A cirurgia de redesignação sexual tem muita importância para as pessoas trans porque traz a possibilidade de mais reconhecimento com a identidade de gênero, além de representar um grande avanço na medicina mundial.
Por mais que o procedimento ainda esteja cercado de tabus , assim como tudo o que se refere às pessoas transgêneres, a importância de debater o assunto e democratizar o acesso à cirurgia se torna cada vez mais urgente, principalmente em uma sociedade LGBTfóbica como a brasileira que lidera o ranking de morte LGBTs no mundo.
Só em 2021, segundo o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil , ocorreram 316 mortes de pessoas queer de forma violenta no país. Dessas mortes 285 foram assassinatos, 26 suicídios e cinco por outras causas.
O cirurgião plástico Thiago Marra, que é especializado em cirurgias de redesignação de sexo, explica que o procedimento dura entre cinco a oito horas, e que é um processo “muito complicado”.
“Como o tempo de cirurgia é bem longo, e por se tratar de um procedimento bem complexo, que mexe com partes delicadas como a uretra, é necessário ter repouso maior e fazer uso de sonda após o procedimento”, afirma o especialista que aponta os dez primeiros dias como cruciais para o sucesso do pós-operatório.
“É o tempo que pode ter algum problema, como a trombose, por isso o uso de anticoagulante no pós-operatório, já que também pode haver algum sangramento. Quanto maior o cuidado e maior o repouso, melhor”, diz.
O médico salienta que todo o pós-operatório deve ser acompanhado pelo médico que realizou a cirurgia com “retorno às consultas, acompanhamento à distância com o envio recorrente dos dados vitais, além de repouso, e uso dos medicamentos prescritos”.
Marra também afirma que o esforço físico deve ser evitado ao máximo, o que é “extremamente importante”, mas que “também é necessário fazer pequenas caminhadas para o corpo não ficar totalmente parado”.
Sobre as medicações que devem ser tomadas, o médico explica que “a paciente precisará tomar um antibiótico à escolha do cirurgião, analgésico para dor e anti-inflamatório, além do medicamento anticoagulante”, e que a internação após a cirurgia e o período de retorno ao hospital varia de paciente para paciente.
“A mulher fica no hospital internada, geralmente de dois a três dias, em alguns casos mais tranquilos, pode ser liberada no dia seguinte. Os retornos na primeira semana são, mais ou menos, de três em três dias, até completar dez. Depois, aos poucos, de acordo com a necessidade de cada paciente, o período vai alterando de 15 para 30 e depois 60 dias”, diz.
Quais são os maiores riscos da cirurgia?
Mesmo com todos os estigmas acerca do procedimento, o cirurgião plástico afirma que os
riscos de se fazer uma cirurgia de redesignação de gênero
são “os mesmos inerentes a todos os procedimentos cirúrgicos”.
“Trombose, sangramento e infecções são os riscos mais propensos”, diz o especialista que ainda revela algumas “manobras específicas” para que o canal vaginal não feche nos primeiros dias após a cirurgia: “Alguns alargadores e dilatadores para a redesignação sexual são utilizados no pós-operatório, para ajudar na percepção pélvica e auxílio do canal. Eles são imprescindíveis neste momento”.
A mulher que faz a cirurgia de redesignação também pode se submeter a outros procedimentos cirúrgicos caso deseje uma maior satisfação com sua imagem e percepção de gênero.
“Existem vários outros procedimentos que podem ser realizados como, por exemplo, prótese de silicone feminina, mastopexia com prótese em algumas situações [cirurgia que modifica a forma do seio], além de procedimentos que englobam a feminização facial como, rinoplastia, mentoplastia [cirurgia na parte inferior e média da face, abaixo do lábio inferior], frontoplastia e avanço capilar”, explica Marra.
Vale ressaltar que para uma mulher trans ou travesti se reconhecer como uma pessoa do gênero feminino, ela não tem obrigação da realização da cirurgia de redesignação ou quaisquer outros procedimentos cirúrgicos. Basta que haja a identificação com o gênero e autodeclaração.
Procedimento no SUS x clínicas privadas
O Processo Transexualizador, como é chamada a cirurgia de redesignação de gênero no Sistema Único de Saúde (SUS), foi instituído no órgão público pela
Portaria de nº 1.707, de 18 de agosto de 2008
, o que permite o acesso a procedimentos com hormonização, cirurgias de modificação corporal e genital, assim como acompanhamento multiprofissional.
O programa foi ampliado pela Portaria de nº 2.803, de 19 de novembro de 2013 , quando passou a incluir homens trans e travestis. Até então apenas mulheres trans estavam contempladas com os serviços gratuitos.
Mesmo com a possibilidade de realizar o procedimento no setor público, o cirurgião plástico Thiago Marra critica e aponta que são “poucas unidades que realizam o procedimento”.
“Além disso, existe uma quantidade muito pequena de profissionais treinados para este procedimento. Por isso que a nossa associação, a Abrapros (Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde) está a frente dessa luta, para que tenhamos mais graduações e mais serviços do SUS para realizar esses procedimentos”, afirma o especialista.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil tem apenas cinco centros de referência com atendimento ambulatorial e hospitalar habilitados para cirurgias de redesignação de gênero, que são os Hospitais das Clínicas de Porto Alegre (RS), o da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia, o da Universidade Federal de Pernambuco, no Recife, o da Universidade de São Paulo, na capital paulista, e o Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, na capital fluminense.
É possível também realizar a cirurgia em clínicas privadas, mas o médico salienta que são procedimentos muito caros: “A cirurgia de redesignação é muito complexa e são poucos os profissionais que a fazem. O preço médio pode chegar a R$ 70 mil. Outras cirurgias, como prótese de mama, feminização facial e rinoplastia, por exemplo, são mais acessíveis e giram em torno de R$ 12 mil a R$ 20 mil”.
Transfobia por parte dos profissionais de saúde
Além de todo o processo intenso psicológico, físico e financeiro, as mulheres trans que recorrem à cirurgia de redesignação de gênero ainda precisam enfrentar o despreparo e
transfobia
de profissionais de saúde que ainda se limitam em não realizar o procedimento.
Vale ressaltar que desde junho de 2019, a transexualidade não é mais considerada uma doença por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo a entidade, a transexualidade passou a ser definida como uma “incongruência de gênero” na categoria denominada “condições relativas à saúde sexual”.
“Existe muito preconceito por parte dos profissionais de saúde. As próprias pacientes chegam até mim com essa queixa, que têm muitos cirurgiões que não atendem e não gostam de atender pessoas trans, ou por questões ideológicas ou também por se tratar de procedimentos complexos, pois muitos cirurgiões desconhecem técnicas cirúrgicas para esses casos”, finaliza o médico Thiago Marra.
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