A mulher foi identificada como Jaqueline Santos Ludovico
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A mulher foi identificada como Jaqueline Santos Ludovico

Um caso de homofobia contra dois jovens em uma padaria no bairro de Santa Cecília, no Centro de São Paulo , ocorrido no último sábado (3), ganhou destaque nas redes sociais devido as ofensas e as agressões físicas, — realizadas por uma mulher identificada como Jaqueline Santos Ludovico, — que deixaram uma das vítimas, o jornalista Rafael Gonzaga, com o nariz sangrando.

Segundo ele, mesmo com sinais claros de agressão e a permanência da agressora no local, os agentes da Polícia Militar (PM) se recusaram a realizar o flagrante.

Ao iG Queer , Rafael conta que a polícia chegou ao local apenas após cinco ligações — quatro dele e uma quinta de outra pessoa que estava no estabelecimento.

“Quando a polícia chegou, a agressora já estava do lado de fora da padaria, e continuava nos ameaçando. Ela dizia que quando nós saíssemos de dentro da padaria ela nos agrediria de novo.”

“A polícia chegou e foi conversando com ela, calmamente, e isso começou a durar mais tempo do que seria o razoável, levando em conta que ela era a agressora. Daí eu fui até a porta [da padaria] e sinalizei: ‘Olha, eu sou a vítima! Eu tô ligando pra vocês, eu estou com o nariz sangrando. Por que ninguém veio falar comigo até agora?’”

Rafael explica que, em seguida, um policial foi até ele e informou que “primeiro falaremos com ela, e depois falaremos com você”. “Aí eles falarm com ela, colheram o depoimento dela, e a liberaram. Ela foi embora pra casa e aí eu perguntei o que iria vai acontecer.”

“Eles colheram o meu depoimento, me entregaram uma notificação de ocorrência e falaram: ‘agora você precisa ir até uma delegacia e fazer um boletim de ocorrência, mas eu não iria agora se fosse você porque ninguém vai atender você direito. Eles estão quase no horário de troca de plantão, e essas coisas você sabe como é’”, denuncia a vítima que afirma acreditar que o ato do policial tenha sido uma tentativa de desestimulá-lo a abrir o boletim de ocorrência contra a agressora.

O caso ocorreu dentro da Padaria Iracema, no bairro de Santa Cecília, no Centro de São Paulo
Reprodução/X
O caso ocorreu dentro da Padaria Iracema, no bairro de Santa Cecília, no Centro de São Paulo

Rafael ainda afirma que os agentes militares informaram que não levaram todos os envolvidos à delegacia porque eles “não podem dar flagrante”. A justificativa dos policiais, segundo a vítima, foi a de que “flagrante é só quando eles veem a violência acontecer".

Ao iG Queer , Amarilis Costa, advogada da vítima, define o caso como “extremamente estarrecedor” e critica a falta do flagrante delito.

“De acordo com a nossa legislação, o flagrante delito é entendido quando o agente é empreendido praticando o crime ou logo após tê-lo praticado, ainda se encontrando no local do delito com vestígios ou provas comunais que levem à sua autoria.”

Segundo ela, os agentes da PM deveriam ter configurado o flagrante, em razão das agressões e, fundamentalmente, devido ao crime de ódio cometido pela agressora.


“Existiram testemunhas, o probatório composto por imagens e, além de tudo, a materialidade porque as vítimas estavam feridas. Então é inconcebível que a autoridade policial não tenha lavrado o flagrante”, afirma Amarilis.

Para a advogada, foi crime de ódio motivado em razão da orientação sexual das vítimas e “isso precisa ser abordado no primeiro plano para que o combate de práticas similares seja feito exemplo.”

As autoridades policiais estão colhendo depoimentos das vítimas e da suspeita, segundo a advogada, que diz ainda que o caso deve ser tratado pela prática do crime de ódio, assim como pela omissão das autoridades.

“O flagrante delito não só poderia, como deveria, ter sido aplicado com a condução da agente que praticou o crime para o departamento policial e a atuação de prisão”, diz ela, complementando que o caso segue em investigação pela Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância).

Ministério Público no caso

Após a repercussão do caso, e o aparente descaso das autoridades públicas, a deputada federal Erika Hilton (Psol) e a ativista dos direitos humanos Amanda Paschoal entraram com representação no Grupo Especial de Combate ao Racismo e à Intolerância do Ministério Público de São Paulo, requerendo que o órgão assuma as investigações.

O deputado estadual Guilherme Cortez (Psol) também oficiou a Secretaria de Justiça e Cidadania do estado de São Paulo e a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual para que medidas imediatas sejam tomadas.

Em nota enviada ao iG Queer , a equipe da deputada federal informa que a representação “requer que o órgão assuma as investigações sobre o caso de violência homofóbica cometido por Jaqueline Santos Ludovico e a possível conivência do estabelecimento comercial, assim como a negligência da Polícia Militar do estado de São Paulo, que só se dirigiu ao local após quatro acionamentos por telefone e, ao chegar, não encaminhou a agressora à delegacia, mesmo em flagrante.”

Guilherme, por sua vez, diz ser "inaceitável que atos de violência e discriminação como este continuem a ocorrer em nossa sociedade. A LGBTIfobia não será tolerada e deve ser combatida com rigor. A agressora deve ser responsabilizada pelos seus atos não apenas em busca de justiça para as vítimas, mas também para prevenir futuros casos de violência."


Em nota enviada ao iG Queer , a Secretaria da Segurança Pública (SSP) diz que o caso segue em investigação pela Decradi e que as vítimas já foram ouvidas e passaram por exame de corpo de delito. Quanto a suspeita de negligência policial, a SSP informa a que os policiais envolvidos no caso serão ouvidos para esclarecimentos.

Confira a nota na íntegra:

"As investigações do caso prosseguem pela Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais contra a Diversidade Sexual e de Gênero e outros Delitos de Intolerância (Decradi). As vítimas foram ouvidas e requisitado exame de corpo de delito. Os PMs que atenderam a ocorrência serão ouvidos pela autoridade policial, bem como a autora, que foi identificada. O setor de investigação analisa as gravações apresentadas e realiza diligências, visando identificar novas testemunhas, bem como obter demais evidências que auxiliem na elucidação dos fatos."

'Família tradicional brasileira'

Como é possível ver no vídeo, que foi registrado pela vítima, a agressora afirmou que "os valores estão sendo invertidos". Aos gritos, Jaqueline disse: “Eu sou de família tradicional e tenho educação, diferente dessa p*rra”, além de se referir às vítimas com termos homofóbicos, como “veados”.

A mulher chegou a atirar um cone contra os dois, e nas filmagens ainda é possível ouvi-lá dizer que arrancou sangue das vítimas: “Tirei sangue seu, foi pouco”. O vídeo pode ser conferido abaixo, as cenas podem gerar gatilhos:

O iG Queer entrou em contato com Jaqueline Santos Ludovico, mas até o fechamento desta matéria não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.

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