No dia 11 de fevereiro é celebrado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, data definida pela ONU (Organizações das Nações Unidas) em 2015 com o objetivo de aumentar a conscientização sobre a presença e a excelência das mulheres na ciência.
Elas, segundo dados divulgados pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), representaram em 2023 apenas 33% da porcentagem global de pesquisadores.
No Brasil, no ano passado mulheres representaram 35% do total de bolsistas de pós-graduação no país, segundo dados da Capes e do CNPq — órgãos governamentais que fornecem bolsas para pesquisadores no país. Os dados foram analisados no mesmo ano pelo “Parent in Science” e o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa/Iesp-Uerj).
A baixa presença de mulheres na pesquisa nacional é ainda menor quando se trata de mulheres trans. Conforme pesquisa realizada pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), em 2022 cerca de 70% das pessoas trans e travestis não concluíram o ensino médio no Brasil, e apenas 0,02% dessa população teve acesso ao ensino superior no país.
Embora os grandes desafios, essas mulheres resistem dentro da academia brasileira e, diante dessa realidade de dificuldade, seus trabalhos devem ser divulgados e celebrados pela comunidade científica.
A ciência que permite sonhar
Danielle Nunes, de 36 anos, começou sua carreira acadêmica na Universidade Estácio de Sá, formando-se em Gestão de Turismo e em Administração. Hoje, é aluna do mestrado no departamento de Relações Étnico-Raciais do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (PPRER).
Ingressante do programa em 2023, sua pesquisa gira em torno da inclusão de mulheres trans no esporte. A linguagem está entre um dos aspectos mais importantes de seu trabalho, pois ela entende ser um fator primordial para disseminar sua pesquisa para a maior quantidade possível de pessoas.
“Usar uma linguagem simples é fundamental para disseminação dessas informações. Há muito negacionismo por aí, mas o problema é a falta de vontade política. Meu trabalho não é sobre o esporte em si, mas também sobre política.”
Como aluna, ela entende que seu maior desafio está em se fazer entender. “Vou fazendo letramentos sutis [...], pois é algo novo para eles [seus colegas de turma e professores] e de grande parte sinto que se disponibilizam em aprender ou trocar.”
A mestranda também acredita que o papel da mulher na ciência é fundamental, e defende por uma política de permanência de mulheres trans na universidade. “É sobre trazer outras versões, visões e compreensões de mundo. Todo o lugar que há predominância do homem universal, branco, cis, hétero, eu acredito que deve-se ter uma paridade de gênero e diversidade.”
No seu futuro, Danielle espera poder dar aulas em instituições privadas. “A interseccionalidade precisa caminhar ao lado dos conhecimentos técnicos. [Quero] humanizar as relações do mundo corporativo com o objetivo de fazer com que a diversidade real chegue nas grandes empresas.”
A docência como instrumento de luta
Danieli Christovão Balbi, de 34 anos, além de ser a primeira deputada estadual transexual do Rio de Janeiro, também é mestra e doutora em literatura pela Universidade Federal do estado (UFRJ).
Foi professora da Escola de Comunicação Social da universidade, e é docente de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira na Secretaria de Educação do estado do Rio. Sua área de pesquisa está concentrada em dramaturgia, cinema e teatro, e também literatura comparada.
Se referindo à sua experiência universitária no curso de Letras, Dani avalia que a UFRJ foi muito acolhedora. “O primeiro [ponto a se destacar] deles é ter um corpo docente majoritariamente composto por mulheres. Parece que não, mas isso faz uma enorme diferença em questões ligadas à expressão da sexualidade.”
“Depois, também por ter um público LGBTQIAPN+ [...] Quando eu expressei a minha identidade de gênero para minha orientadora, ela já conhecia outras mulheres transexuais e me acolheu bastante. Em geral, eu posso dizer que foi o mesmo em relação a toda a comunidade acadêmica da faculdade de Letras”, conta.
A parlamentar também entende que sua carreira acadêmica se relaciona com seu trabalho como deputada. “A gente atua muito em defesa da pauta da educação pública na rede estadual de ensino [...] e por conta dessa atuação que já vem de antes de eu ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa, eu acabei sendo vice-presidenta da Comissão de Ciência e Tecnologia.”
Como professora, ela compartilha muitos de seus orgulhos, e presta uma homenagem aos alunos que a ajudaram com uma vaquinha para que ela conseguisse realizar sua cirurgia de redesignação sexual.
“Eles foram incríveis, me deram uma aula de cidadania, de respeito, me ensinaram aquilo que eu já sabia e confirmaram de maneira tão bonita que a diversidade ensina a solidariedade, mesmo que na aspereza.”
Uma vida dedicada à pesquisa
Jaqueline Gomes de Jesus, de 45 anos, é psicóloga, mestra e doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Ela dá aulas no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e também é docente no Departamento de Direitos Humanos na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A professora tem pós-doutorado pela Escola Superior de Ciências Sociais e História da Fundação Getúlio Vargas (FGV), conquistado em 2014, e dedicou a vida acadêmica à pesquisa na área de saúde mental LGBTQIAPN+.
Ela conta que escolheu expandir sua área de pesquisa no pós-doutorado porque queria explorar elementos pouco trabalhados na área. “Meu pós-doutorado foi em Ciências Sociais e História para ampliar categorias, como trabalho e movimentos sociais, que eu sentia que na Psicologia eram usados apenas de forma funcional, sem maior aprofundamento”, conta.
A Psicologia, segundo ela, a define como profissional. “Faz parte da minha vida, de quem eu sou, de quem me formou, de onde eu aprendi. A partir desta área eu fui espraiar em outras. A Psicologia não fecha em si, então por meio dela eu cheguei nas Ciências Sociais, na Literatura, nas Letras, na Ciência Política, em vários outros campos”, conta.
Sua carreira na docência, como mulher trans e negra, só lhe traz alegria, mas Jaqueline reconhece que, mesmo com tantas credenciais, os desafios continuam a aparecer. “O maior desafio é em relação a alguns colegas que têm dificuldade de verem que eu não sou apenas o estereótipo de mulher trans e negra.”
Ela continua: “Eu tenho feito muito além [do seu campo de trabalho]. É até estranho porque eu sou a única pesquisadora do Instituto Federal do Rio, até onde eu saiba, que faz pesquisa internacional desse nível global que eu faço [...] Mesmo assim, falta reconhecimento, eles não botam [sic] uma notinha [referência em trabalhos acadêmicos] se eu não me mobilizar e pressionar, então é isso.”
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