Imagem de Cristo em virtral
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Imagem de Cristo em virtral

No Brasil, país majoritariamente cristão, é comum ouvirmos discursos de pastores e padres condenando a homossexualidade e a transexualidade. Entretanto, não é possível afirmar que todas as denominações cristãs ou mesmo que outras religiões não se relacionam bem com a comunidade LGBTQIA+ . Há estudos que indicam ser possível surgir até quatro mil novas nomenclaturas religiosas todos os anos, de diferentes vertentes, e algumas das religiões mais tradicionais do mundo possuem discursos diferentes de líderes brasileiros de grande expressividade.

Segundo o último censo do IBGE, realizado em 2010, 64,6% dos brasileiros (cerca de 123 milhões de pessoas) declaram-se católicos e 22,2% (cerca de 42 milhões de fiéis) são protestantes. O que significa que os cristãos são a maioria da população brasileira. Por isso, é comum que as pessoas, mesmo que ateias ou praticantes de outros credos, já tenham ouvido algum discurso dos principais líderes religiosos cristãos do país sobre a comunidade LGBTQIA+, comumente condenando-a como pecadora.

De acordo com o cientista da religião Gustavo Albuquerque existem mais de dez mil religiões no mundo e, por isso, não é possível generalizar que elas se oponham à comunidade LGBTQIA+. “O que ocidentais chamam de hinduísmo, que é muito mais antigo do que o judaísmo, que, por sua vez, precedeu e originou o cristianismo, por exemplo, tem ramificações que acolhem a diversidade. Inclusive, para mulheres trans, como uma personificação da própria divindade”, afirma.

“A cultura e, consequentemente, a espiritualidade de povos originários nativos da América do Norte concebem muitos mais gêneros do que nosso modelo binário de homem e mulher”, completa.

Para o religiólogo – quem pesquisa e analisa as experiências religiosas – dentro de uma perspectiva judaico-cristã, o que ocorre é uma interpretação específica de livros escritos há muito tempo.

“O que encontramos são interpretações e reinterpretações de um texto escrito em meados da Era dos Metais – quando as sociedades e a relação com o planeta Terra eram completamente diferentes [de hoje]. Então, em uma interpretação equivocada, o que se pretende é enclausurar a sociedade globalizada, que é altamente complexa, em um tipo de molde arcaico, completamente irreplicável nos dias atuais”, afirma Albuquerque.

Tais interpretações nem sempre são aceitas por todos os fiéis, o que, algumas vezes, pode ser suficiente para a fundação de novas vertentes, nomenclaturas e templos, como é o caso das igrejas inclusivas. Historicamente, as divergências pelos temas foram, e ainda são, responsáveis pelo surgimento de novas religiões, cristãs ou não.

Segundo Gustavo Albuquerque, divergências interpretativas nas religiões podem originar novas crenças
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Segundo Gustavo Albuquerque, divergências interpretativas nas religiões podem originar novas crenças

“No transcorrer do percurso da história é comum haver divergências interpretativas dentro de uma mesma religião e, quando isso fica muito evidente e crítico, podem acontecer rupturas que darão origem a outras formas de enxergar e reinterpretar o sistema de crenças. As pessoas LGBTQIA+ e pessoas próximas a elas já sofreram e continuam sofrendo dentro de determinadas crenças, tendo seus Direitos Humanos feridos. Logo, pode ser um movimento natural, haver novas formas, mais inclusivas e acolhedoras, de interpretar religiões ditas 'tradicionais'. Toda prática classificada como tradicional é decorrência de algo inventado por alguém em algum espaço, tempo e contexto”, diz Albuquerque.

Para ele, há um elemento em comum em todas as religiões do mundo: o amor. E essa ligação pode ser praticada de formas diferentes, de acordo com quem está determinando o que amar. “Há algo em comum inegável em todas as religiões: ‘Não faça às outras pessoas o que você não quer para si’; e o Amor! Amar é um verbo que transcende crenças, credos, culturas e soluciona quase tudo sozinho”, finaliza o pesquisador.

Segundo o cientista político Egerton Neto, é a laicidade do Estado que protege a população LGBTQIA+ brasileira ao garantir a livre expressão sexual e de gênero de intervenções estatais baseadas na visão de alguma religião específica. Ele explica que o Estado laico foi pensado, originalmente, para defender a existência da pluralidade e da diversidade como um todo, inclusive em outras questões que não são sobre orientação sexual e identidade de gênero.

“O Estado laico não foi pensado para proteger um grupo específico, ele foi criado para proteger a pluralidade de ideias da sociedade como um todo. A separação entre Estado e Igreja já serviu como proteção às minorias protestantes em países católicos. Serve também para proteger as diferentes crenças de intervenção estatal”, explica.

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"A instrumentalização dos credos por grupos políticos é o verdadeiro perigo", afirma o Egerton Neto

Entretanto, Neto afirma que a proteção desse grupo não é, necessariamente, frente às religiões, mas às pessoas que utilizam o discurso religioso de maneira política.

