única e exclusivamente, por uma questão linguística e gramatical, e que não seja debatida abrangentemente no campo da identidade de gênero e na questão humana”, afirma.
A consultora declara que vê com tristeza a relativização que a discussão é encarada.
“É motivo de chacota e de piada, o que não acontece, por exemplo, com as
pessoas trans binárias
. Quando você é uma
mulher trans ou travesti
que reivindica o feminino, ou uma
pessoa transmasculina
que reivindica o masculino, você tem a sua identidade respeitada. Com o gênero e pronome neutros temos uma resistência muito grande”, analisa.
Dificuldade tem como base o preconceito
Bárbara acredita que a dificuldade que parte da sociedade tem em aprofundar a discussão sobre o uso da linguagem neutra tem a ver com o preconceito e transfobia : “Quando se usa a língua formal, a gramática dita correta, para argumentar o não uso e a dificuldade do gênero neutro, a mim me parece única e exclusivamente transfobia e preconceito”.
Ela ainda reivindica o uso da linguagem neutra ao refletir sobre o passado da língua, que não é a mesma usada no presente.
“Se olharmos para o passado, veremos que muitas palavras foram modificadas ou até sumiram. A forma de se comunicar, a oratória de décadas passadas era outra, sendo assim, a língua é viva e se modifica a partir dos avanços da sociedade”, diz.
Pauta não tem origem na comunidade LGBTQIAPN+
A consultora ressalta que a reivindicação do uso da linguagem neutra não foi uma pauta que começou no movimento queer, mas sim com as mulheres feministas “que enxergaram na língua portuguesa um machismo muito grande”.
Ela analisa também que a discussão muitas vezes é atribuída à comunidade LGBT+ de forma injusta e desvalorizada.
“Costumo dizer que tentam sempre trazer o 'supertrunfo da opressão' e fazem comparações injustas como o uso do pronome com pessoas passando fome, por exemplo, como em uma competição sobre qual pauta é mais importante. Todas as violências são urgentes a serem sanadas e o não reconhecimento de pessoas não-binárias também é um tipo de violência”, diz.
Para finalizar, a consultora reflete que o aprendizado está em construir um discurso da forma mais neutra possível.
“Eu percebo que falta informação para as pessoas, porque não é apenas utilizar o 'e' ou o 'u' no final das palavras. Há outras formas de aplicar a linguagem neutra, como por exemplo se referir a um grupo como 'todas as pessoas' e não 'todos', como é utilizado”, finaliza.
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