O artista Ian Pooka, 29, optou por fazer a mastectomia masculinizadora aos 27 anos. O procedimento consiste na retirada das mamas, bem como glândulas, gorduras e peles, para que peitoral se adeque ao tórax masculino. Para ele, a escolha já era algo pensado desde quando tinha começado a transição hormonal.
“Eu vivia numa cidade de praia e, fisicamente, estava num intermediário. Meu rosto já era reconhecido como masculino e, quando eu ia à praia, ficava estranho usar biquíni, mas eu também não sentia que poderia ficar sem camisa porque tinha os seios”, conta o artista.
Pooka achou que a mastectomia masculinizadora era uma necessidade para que ele pudesse se sentir mais à vontade em situações como essa. Ele, então, começou a se organizar: providenciar exames, guardar dinheiro e se preparar para fazer. Dois anos depois, ele diz que os resultados são ótimos. “Dá muitas facilidades”, explica.
O cirurgião plástico Alexandre Kataoka, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, já fez em torno de 50 procedimentos como esse nos últimos cinco anos. Ele explica que é uma alternativa para homens trans que querem se sentir mais confortáveis e em conformidade com sua identidade de gênero. “As vidas desses homens mudam muito depois da cirurgia. Eles ganham autoestima e aceitação social”, diz Kataoka.
“Um homem trans busca o reconhecimento de sua identidade, pois sente-se desconectado do seu corpo, da sua mente e de suas sensações. A cirurgia traz a reconstrução disso e o recoloca dentro de sua personalização”, explica a psicóloga Rosana Cibok, especialista em Psicologia Cognitivo-comportamental.
O médico explica que o procedimento é considerado de pequeno a médio porte e, na maioria dos casos, o paciente pode ser liberado no mesmo dia. Mesmo assim, preocupa tanto pessoas que estão pensando em realizar a cirurgia como familiares. “A minha mãe ficou preocupada. Não por ser uma mastectomia, mas porque é uma cirurgia. Eu tive que lidar com os ânimos da família e dos amigos que estavam mais apavorados do que eu”, afirma Pooka.
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Preparação e procedimento
Kataoka explica que, além dos exames pré-operatórios e de não haver restrições clínicas, como doenças crônicas e outros problemas de saúde, é fundamental que a pessoa tenha uma avaliação psicológica e psiquiátrica adequada. Isso é necessário para que seja comprovado que a pessoa está segura de sua decisão e apta psicologicamente para se submeter ao procedimento.
“Um profissional vai ajudar o paciente a se associar ao seu gênero, entender seus processos mentais e não se sentir um observador de sua própria vida, o que pode levar a despersonalização”, diz Cibok. Kataoka complementa que também é necessário que, antes da mastectomia, a pessoa tenha iniciado o tratamento hormonal para que não haja reposição das glândulas mamárias depois do procedimento.
O cirurgião explica que o procedimento é comumente realizado de duas formas. A primeira é a opção periareolar, ideal para seios pequenos porque remove as glândulas envolta da aréola e mamilo. A segunda e mais realizada é a mastectomia horizontal, em que a extração é feita abaixo da glândula. É a alternativa mais assertiva para mamas médias e grandes.
Segundo Kataoka, o paciente pode ser liberado no mesmo dia em casos comuns, mas recomenda-se que, depois do procedimento, a pessoa tenha licença de suas atividades por 15 dias e faça um repouso relativo; ou seja, evite fazer esforço físico, levantar peso ou abrir muito os braços.
Pooka conta que tudo correu bem em seu procedimento. Seus amigos e familiares esperavam que, quando a cirurgia acabasse, ele reagiria como se estivesse em um conto de fadas. Mas o artista conta que estava muito preocupado com os cuidados com a cicatrização para conseguir se animar.
“Demorou uns três ou quatro meses para conseguir ter essa sensação. Até então, eu não podia me exercitar, o que eu sempre fiz, e estava empenhado em cuidar da cicatriz, limpar bem, não me expor ao sol” explica. Como resultado, ele afirma não ter tido problemas como quelóide ou abertura de pontos. “Depois que eu relaxei que comecei a aproveitar muito o fato de ter feito uma mastectomia”, diz.
Custos
Atualmente, o custo médio de uma mastectomia masculinizadora é entre R$ 15 mil a R$ 30 mil. No entanto, o procedimento é coberto pelo Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto pelo Artigo 2 da Portaria nº 2.803 do Ministério da Saúde, que prevê “integralidade da atenção a transexuais e travestis , não restringindo ou centralizando a meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas”.
Kooka tem plano de saúde e afirmou que, mesmo assim, teve que pagar do próprio bolso alguns exames e o procedimento em si. Pelo SUS, a cirurgia, para ele, demoraria pelo menos dois anos.
O dilema da cicatriz
Algumas pessoas trans se preocupam com a cicatriz após a realização da mastectomia masculinizadora. De acordo com Kataoka, quanto maior for a mama, maior será a marca. “É importante que saibam que é uma troca do volume grande pela cicatriz e ter em mente que ela sempre vai estar lá”, explica o médico. No entanto, ele afirma ter recebido muitos retornos positivos da maioria de seus pacientes. “Eles acabam se sentindo tão bem que nem se importam com a cicatriz”, diz.
Pooka concorda e diz que, desde antes de fazer o procedimento, estava se acostumando com a ideia de ter uma cicatriz. “Pesquisei muito quais eram as possibilidades e as opções. No começo, eu tinha essa preocupação, mas, depois, entrei em um estado de aceitação”, explica, emendando que sua cicatriz ficou menor do que imaginava. “Hoje em dia, nem me incomoda mais”.