“Espanha e Holanda possuem uma forte tradição cristã, católica e protestante, respectivamente, mas, ao mesmo tempo, foram capazes de garantir direitos aos LGBTQIA+ com a criação de diversas políticas públicas. A Dinamarca é, oficialmente, luterana e é um líder em diversidade. Não é, necessariamente, a religião que se opõe aos direitos LGBTQIA+. A instrumentalização dos credos por grupos políticos é o verdadeiro perigo, como vemos no Brasil hoje em dia. O Estado laico serve para proteger a comunidade LGBTQIA+ dessas pessoas”, conclui Neto.

Veja o que algumas religiões dizem:

Judaísmo
A homossexualidade é citada no livro Levítico do Torá, quando diz que a relação sexual entre dois homens é uma abominação. (Lv18, 22): "Não te deites com um homem como se fosse com mulher, é uma abominação".

No passado, o sexo entre dois homens era considerado um crime nas comunidades judaicas e podia ter como consequência a pena da morte. Hoje, não há mais a pena de morte e o judaísmo ortodoxo, inclusive, reconhece a atração entre dois homens e a existência da homossexualidade, mas não permite o ato sexual e pede para os homens controlarem os desejos deles. A lesbianidade não é citada diretamente no Torá, mas também não é aceita. As práticas orais da religião proíbem relações sexuais entre duas mulheres.

Em um artigo sobre a passagem do Torá, o filósofo e psicanalista francês Pierre-Israël Trigano afirma que a bíblia hebraica não é homofóbica, mas “convida a humanizar a relação do masculino e do feminino no casal”. A homossexualidade sempre foi um fenômeno comum na sociedade judaica. Há registros de judeus importantes que assumiram suas orientações sexuais publicamente e, mesmo assim, continuaram sendo respeitados em suas comunidades.

Cristianismo
A mesma citação do Torá está presente no Antigo Testamento da Bíblia Cristã, considerada por católicos e tida como única bíblia para os protestantes. Entretanto, no Brasil, já existem diversas nomenclaturas cristãs – adventistas, anglicanos, batistas, católicos, ortodoxos, luteranos, metodistas, mórmons, pentecostais, presbiterianos, entre outros – e, dentro dessas vertentes, uma série de templos que fazem novas interpretações da Bíblia, adaptadas ao tempo de hoje, como é o caso das igrejas inclusivas, que aceitam a homo e a transexualidade.

Espiritismo
Apesar de muitos afirmarem que o espiritismo é uma religião cristã, por terem fé na figura de Jesus Cristo, a maioria desses fiéis são regidos dentro do Kardecismo. Na obra “Vida e Sexo”, publicada pela Federação Espírita Brasileira, psicografada por Chico Xavier e atribuída a Emmanuel, os espíritas abordam as definições de casamento, homossexualidade, amor livre, aborto, prostituição, adultério e até terapia.

Os temas são tratados com naturalidade e o que importa é a provação dos indivíduos em suas reencarnações, buscando sempre melhorar o espírito. Já no Livro dos Espíritos, fica claro que não importa se a pessoa reencarnou homem ou mulher, mas as escolhas da pessoa durante a vida para enfrentar as dificuldades.

Umbanda
Religião brasileira, resultado de sincretismo, a Umbanda possui orixás que se apresentam em mais de uma forma, como o caso de Oxumaré, que pode aparecer como mulher, homem ou serpente. A religião acolhe os LGBTQIA+ e os aceita em seus cultos e reuniões.

Candomblé
As religiões de matriz africana acolhem a população LGBTQIA+. Entretanto, em alguns centros candomblecistas, é possível que haja costumes específicos que ferem a dignidade dessa população, principalmente de pessoas trans, que podem ser impedidas de viver a identidade de gênero plenamente.

Islamismo
As opiniões islâmicas sobre a homossexualidade são muito variadas e têm sofrido modificações ao longo da história. O Alcorão e alguns Hadith condenam de forma quase explícita a relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Duas suratas mencionam a história do "povo de Lot", que teria sido destruído por permitirem “atos homossexuais”. No islamismo, é possível ter a homossexualidade caracterizada como sodomia, que pode ser punida com a morte, como acontece em diversos países majoritariamente islâmicos.

Hinduísmo
Há diversos exemplos de LGBTQIA+ na mitologia e crença hindu. Há divindades que mudam de gênero, manifestando-se com sexos opostos ou até de forma intersexual. A modificação acontece com o objetivo de facilitar a relação sexual deles entre as divindades. Também há seres não-divinos que passam por mudanças de sexo por meio da intervenção dos deuses, como resultado de maldição ou bênção ou ainda como resultado natural de sua reencarnação.

Budismo
Os praticantes dessa fé e filosofia de vida, costumam encarar o ato sexual como prejudicial na busca pela iluminação, que é o objetivo central do budismo. Contudo, a prática sexual não é distinguida entre homo e heterossexual. Toda relação é uma distração desnecessária. Algumas vertentes do budismo não pedem para reprimir os desejos ou os pensamentos, mas, tem-se claro que para atingir o estado de Buda, de iluminado, o caminho é outro que não o dos desejos mundanos.

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