Céu Albuquerque é a primeira pessoa a ter registrada a intersexualidade na certidão de nascimento
Reprodução/Instagram 21.03.2023
Céu Albuquerque é a primeira pessoa a ter registrada a intersexualidade na certidão de nascimento


Céu Albuquerque, jornalista e ativista pernambucana de 32 anos, foi a primeira brasileira a ser legalmente reconhecida como  intersexo por lei, em decisão histórica no país.

O processo, que começou em 2021, levou quase três anos para ser concluído, e após decisão favorável da 2ª Vara da Família e Registro Civil da Comarca de Olinda (PE), emitida em fevereiro, Céu ganhou o direito de retificar seus documentos.

Para a jornalista, sua conquista é a primeira de muitas a serem alcançadas e que benificiarão toda a comunidade de intersexo no Brasil.

“[Espero que] outras portas de acessibilidade para pessoas intersexo possam vir a serem abertas, no sentido de criação de políticas públicas , de saúde, de direitos, de advocacy , de qualidade de vida, e proteção para as crianças”, diz ela em entrevista ao iG Queer.

Céu
Arquivo pessoal

Céu foi registrada como intersexo no Cartório de Registro Civil de Olinda

Céu também acredita que a retificação de seu documento pode influenciar outras pessoas intersexo a fazerem o mesmo, até que este tipo de medida se torne algo habitual nos cartórios brasileiros.

Para as pessoas trans, por exemplo, o direito de retificação de documentos sem a necessidade de decisão judicial é assegurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2018.

“A gente espera que essas pessoas possam retificar seus documentos, que [a conquista] possa trazer mais representatividade para elas, porque nascer intersexo é algo que não pode ser apagado”, defende Céu.

Ela continua: “Eu acho que colocar na minha certidão de nascimento que eu sou uma pessoa intersexo vai além desse sistema binário, é como se fosse uma quebra desse sistema, sabe?”

A partir da retificação, seu próximo desejo é a possibilidade de se candidatar a vereadora de Recife, garantindo assim representatividade na Câmara e a possibilidade de garantir direitos negados à população intersexo recifense.

“Eu vejo que não existe um modo mais rápido de a gente fazer uma mudança significativa e criação de políticas públicas, para a sociedade intersexo e LGBT+ de modo geral, se não existir uma pessoa que seja intersexo dentro da política”, avalia Céu.

O que é ser intersexo?

A Intersex Human Rights, situada na Austrália , define as pessoas intersexo como “as que têm características sexuais congênitas, não se enquadrando nas normas médicas e sociais para corpos femininos ou masculinos, e que criam riscos ou experiências de estigma, discriminação, ódio e danos”.

As características sexuais congênitas dizem respeito às características físicas relacionadas ao sexo, incluindo cromossomos, órgãos genitais, gônadas, hormônios e outras anatomias reprodutivas, e características secundárias que aparecem na puberdade.

Céu nasceu com hiperplasia adrenal congênita, condição que gera uma genitália ambígua. Quando bebê, seus pais foram coagidos a aceitar que ela passasse por uma cirurgia de redesignação sexual . A não realização da cirurgia em bebês intersexo é uma das pautas mais importantes para esta comunidade.

“As pessoas intersexo vivem diversos estigmas e dilemas desde que nascem, começando através dessa cirurgia de resignação sexual para que binarizem os seus corpos”, aponta Céu.

A bandeira que representa os intersexos, na comunidade LGBTQIAPN+, é amarela, e tem um círculo roxo em seu centro
Reprodução/Emma Rahmani
A bandeira que representa os intersexos, na comunidade LGBTQIAPN+, é amarela, e tem um círculo roxo em seu centro

A ativista entende que essas violências, que vão desde a mutilação genital até a exposição desnecessária e violenta com toques em consultas hospitalares, a acompanham desde quando ainda era uma criança.

“Muitas violências eu acredito que passei por causa desse sistema binário, onde as pessoas de fato não querem entender que além do XX e do XY existem outras formas de corporalidades”, conta.

Na adolescência e vida adulta, Céu também teve de lidar com o estigma de ser intersexo, o que afetou sua vida amorosa e também sua rotina de cuidados com a saúde, que foram atravessadas pelo preconceito . Essa, segundo ela, é uma experiência comum para a comunidade.

“A sociedade e a comunidade médica enxergam esses corpos, não como pessoas 'normais', como pessoas, como qualquer outra, mas sim como anomalias”, relata.

Intersexualidade e transgeneridade

Uma pessoa intersexo se difere de uma pessoa trans na medida que sua luta diz respeito muito mais ao sexo biológico do que ao gênero. Contudo, pessoas intersexo podem também se identificar também como transgênero.

Céu acredita que a intersexualidade deve ter um movimento só seu, uma letra que se separe do resto (o “I” de LGBTQIAPN+ ), considerando que o movimento tem lutas próprias, como a proibição da cirurgia redesignação sexual e hormonização “corretiva” em crianças e o direito de serem reconhecidas por lei como intersexo.

Outra pauta importante do movimento é a de que a classe médica esteja devidamente preparada para lidar com as várias possibilidades de intersexualidade, evitando constrangimento e aumentando a qualidade de vida das pessoas.

“A pauta intersexo visa primeiramente essa proteção da qualidade de vida e de saúde dessas pessoas, através da conscientização da não-binarização, através do fim da cirurgia de resignação sexual, assistência médica de qualidade para o tratamento das doenças raras ou comorbidades dessas pessoas”, explica.

Ela finaliza: “Inicialmente vejo que essas pautas não podem de maneira nenhuma se misturar, exceto quando a gente começa a falar sobre sexualidade, aí sim elas andam juntas, porque aí a gente fala que pessoas fêmea, macho ou intersexo podem ter qualquer orientação sexual, qualquer identidade de gênero ou expressão de gênero.”

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