“Todo homofóbico é um homossexual enrustido”. Essa frase já foi reproduzida diversas vezes e está até hoje enraizada no senso comum. Parte-se do pressuposto de que o ódio de uma pessoa que se diz heterossexual vem da vontade de querer viver uma homossexualidade reprimida e não poder; assim, o ódio é a resposta a esse suposto estímulo.
No entanto, o psicólogo Claudio Picazio explica que essa definição é bastante equivocada. "Detesto essa explicação de que a homossexualidade reprimida torna alguém assassino ou ladrão”, ele esclarece. Mesmo assim, o especialista aponta que pode existir uma agressividade muito maior em pessoas que não conseguem lidar com as próprias orientações sexuais — o que pode ser tanto uma pessoa homossexual reprimida como uma pessoa hétero que não condiz com os padrões sociais que ditam a heterosexualidade.
“Para pessoas extremamente machistas, pensar na possibilidade de uma homossexualidade e de não corresponder com aquilo que se espera de um ‘macho’ torna aquela pessoa agressiva. Essa carga negativa passa por problemas familiares e sociais”, pontua Claudio.
A mentalidade LGBTfóbica faz com que existam muitos pensamentos, ações e frases homofóbicas internalizadas na sociedade. Isso, sim, é capaz de prejudicar o psicológico de pessoas LGBTQIA+ na hora de se assumir. Claudio explica que, para a sociedade, dizer que alguém é homossexual é, praticamente, admitir que é ruim ou falho, já que não é algo esperado.
“Vamos pensar, por exemplo, no que significa quando algo é considerado ‘coisa de viado’”, propõe. “As pessoas pegam situações que não têm nada a ver com isso, como um goleiro não pegar o pênalti ou uma pessoa ser fechada no trânsito, e usam ‘viado’ como um xingamento”, começa o psicólogo.
“Ser ‘viado’ é uma analogia que se faz a tudo aquilo que não é bom, que não é correto ou que não deu certo. Este peso se incorpora quando a pessoa de uma certa forma não se assume gay e a homofobia fica ligada a isso”, acrescenta.
Estudos tentam compreender relação entre homossexualidade e homofobia
Algumas pesquisas e estudos práticos surgiram ao longo do anos para tentar compreender quais são os sentimentos chave da homofobia e qual é a verdadeira mentalidade de uma pessoa homofóbica. Um dos mais conhecidos foi realizado em 1996 por Adams, H. ; Wright, L. e Lohr, B., pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade da Georgia (EUA)
Intitulado “Is homophobia associated with homosexual arousal?” (“A homofobia está associada à excitação homossexual?”, em português), o estudo reuniu homens que se identificavam como homossexuais. Após responder a algumas perguntas, eles foram divididos em grupos organizados da seguinte forma: o primeiro reunia homens que se sentiam mais desconfortáveis com a homossexualidade; o segundo, homens que se sentiam menos desconfortáveis em relação ao assunto.
Cada um dos grupos passou por um experimento em que realizaram uma pletismografia peniana, que mede o fluxo sanguíneo do pênis e caracteriza a excitação, em resposta a imagens exibidas pelos pesquisadores. Foram colocadas imagens de sexo entre pessoas de gêneros diferentes e pessoas do mesmo gênero.
Nesta última, homens do grupo que mais se sentiam descofortáveis com a homossexualidade tinham quatro vezes mais excitação, principalmente quando as imagens eram de dois homens tendo relações sexuais. Além disso, mais da metade dos participantes apresentaram excitação, mas negaram às entrevistas realizadas após o experimento. No outro grupo, esse índice caía para menos de um quarto.
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Claudio explica que, no entanto, esse fato isolado não é capaz de explicar o que está por trás de uma pessoa com mentalidade homofóbica. “A gente tem uma homofobia social que não existe em função de um homem gay não assumido que vira homofóbico. No caso de pesquisas como essas, pode-se identificar que muitos vão contra isso porque percebem que a atração existe. Existe uma homofobia vinculada a essa questão de não querer ver isso acontecer”, explica.
Outro exemplo é de um estudo realizado pelas universidades de Rochester (Nova York, nos Estados Unidos), da Califórnia e de Essex (Inglaterra), em 2012, com 160 cobaias. Foram analisados fatores como crenças, estrutura familiar, valores e opiniões. Os pesquisadores também pediram que essas pessoas fizessem classificações sobre tópicos que seriam considerados como “homossexuais” ou “heterossexuais”.
Neste estudo, foi constatado que pessoas que vivem em ambientes familiares considerados mais opressores e repressivos, há índices maiores de que as pessoas se privam dos próprios desejos internos e de sentir atração pelo mesmo sexo. Dessa forma, elas adotam a homofobia como forma de proteção.
A pesquisa também notou que as pessoas que se identificam como heterossexuais, mas que demonstravam indícios de uma homossexualidade, agiam com mais agressividade em relação a pessoas homossexuais.
Essa repressão não resulta apenas em agressividade, mas também em uma espécie de passividade, que pode causar danos mais silenciosos e internalizados. “Tem muita gente que é homossexual e, em vez de ficar agressiva, a pessoa se reprime. Existem muitos homossexuais que casaram com pessoas do gênero oposto, que buscaram a igreja e que vão atrás de uma série de coisas pra tentar reprimir sua homossexualidade”, diz.
Confusão de héteros quanto à orientação sexual
Claudio conta que um dos fatores que podem motivar comportamentos ou ideias homofóbicas tem relação com o fato de que as próprias pessoas heterossexuais não se sentem incluídas na definição do que é ser heterossexual. “Tudo aquilo que não corresponde a um ideal de masculino e de virilidade, que está fora da heterossexualidade tóxica, é encarado pelas pessoas como homossexualidade”, aponta o psicólogo.
Ele conta sobre casos que observou em cursos e palestras, em que homens heterossexuais acreditavam que eram gays quando apresentavam “falhas eróticas” ou quando não se sentiam atraídos por uma determinada mulher. “Essas definições não são verdadeiras, mas esses homens acham que sim. Ser homossexual significa ter desejos e fantasias por uma pessoa do mesmo gênero, e não o fato de não sentir atração por uma pessoa do outro gênero”, afirma.
Portanto, a homofobia também pode surgir por uma insatisfação de pessoas hétero, principalmente homens, em relação a como expressam suas masculinidades. Isso porque essas pessoas acreditam que a maneira delas de agir não corresponde ao imaginário social da heterossexualidade.
Essa definição também reforça a ideia da chamada heterossexualidade frágil. “Um heterossexual convicto pode dormir na mesma cama pelado com um amigo gay e dormir um sono tranquilo porque ele sabe que não deseja outro homem”, exemplifica Claudio. “Então, esta pessoa tem a sexualidade questionada não porque deseja outro homem, mas porque não corresponde àquilo que ela idealiza sobre ser hétero”, completa.