Além do caso envolvendo o centro islâmico, o enfermeiro Douglas D'lorenzo Zanin afirma ter sofrido outro ataque homofóbico em 2022 em que foi agredido física e verbalmente.
Reprodução/Facebook 18.01.2023
Além do caso envolvendo o centro islâmico, o enfermeiro Douglas D'lorenzo Zanin afirma ter sofrido outro ataque homofóbico em 2022 em que foi agredido física e verbalmente.

O enfermeiro Douglas D'lorenzo Zanin, de 45 anos, um homem gay cis, afirma ter sofrido homofobia do Centro Islâmico Imam Al Mahdi de Diálogo no Brasil (CIADB), após procurar a instituição para fazer um curso de árabe e aprender sobre o Islamismo. O caso teria ocorrido na última sexta-feira (13). Ao iG Queer, o profissional de saúde relatou o episódio.

"Eu vi uma placa em frente ao espaço que dizia que se tratava de um centro islâmico para diálogo inter-religioso. Isso me chamou a atenção. Resolvi procurar as redes sociais do CIADB e quando encontrei vi que o centro estava oferecendo um curso gratuito de árabe", afirma o enfermeiro sobre o contato inicial que teve com o centro islâmico, que fica no bairro de Belenzinho, na cidade de São Paulo.

Douglas afirma que tentou contato pelas redes sociais e por telefone, mas sem sucesso, o que o fez comparecer pessoalmente ao lugar para buscar mais informações. Ele diz ter sido atendido pelo xeque Mahdi Elah, que o recebeu na porta da entidade. O enfermeiro conta que, ao saber do seu interesse pela língua e pelo estudo religioso, o xeque ficou "muito feliz e expressou bastante alegria".

"Ele disse que o curso de árabe era aos sábados, às 17h; e o de ensino religioso às terças e quintas-feiras. Ele me convidou para retornar no mesmo dia, às 18h30, porque aconteceria um encontro com o padre da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes sobre moral e virtudes a partir do olhar da Bíblia e do Alcorão. O xeque me pediu ainda para chegar meia hora antes porque ele me daria instruções sobre a matrícula dos cursos, sobre o Alcorão, sobre a religião, entre outras informações", conta Zanin.

Xeque indagou por que o enfermeiro não era casado

O enfermeiro continua o relato, que começa a revelar o episódio de LGBTfobia sofrido por ele. Douglas conta que no fim do papo inicial, o xeque questinou a idade dele e se ele era casado.

"Eu respondi a idade e disse que não era casado. Em seguida, ele me perguntou: 'Como você não é casado com esta idade?'. Na sequência, eu reafirmei: 'Porque não sou casado'. Ele continuou me fazendo perguntas pessoais e me questionou se eu tinha filhos. Eu disse 'não'. 'Deus não colocou nenhuma moça boa ainda no seu caminho para você ter um casamento e ter filhos?', ele perguntou. Eu respondi dizendo que não casaria com uma mulher devido a uma certa situação na minha vida. Ele ficou olhando e disse: 'Ah, entendo o que é'", relembra o profissional de saúde.

Douglas conta que o xeque o advertiu sobre sua orientação sexual dizendo que diante das leis de Deus e de Alá não era correto, mas que caso ele se entregasse a Deus, a "condição" pode poderia mudar.

"Ele fechou a cara, demonstrou uma certa tristeza depois que falei sobre minha orientação sexual e que não tinha interesse em me casar com uma mulher. Acho que ele imaginou que eu não retornaria depois da nossa conversa, mas eu fui porque estava interessado", relata o enfermeiro

"Não vai ter curso"

Após chegar no horário combinado no centro, Douglas afirma que o xeque o recepcionou de forma diferente e que abriu o portão "meio assustado". "Acredito que ele tenha achado que eu não voltaria", diz.

Nos trinta minutos de antecedência ao encontro do líder mulçumano com o padre, o enfermeiro afirma que Mahdi Elah se esquivou dele o tempo todo.

