Citado em lista da Rolling Stone Brasil como um dos filmes nacionais para ficar de olho em 2024, "Alice Júnior 2: Férias de Verão", anunciado em outubro do ano passado, é a primeira sequência de um filme protagonizado por uma mulher trans no Brasil.
O primeiro filme rodou o país e o mundo em festivais de cinema, quando foi lançado, em 2019. Venceu quatro prêmios no 52° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, e Anne Mota, a atriz principal, foi a primeira mulher trans a ganhar o prêmio de Melhor Atriz no festival.
O filme também estreou em festivais internacionais, como o Berlinale, na
Alemanha
, e o New Fest, nos
Estados Unidos
, mas foi pela Netflix que ele ganhou popularidade, principalmente no Brasil. A plataforma de streaming distribuiu o projeto em mais de 196 países, o que chamou atenção de veículos de imprensa internacionais, como a Variety e o IndieWire.
Anne, que vive a personagem Alice nos filmes, conta em entrevista exclusiva ao iG Queer que no primeiro longa ainda não tinha muita experiência como atriz. O tempo entre a produção do primeiro para o segundo filme possibilitou que ela participasse de outras experiências profissionais, além de frequentar faculdades de Teatro e Cinema e Audiovisual, tanto em Recife , sua terra natal, quanto em São Paulo , onde reside atualmente.
Uma característica marcante da franquia é que ela se propõe a ser um romance adolescente recheado de vivências positivas para a protagonista — o que vai contra a produções audiovisuais que se concentram em histórias de violência e marginalização da experiência trans. Anne enaltece a importância desse tipo de narrativa “apesar de não terem muitas garotas trans [neste perfil], porque essa não é a vivência usual de garotas trans e travestis, de terem uma vida mais privilegiada.”
“Por que não garotas trans e travestis ocuparem cada vez mais esse espaço? Por que não sermos influencers, como a Alice é? Por que não estarmos em lugares de poder, como a Alice está?”, questiona a atriz.
O tipo de narrativa de "Alice Júnior" encanta também Luiz Bertazzo, roteirista do primeiro filme e co-roteirista da sequência. Ele concorda com a atriz protagonista, e destaca a importância da produção.
“'Alice Júnior' sempre teve um lugar em que eu queria que o filme passasse, na 'Sessão da Tarde' [TV Globo]. Eu fui criado assistindo esses filmes adolescentes, e essas narrativas sempre vinham carregadas de sentimentos positivos [...] Alice transformou a vida de muitas meninas trans, que enxergam a Anne Mota como um farol para elas.”
Uma publicação no perfil oficial de "Alice Júnior" no Instagram revelou que pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ não estão só presentes como atores no filme, mas também nos bastidores. Luiz considera essa outra vitória importante para as produções do gênero.
“Filmes LGBTs funcionam quando a comunidade é maioria no set, e isso é um ponto muito importante. Quanto mais artistas LGBTs empregados no audiovisual, mais histórias serão produzidas, e mais impacto na sociedade isso vai gerar."
O problema do transfake
Em "A Força do Querer", novela da TV Globo que foi ao ar em 2017, a atriz Carol Duarte interpreta um homem trans, o personagem Ivan, em seus primeiros passos para a transição de gênero. A narrativa, apesar de revolucionária para a TV aberta na época, comete um erro: o
transfake.
Esse problema, que ocorre tanto no Brasil quanto fora dele, acontece quando uma pessoa cis interpreta o papel de uma pessoa trans, tirando da pessoa trans a possibilidade de interpretar esse papel e uma oportunidade de emprego.
Anne Mota, em seu perfil no Instagram, tem vários vídeos sobre o tema, se posicionando desde sempre contra a prática. Segundo ela, há um avanço no mercado audiovisual brasileiro, que dá oportunidade para mais pessoas trans interpretarem papéis que seriam delas por direito, mas o problema ainda persiste.
“É totalmente possível atores e atrizes trans estarem em obras que têm personagens trans, mesmo que esses personagens trans estejam passando pelo período pré transição [como Ivan de 'A Força do Querer'] [...] O transfake não tem justificativa. As pessoas se utilizam do transfake porque elas são transfóbicas”, argumenta a atriz.
Em "Alice Júnior 2", Galba Gogóia, co-roteirista, é uma mulher trans. Leonardo Lima é um homem trans preto, e interpreta o personagem Hércules na sequência. Vitória Gabarda é uma mulher trans e assistente de objeto no set. Essas e muitas pessoas dão vida ao projeto, que fez questão de abolir o transfake de dentro para fora das câmeras.
“Eu quero que garotas trans, adolescentes e também outras de diferentes idades venham assistir a 'Alice Júnior' e se sintam empoderadas, porque também é sobre isso. O filme também está falando ‘fica de cabeça erguida, segue em frente, porque você é foda, você é poderosa!’”, finaliza Anne.
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