Quando Diva Menner soltou seu vozeirão cantando “Through the Fire”, de Chaka Khan, no palco do “The Voice Brasil” em 2020, sua vida mudou completamente. Quando deixou o programa na semifinal, a cantora já estava com o destino traçado pelo sucesso e pelas músicas que trilhariam sua história. Enquanto estava na atração, ela pôde contar um pouco sobre sua vida profissional e pessoal, inclusive que passou pela transição de gênero somente após os 30 anos.
Hoje, aos 38 anos, ela lembra que foi muito importante esperar esse tempo para uma mudança tão grande em sua vida. Diva diz, em entrevista exclusiva ao iG Queer que precisava de uma estrutura financeira para conseguir passar pela transição porque o custo é alto e leva-se um tempo para conseguir atingir os resultados.
“Eu já tinha a minha independência financeira, então foi bom também ter esperado o momento certo para começar minha transição e começar do zero a viver realmente como uma mulher 24 horas do dia. Eu precisava ter essa estrutura psicológica, financeira, espiritual, mental para poder me adequar ao meu corpo, a minha alma ao meu corpo.”
A artista lembra que, naquele período, não teve apoio de ninguém, mas salienta que ninguém se opôs à sua decisão. Diva diz que já era uma pessoa independente, tinha um trabalho remunerado, uma carreira sólida e tinha acabado de gravar um álbum antes mesmo de transacionar, mas não se reconhecia ali.
“Era um disco de uma artista que não tinha alma”, comenta. “O resultado do trabalho era tão bom por fora, mas faltava algo que era a minha alma, minha essência, que não estava ali. Aquela pessoa não existia. Depois da transição foi que as pessoas vieram entender que eu realmente estava vivendo em um corpo estranho que não era o meu. Aí, sim, o universo conspirou e foi depois da transição que eu consegui o apoio de muitas pessoas, inclusive da minha mãe, que me ajudou muito nos períodos pós cirúrgico, cuidou de mim e eu devo isso a ela. Nunca vou esquecer”, lembra com carinho.
Por falar em trabalho, Diva está no elenco de “Wicked”, um dos musicais mais promissores da Broadway, que conta um viés diferente da história de “O Mágico de Oz” e que volta ao Brasil com uma nova roupagem. Na trama, ela vive Madame Morrible, uma personagem cisgênero, que é uma vilã intensa, nunca antes vivido por uma atriz transgênero na produção nacional.
Ela conta que foi uma grande surpresa ao saber que havia sido aprovada para o papel, já que ela fez o teste despretensiosamente e estava escala para um outro musical. A cantora conta que não sabia como reagir e que agora o país vai poder conhece-la de uma outra forma no palco.
“’Wicked’ traz a Diva Menner como atriz e a dramaturgia dessa personagem é muito mais forte que o canto, então isso está sendo muito legal. As pessoas me veem sempre cantando e agora é uma oportunidade única. Estou muito feliz e honrada por ocupar esse espaço, esse papel que é tão importante, essa personagem tão icônica dentro dessa história. É uma das vilãs principais desse musical e eu estou muito feliz.”
Diva não pode dar muitos spoilers sobre sua personagem, tudo é guardado a sete chaves pela equipe da produção, mas ela garante que esta Madame Morrible será muito diferente do que o público já conhece, assim como os outros personagens da história. Inclusive, o personagem Fiyero, um dos protagonistas, será interpretado por um ator negro. Na primeira versão brasileira, este personagem foi interpretado por Jonatas Faro.
“A gente está dando uma versão muito mais interessante, eu diria, que todas as outras versões que já fizeram de ‘Wicked’. É mais modernizada. A Madame Morrible é um prato cheio porque ela é uma personagem cômica que a gente pode brincar porque ela é autoritária, poderosérrima, se veste muito bem, tem o estilo dela de falar e é má. É uma feiticeira muito ambiciosa e está sendo muito gostoso ter todos esses atributos numa personagem só”, destaca.
Oportunidades nas artes
Ter participado do “The Voice Brasil” foi uma oportunidade que o Brasil teve de conhecer o talento da recifense Diva. A partir daí, as portas foram abertas e ela agora é uma representatividade da comunidade nordestina, preta e trans. Contudo, infelizmente, o caso dela é quase raro. De acordo com o 1º Mapeamento de Pessoas Trans da Cidade de São Paulo, divulgado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos da capital paulista em 2021, 59% das pessoas trans exerciam alguma atividade remunerada. Esse número mostra o quanto a sociedade ainda é desigual, inclusive nas artes.
Em janeiro deste ano, o iG Queer mostrou o caso da travesti brasileira Keyla Brasil, que fez um protesto na cidade de Lisboa, em Portugal , porque um ator cisgênero estava interpretando uma personagem trans no palco, papel que poderia claramente ser feito por uma travesti. Esse tipo de comportamento dentro das artes cênicas é chamado de transfake . Diva acredita que esta realidade esteja mudando pouco a pouco, mas salienta que as oportunidades para pessoas trans não são validadas e reclama que a sociedade não as enxerga com carinho e atenção.
“As pessoas trans têm tanto talento e competência quanto qualquer outra pessoa cisgênero. O transfake é superdesnecessário , já que a gente tem esses corpos, material humano pronto aqui no Brasil e fora dele. Acho muito desnecessário hoje, em pleno 2023, estarmos falando de pessoas que querem se passar por trans na dramaturgia ou em qualquer outro lugar da arte. A gente precisa de oportunidade e, se a gente tem esse material humano, vamos usá-lo”, incentiva.
A cantora tem esperanças de que essa realidade mude completamente em um futuro breve, pois já é possível encontrar representatividade em corpos trans na TV fazendo trabalhos como atrizes, na arte, na música, além de vários outros nichos da sociedade, com profissões dignas e na política.
“Isso é um avanço muito grande para nós, para nossa comunidade. Eu fico muito feliz! Mas acho que é uma quantidade mínima para um povo que não tem muita oportunidade na vida. O Brasil ainda é o país que mais mata pessoas trans no mundo inteiro , pessoas que são vítimas do preconceito, que tendem a mostrar 24 horas ao dia que são capazes de exercer e de ocupar qualquer espaço na sociedade. Nós estamos, sim, caminhando a passos lentos, porém muito representativos”, pontua.
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