"Eu queria perguntar se ele ia me dar um exemplar do Alcorão, ele se esquivava; eu ia perguntar sobre o curso e ele falava que ia falar depois, e coisas do tipo. Eu pedi ajuda para um mulçamano que estava presente. Eles começaram a falar em árabe, até que eu indaguei diretamente a Mahdi Elah. Ele disse: 'Não vai ter curso' e prosseguiu falando em árabe com o outro mulçumano", diz Douglas que afirma que a justificativa do xeque foi a de que havia acabado de chegar a notícia de que uma pessoa do centro tinha morrido.

Zanin conta que o mulçamano que estava junto do xeque desconfiou da informação. "De qual Mesquita a pessoa era aqui de São Paulo?", teria perguntado o mulçamano, que foi respondido por Mahdi Elah com: "Já está sepultado. Nós vamos lá na casa da família para prestar condolências".

"O xeque dava respostas muito rápidas. Eu perguntei se poderia entrar em contato para saber quando o curso retornaria e ele falou que iria viajar para Santos, no litoral de São Paulo, e que não sabia quando iria retornar", afirma o enfermeiro.


Pessoa muçulmana incentivou enfermeiro a fazer boletim de ocorrência

Douglas conta que estava "muito perturbado" com o ocorrido e que conversou com uma pessoa muçulmana. Ela teria dito que o enfermeiro não deveria ter procurado o centro porque já havia ocorrido outros casos de LGBTfobia e racismo por lá.

"Essa pessoa me estimulou a fazer um boletim de ocorrência, o que eu não estava cogitando fazer, porque eu já tinha passado por uma agressão física devido à minha orientação sexual no ano passado", afirma o profissional de saúde.

Ele conta que depois que sua história veio a público, veiculada originalmente pelo portal Metrópoles, uma pessoa muçulmana entrou em contato com ele, "de forma muito educada", pedindo desculpas pelo comportamento do xeque.

"Essa pessoa me disse que a religião islâmica não é assim, que eu havia procurado o pior lugar para conhecer o Islamismo e aprender a língua árabe", diz.

O que diz o Centro islâmico Imam Al Mahdi de Diálogo no Brasil

O iG Queer procurou o CIADB para buscar um posicionamento e esclarescimentos da entidade sobre a acusação de homofobia. A nota, assinada pelo xeque Mahdi Elahi, afirma que o líder religioso refuta todas as acusações e que o centro islâmico "respeita a Constituição Federal, a soberania nacional e a rica diversidade deste país acolhedor".

Confira a nota na íntegra:

"Eu, Sheikh Mahdi Elahi, líder religioso e diretor do Centro Islâmico Imam Mahdi (A.F.) de Diálogo no Brasil, venho por meio desta nota informar que refuto todas as acusações a mim atribuídas por um participante do encontro inter-religioso realizado pelo Centro na sexta-feira, dia 13 de janeiro de 2023, o qual alega ter sido vítima de preconceito, mesmo tendo sido recebido respeitosamente e normalmente como qualquer pessoa que visita nossa sede.

Além disso, afirmo que o Centro Islâmico Imam Mahdi (A.F.) de Diálogo no Brasil é uma instituição devidamente registrada de acordo com o Código de Civil e as Leis da República Federativa do Brasil, que respeita a Constituição Federal, a soberania nacional e a rica diversidade deste país acolhedor.

O Centro Islâmico Imam Mahdi (A.F.) de Diálogo no Brasil exerce suas atividades culturais e religiosas há mais de 10 anos em São Paulo, onde tem prestado significantes serviços à comunidade brasileira em geral, e de uma forma mais específica a grupos vulneráveis como refugiados e pessoas em situação de rua, e mantém seus canais de comunicação abertos a todas as pessoas, independentemente de religião, procedência ou ideologia, que tenham interesse em se informar e apoiar suas atividades.

Por fim, desejo a todos e todas um bom ano, repleto de muita paz, respeito, diálogo e prosperidade para o povo brasileiro e sua grande nação".

