Anderson Melo, jogador de vôlei profissional e personal trainer
Instagram/@andersonmelo92 - 16.03.2024
Anderson Melo, jogador de vôlei profissional e personal trainer

Na última semana, o jogador de vôlei de praia brasileiro Anderson Melo, de 32 anos, ganhou repercussão nas redes sociais após publicar um relato de um ataque  homofóbico que sofreu. O caso aconteceu no dia 14 de março, quando Anderson participava de uma partida na Praia do Pina, em Recife , que fazia parte do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia.

No vídeo publicado pelo jogador em seu perfil no Instagram, é possível ouvir gritos da arquibancada com palavras preconceituosas como “bicha”, “muito pintosa”, “usa calcinha” e outros comentários depreciativos contra o jogador que se identifica como um homem gay cis.

Natural do Rio de Janeiro , Anderson começou a jogar aos 10 anos na pracinha da comunidade onde morava em um projeto social que, em suas palavras, lhe deu a oportunidade de se tornar atleta e personal trainer. Ele ficou no projeto durante 16 anos e durante o período se formou em educação física. O atleta considera que tanto o esporte como o projeto mudaram sua vida.

Contudo, foi no vôlei de praia que Anderson ganhou mais reconhecimento. “Joguei todas as categorias de base que existem, tanto no Rio de Janeiro quanto no [campeonato] brasileiro pela CBV [Confederação Brasileira de Voleibol]. Sou bicampeão brasileiro sub-23 e campeão sub-21 em diversas etapas”, conta Anderson ao iG Queer,  enquanto relembra a sua carreira.

O atleta é categórico ao dizer que o episódio ocorrido na Praia de Pina é o primeiro que ele sofreu, em quadra, de cunho homofóbico em todos esses anos de carreira.

“Eu acredito que as situações que eu tenha passado [de ataques homofóbicos] foram quando eu era mais jovem, quando não era assumido. Então, na época, a gente chamava de bullying, porque os adolescentes acabam fazendo graça conosco porque temos certos trejeitos, uma voz mais fina, um cabelo diferente”, explica o atleta, acrescentando que as perseguições homofóbicas acabaram quando ele revelou sua orientação sexual de forma pública e passou a não aceitar mais os ataques.

“Senti como se estivesse com um vazio dentro do meu coração”

No momento em que a torcida começou os xingamentos e as ofensas direcionadas à sexualidade de Anderson, ele diz que tentou ao máximo focar no seu “lado jogador”, mas que, mesmo assim, os ataques o abalaram.

“Em um determinado momento do jogo, a torcida começou a entrar muito na minha mente e na minha alma”, confessa o atleta. “Eu me senti agredido, me senti muito sozinho, como se eu estivesse com um vazio dentro do coração, porque eu não estava conseguindo entender o porquê daquilo estar acontecendo.”

Anderson conta que passou a perder o controle mental quando começou a pensar em como sua mãe, que faleceu há um ano em decorrência de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), reagiria aos ataques.

“Pensava em como ela poderia estar se sentindo, como ela iria reagir se ela estivesse aqui. Então foi uma mistura de sentimentos, com a perda da minha mãe e a situação de estar sendo agredido.” 

Segundo o jogador, dentre as falas, duas se destacaram: a de um homem gay e a de uma senhora. “Um dos agressores respondeu que ele não estava cometendo nenhum crime, pois ele também era gay. Ele se acha no direito de me agredir, de me chamar do que ele quiser, sem me conhecer? Uma senhora respondeu para um amigo meu que ‘aquilo fazia parte do jogo’ e que o psicológico faz parte do atleta. Ela ainda afirmou que o meu [psicológico] era fraco. Não, o meu não é fraco. O meu foi muito forte, e isso foi provado desta vez.”

Omissão da equipe técnica

O jogador diz que sentiu que os membros da equipe técnica, no momento em que os ataques ocorreram, se mantiveram “omissos”. “Eles disseram que não conseguiram ver de onde estavam vindo as falas homofóbicas, mas eles estavam do lado da quadra. Além disso, é nítido que [os ataques] não foram apenas falados; foram gritados, tanto no primeiro quanto no segundo set”, denuncia o jogador.

“Eu precisava ter gritado ‘socorro’ dentro da quadra? E se eu estivesse sendo agredido fisicamente?”, questiona ele

Após o ocorrido, o atleta fez um boletim de ocorrência em sua cidade natal, o Rio de Janeiro, e na última quinta-feira (21) prestou depoimento na capital fluminense. O caso foi transferido para o Recife, local em que ocorreram os ataques e onde a denúncia será investigada.

“Falei tudo que eu tinha que falar. Falei tudo que escutei esses dias, todas as omissões que tiveram, as falas que foram ditas e que não foram escutadas por todos, pois tiveram também algumas que foram feitas no meu ouvido.”

Anderson diz que esse momento não tem sido fácil e que os ataques abalaram a sua relação com as torcidas em quadra.

“Não consegui entender tudo ainda. No próprio torneio, depois desse jogo, tive que fazer mais dois jogos, e a cada grito que a torcida fazia, eu me tremia todo, até mesmo quando torciam a favor”. O atleta afirma que está passando por acompanhamento psicólogo e buscando entender melhor o impacto dos ataques em sua vida a partir de agora.

Em 16 de março, dois dias após as agressões LGBTfóbicas a Anderson, a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) divulgou uma nota em seu site dizendo que “lamenta e repudia veementemente os ataques homofóbicos ao atleta Anderson Melo, feitos na quinta-feira [14/03] por pessoas que assistiam aos jogos da segunda etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, em Recife.”

A nota continua afirmando que a CBV “apurou os fatos, reviu as imagens da partida, conversou com a arbitragem e reuniu todas as informações necessárias para protocolar um boletim de ocorrência em uma delegacia de Recife”. O órgão afirmou ainda que o caso também será encaminhado ao Ministério Público local.

“A CBV lamenta que Anderson Melo tenha sofrido essa violência e está prestando todo o auxílio ao atleta. A CBV reforça que não admite qualquer tipo de preconceito, entende que o esporte é uma ferramenta para propagação de valores como respeito, tolerância e igualdade; e agirá sempre para coibir qualquer manifestação discriminatória em seus eventos.”



O caminho é a denúncia

Com a repercussão sobre o caso, Anderson pretende usar sua visibilidade para encorajar que mais casos de LGBTfobia sejam denunciados
Reprodução/ Instagram
Com a repercussão sobre o caso, Anderson pretende usar sua visibilidade para encorajar que mais casos de LGBTfobia sejam denunciados


Com a repercurssão, Anderson acabou ganhando novos seguidores em sua principal rede social, o Instagram. Lá, o atleta passou de 7 mil seguidores para quase 43 mil (42,7 mil no momento da publicação deste texto). A recepção após o relato é descrita como “calorosa” por ele, que confessa ainda não ter compreendido a proporção que o episódio tomou.

“Isso me fez receber bastante amor, bastante carinho e palavras de apoio. Pessoas que se identificaram com meu caso, que chegaram até a mim e falaram: ‘Já aconteceu algo parecido comigo, mas não tive a coragem de denunciar’. Então mexeu muito comigo, pois existe o Anderson atleta, o Anderson jogador, como também existe o Anderson ser humano”. 

Com a experiência, o jogador profissional reforça para que as pessoas denunciem casos de LGBTfobia , e lembra que se trata de um crime que deve ser combatido. “Eu acredito que o meu caso vai dar coragem para as pessoas e vai escancarar que tem uma lei que pode proteger a gente [...] Eu sinto ainda que falta essa consciência, de que é um crime”, finaliza ele.


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