Ícone da cultura pop e criador de uma das maiores franquias de reality shows do mundo, a drag queen RuPaul acaba de lançar seu mais novo livro. Em "A Casa dos Significados Ocultos", vendido no Brasil pela Intrínseca, o artista revisita momentos desafiadores de sua infância, reconhecendo como esse período turbulento foi crucial para a formação do artista, do produtor e da potência do entretenimento que é hoje.
O iG Queer teve acesso à obra e traz algumas passagens marcantes. Em uma das confissões, RuPaul revela sua primeira experiência de homofobia, o que ocorreu em tenra idade, aos 5 anos.
“Eu estava com outras crianças quando uma delas me chamou de ‘bichinha’ pela primeira vez. O que aquilo significava? Embora não soubesse ao certo, tinha noção de que era uma acusação da qual precisava me defender.”
Em outro trecho sobre sua sexualidade, RuPaul reflete que “a maioria das pessoas queer compartilha a experiência de crescer se sentindo pelo menos um pouquinho diferente.”
Ele continua: “Mas eu era muito diferente, tanto que não passava despercebido por ninguém. Desde muito cedo, era visto na vizinhança como a bichinha, a ponto de nem sequer poder fingir ser como os outros garotos. Nunca funcionaria.”
O apresentador também conta na obra que parte do que influenciou a criação de sua drag veio da televisão. “A TV era uma janela para algo maior, um portal para novos mundos.”
Em um trecho, ele é específico ao citar a comediante Edie Adams (1927-2008), em um comercial de cigarros.
“O penteado tinha formato de capacete, e ela usava batom e um delineado longo que quase chega às têmporas. Eu queria ser exatamente como ela: uma pessoa deslumbrante, me sentir no controle, me apresentar para um público extasiado. E, quem sabe, feminino, o centro das atenções de um homem. Mas, na época, eu ainda não tinha palavras para descrever nada disso.”
Em outro momento, o artista reflete sobre a encenação televisiva e faz um comparativo à vida real: “Tínhamos ciência de que aquelas pessoas eram atores e atrizes interpretando papéis, porque o nome delas aparecia nos créditos. No mundo real, as pessoas encenavam seus respectivos papéis também, mas ninguém falava sobre isso.”
Relação conturbada com os pais
Um ponto da vida privada do apresentador que é muito falado no livro é a relação com sua mãe, por quem ele tinha profunda admiração, mas ao mesmo tempo medo pelo temperamento rígido dela.
“Minha mãe foi uma mulher muito séria”, inicia RuPaul em um trecho. “Era conhecida no bairro como a Malvada Senhora Charles. O nome dela era Ernestine, em homenagem à própria mãe.”
“Acho que minha mãe soube que eu era gay desde muito cedo, mas nunca me senti julgado por ela”, revela. “‘Eu é que pago minhas contas, então ninguém tem nada a ver com a minha vida’", cita a drag uma frase que Ernestine costumava dizer. O artista também atribui à mãe sua habilidade de ser “independente” e “autossuficiente”.
“Aprendi a inestimável habilidade de ficar bem sozinho, de conseguir concluir uma tarefa sem precisar da ajuda de ninguém [...] No entanto, mesmo protegida por sua armadura intransponível, eu sabia que a depressão às vezes conseguia ser mais forte que ela [a mãe].”
Sobre o pai, com quem a drag também teve uma relação conflituosa, RuPaul revela que herdou “o palco”. “A verdade era que ele gostava da atenção das mulheres. Mesmo em situações ensaiadas, o foco era sempre mulheres, nunca eu. Era como se ele não soubesse ao certo como lidar comigo”, acrescenta a queen, revelando uma mágoa.
“Sempre me senti distante de meu pai. Fisicamente, eu era uma réplica dele — um espelho que ele não suportava encarar por muito tempo”. Também há passagens no livro em que o apresentador descreve o relacionamento abusivo que seus pais tinham.
“Meu pai era egoísta e infiel, mas era sempre minha mãe quem passava dos limites [...] Nunca vi minha mãe machucada. Talvez uma única vez, quando ela apareceu com um hematoma no braço, bem onde meu pai a segurava.”
Quem é RuPaul?
RuPaul Charles é vencedor do Tony Award e produtor-executivo de uma das maiores franquias de televisão do mundo, "RuPaul’s Drag Race" , 12 vezes premiada com o Primetime Emmy Award.
Nascido em San Diego (EUA), RuPaul alcançou fama internacional com a música “Supermodel (You Better Work)”, lançada em 1993 em seu álbum de estreia. A drag já compôs e gravou 19 álbuns de estúdio até o momento.
Ele já apareceu em mais de 50 filmes e programas de televisão. Como autor, publicou três livros: "GuRu"; "Arrase!"; e "Lettin It All Hang Out: An Autobiography".
SERVIÇO
Tradução: Helen Pandolfi
Páginas: 288
Editora: Intrínseca
Livro impresso: R$ 59,90
E-book: R$ 39,90
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