O governo federal anunciou em fevereiro deste ano um novo modelo de carteira de identidade para o Brasil. O objetivo é unificar o número do documento em todas as unidades da federação por meio do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF). A CIN (Carteira de Identidade Nacional) deve substituir o RG (Registo Nacional) em até dez anos.
O ‘Novo RG’ , como muitos estão chamando a CIN, foi criado pelo governo do atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Embora o documento unifique várias informações como o Título de Eleitor, Numeração da Carteira de Trabalho e Previdência Social, Carteira Nacional de Habilitação, NIS/PIS/Pasep, entre outros, a iniciativa tem recebido críticas de entidades LGBTQIA+ por requisitar o preenchimento de campos como "sexo" e "nome social" que podem gerar situações de "constrangimento" e "humilhações" para a população trans, travesti e não binária a do país .
Além do número do CPF, o novo documento conta com um QR Code para verificação e é incluído um código de padrão internacional (MRZ), o mesmo usado em passaportes, que permite a identificação de brasileiros no exterior.
Por enquanto, Rio Grande do Sul, Acre, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais e Paraná estão prontos para emitir o documento. Os demais estados têm até março de 2023 para começarem a emitir a nova carteira. Em julho, o Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a iniciar a produção do novo documento.
O atual RG deixará de existir em 2032 para quem tem menos de 60 anos. Quem tiver mais de 60 anos, o documento é vitalício. E, embora unifique os dados, a CIN não substitui outros documentos, como a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), emitida pelo Detran de cada estado.
Mas quais são as consequências negativas que a atualização do documento trará para as pessoas que precisam utilizar nome social e não se reconhecem mais com o sexo biológico em seu atual gênero?
O Decreto 10.977/22 institui a CIN e determina que o campo “sexo” seja incluído e que o nome de registro apareça acima do nome social . Com isso, as pessoas trans e travestis que não tiverem seus documentos retificados e ainda precisem usar o nome social serão prejudicadas . As pessoas não binárias ainda não conseguem mudar o gênero tão facilmente, sendo necessário uma atuação judicial mais burocrática, mas podem exigir o nome social.
Qual a diferença entre gênero e sexo?
Ao obrigar a identificação do sexo no novo documento, pessoas trans e travesti que têm o sexo oposto ao gênero que se identificam, são colocadas em uma situação desconfortável. O sexo não era exigido no documento antigo e, por isso, entidades LGBTQIA+ também exigem que o campo seja retirado da obrigatoriedade.
O sexo tem relação com a biologia, ou seja, sexo feminino e o masculino, enquanto o gênero está atrelado à identidade da pessoa, que não se baseia apenas no conceito binário, podendo abranger muitas outras, como as identidades trans, travestis e não binárias.
Exigir a informação do sexo no novo documento é desnecessário porque é um dado que deveria ser usado apenas para registros internos e para questões relevantes como na área da saúde.
Os embates do nome civil e o nome social
O nome civil é o nome registrado em cartório ao nascimento, já o nome social é aquele que a pessoa se identifica e representa sua identidade de gênero. Todavia, há uma grande confusão, pois o nome social só será exigido para as pessoas trans que não fizeram a retificação de sua Certidão de Nascimento , mudando gênero e nome. Por outro lado, aqueles indivíduos que não conseguem fazer por diversos motivos, seja financeiro, menoridade, jurídico ou que ainda não passaram pela transição de gênero e entre outros, serão afetados negativamente, pois terão o nome civil acima do nome social.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) explicou que "não se pode expor o nome ou 'sexo' anterior. É proibido pelo STF e CNJ. O problema maior está para pessoas não retificadas."
Como a retificação é o processo de alteração de nome e gênero na Certidão de Nascimento e, consequentemente, em todos os outros documentos, não sofrerão esse desconforto com a CIN.
Além disso, o artigo 5º da Resolução 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação argumenta que o nome social deve estar em posição de destaque com relação ao nome de registro. O que não foi cumprido ao ser divulgado o ‘novo RG’, abrindo brechas para violências e violações de direitos.
Em 2019 ocorreu a última alteração do RG atual e permitiu a inclusão do nome social para pessoas trans e travestis. Apenas primeiros nomes ou nomes compostos são alterados, com os sobrenomes sendo mantidos. Mas, diferentemente da CIN, o nome de registro permanece no documento, só que no verso.
Como evitar que o nome civil e sexo biológico apareça?
Para que o nome de registro não conste, o mais recomendado é realizar a retificação de nome e gênero na Certidão de Nascimento antes de 2023, pois os estados têm até março do próximo ano para iniciar a emissão do novo documento, que será emitido na versão física e digital e será obrigatório para toda população em 2032.
Com a retificação, todos os documentos serão atualizados com o nome e o gênero que a pessoa se identifica, não precisando constar informações que não condizem mais com a identidade atual do indivíduo.
Entidades atuam para haver mudanças
Em outubro deste ano, a Antra e a Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transexuais (ABGLT) , moveram uma Ação Civil Pública (ACP) a fim de questionar esses pontos e pedir a revisão do decreto 10.977/22, que instituiu o documento, para que o teor transfóbico seja retirado da norma.
"Além dos retrocessos e problemas que representam, essas modificações atingem em cheio a segurança das pessoas trans. Abrindo margens para violências diversas, humilhações e tratamentos degradantes devido à cultura de ódio transfóbico que vivemos no Brasil em relação às pessoas trans", disse Antra em comunicado.
Como fazer a retificação?
Em São Paulo, o Poupatrans desenvolveu uma cartilha com um passo a passo para ajudar pessoas trans e travestis a mudarem seu nome e gênero na Certidão de Nascimento. Para acessar clique aqui.
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