Enfermeiro foi educado em igreja ultraconservadora


Enfermeiro Douglas D'lorenzo Zanin em manifestação na avenida Paulista.
Reprodução/Instagram 18.01.2023
Enfermeiro Douglas D'lorenzo Zanin em manifestação na avenida Paulista.


Douglas conta que antes de viver sua sexualidade de forma plena, sem a necessidade de omiti-la, ele passou quase 30 anos em uma igreja ultraconservadora, que condenava sua orientação sexual.

"Eu fui educado em uma instituição cristã protestante muito conhecida no Brasil. Toda a minha família é envolvida nesta igreja. A partir do momento que você se retira de lá, ninguém que faz parte da congregação pode conversar com você, olhar na sua cara e nem fazer oração citando o seu nome, inclusive familiares", contextualiza o enfermeiro.

Ele segue o relato explicando que se retirou da congregação porque "não suportava mais a pressão de ser gay e ouvir as pregações dentro da igreja que afirmavam que o homossexual iria para o inferno".

"Eu comecei a 'entrar em parafuso'. Tentei tirar minha própria vida duas vezes. Quando você sai de lá, você acha que só lá que existe salvação. Então, para que viver se eu já estava perdido?", relembra Douglas.

Ele conta que só falou abertamente sobre sua sexualidade para a família quando tinha 31 anos. "Eu só tive minha primeira relação sexual com essa idade. Do meu nascimento até depois dos 30, eu tive que guardar tudo somente para mim e só comecei a viver com essa idade. Hoje estou com 45 anos e aprendendo coisas como uma criança".

Zanin ainda lembra que no dia posterior à sua primeira relação sexual, ele tomou banho de duas em duas horas porque se sentia "poluído, sujo, imundo, abominável", além de um sentimento de culpa porque tinha feito sexo com outro homem. "Tinha perdido a virgindade e eu estava perdido", diz.

Agressão física e ofensas LGBTfóbicas

O enfermeiro afirma que o caso envolvendo o centro islâmico não foi o primeiro episódio de LGBTfobia com  raiz religiosa que ele sofreu, e que o segundo caso, que ocorreu em 10 de setembro de 2022, tem  relação direta com a igreja onde ele foi criado.

Ele conta que depois de quase 20 anos afastado da igreja, recebeu uma mensagem de uma das pessoas das quais ele era amigo durante o período da congregação, mas que esta aparentava ter mudado. "Ela estava bem diferente, usando brinco, batom e com o cabelo mais curto, coisas que na instituição eram proibidas".

Com a reaproximação, Douglas diz que a mulher, que também era enfermeira, revelou que estava vivendo relações extraconjugais. O profissional de saúde afirma que a mulher começou a querer que ele a acobertasse nas traições, o que ele negou. Ele também diz que decidiu se afastar dela.

A agressão ocorreu quando o enfermerio, em um dia que ele resolveu visitar a congregação, estava em uma padaria após o culto. A mulher o abordou aos berros, segundo ele, questionando: "O que que está acontecendo?". Ele afirma ainda que a enfermeira acreditava que ele poderia relevar as traições dela, uma vez que a mãe dela já o havia abordado perguntando se ele sabia de algo.

"Ela me chamou de vários nomes, ‘viado escroto’, ‘viado podre’, ‘viado imundo’. Eu disse que não era obrigado a ouvir aquelas ofensas e que iria ligar para a polícia. Ela tomou meu telefone e me agrediu, tentou inclusive, quando já estávamos do lado de fora da padaria, me atropelar”, afirma Douglas. "Ela disse ainda que 'viado como eu tinha que morrer com dois tiros na cabeça'".

O enfermeiro registrou um boletim de lesão corporal, ameaça e homofobia na 24ª Delegacia de Polícia (Ponte Rasa). Douglas afirma que também passou por exame de corpo de delito. "Os advogados me orientaram a sair de São Paulo por um tempo porque eu estava recebendo ameaças e sendo vigiado. Fui para a região Sul do país", diz o enfermeiro.

O caso está em andamento na esfera judicial. A suspeita da agressão e das ofensas LGBTfóbicas não foi localizada até a publicação desta reportagem.

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