Drag queens são conhecidas por estarem em boates noturnas LGBTs e desempenharem papéis importantes neste espaços — seja o político, com suas expressões de arte que questionam o binarismo de gênero; ou o de entretenimento, com suas dublagens, “montações”, humor e alegria.
Por muito tempo, esses artistas foram atribuídos a noite e a espaços queer, mas um evento em São Paulo tem se empenhado a mudar esta premissa. Realizado pela drag queen Ikaro Kadoshi, o Drag Brunch Brasil oferece entretenimento drag nas tardes de finais de semana da capital paulista, com edições recheadas de nomes consolidados da cena e ingressos esgotados.
“A gente não inventou a roda”, disse Ikaro em entrevista ao iG Queer
em outubro deste ano. “A única coisa que a gente começou a fazer foi o que ninguém fazia aqui. A ideia surgiu quando eu e o Luan, meu empresário, fomos para os
Estados Unidos
e
Canadá
, fazer uma turnê na
América do Norte
. Eu fui contratada para fazer alguns Drag Brunchs e pensei: ‘Por que a gente não faz isso no Brasil, mas traduzido ao nosso jeito?'”
Ele continuou: “Quando a gente criou o primeiro já foi sold out [todos os ingressos vendidos], e desde então todas as edições foram sold out também. Desde julho não tem mais ingresso para o resto do ano; agora só em 2024. A gente abriu datas extras também e em uma semana deu sold out.”
Para Ikaro prestigiar o evento é “uma oportunidade para as pessoas que não teriam a chance de ir para uma boate, porque [muitas pessoas que vão] são senhoras que gostam da arte [drag]. Lá elas sentam, tomam uma mimosa ou um café, comem algumas coisas e assistem ao show de drag de dia, sentadas, de 12h às 16h30, e depois vão embora e não cansam.”
A experiência
O iG Queer teve a oportunidade de prestigiar o evento. Eu, Rafael Nascimento, editor de Portal iG , fui à edição de Halloween, que ocorreu em 29 de outubro. Ao chegar no evento, fui surpreendido com a possibilidade de também ter uma experiência drag, com a ação da equipe da Catharine Hill realizando makes temáticas. Eu já estava maquiado com inspirações de terror, mas resolvi incrementar o que tinha feito porque queria ter a experiência mais imersiva possível.
Chegando lá fui direcionado à mesa e logo o Ikaro apareceu cumprimentado a todos os presentes — algo pouco comum em eventos grandes, mas que logo chama a atenção e mostra a dedicação do artista com o público.
Um detalhe importante sobre a organização do espaço é que os valores dos ingressos variam conforme a mesa que cada um sentar. Quanto mais ao centro, onde as apresentações ocorrem, maior é o valor. É possível comprar a partir de dois lugares. Comidas e bebidas são à parte e animais de pequeno porte, pelo menos neste edição, foram permitidos — inclusive, no dia tinha um cãozinho muito fofo circulando entre o público.
Ikaro cumpre o papel de host do evento e desempenha a função com a maestria de quem tem uma carreira de mais de duas décadas. Como DJ estava a drag Sasha Zimmer, que também ajudou Ikaro a comandar a edição.
O line-up contou com apresentações das artistas Danny Cowlt; Hellena Borgys — a campeã da primeira temporada de “Caravana das Drags”, reality show do Prime Video apresentado por Ikaro e Xuxa Meneghel ; Lysa Bombom; Alexia Twister; Mahina Starlight, Thelores e Antara Gold. Slovakia e Morgante — que também participaram do “Caravana das Drags” — comporam o restante do elenco.
Todas as performances foram inspiradas no universo do horror, em fidelidade ao tema da edição. Foi uma tarde de muita alegria, mas também de emoção. Foi possível perceber a gratidão dos artistas em ter um espaço diferenciado para trabalharem, além das boates, e exibirem suas artes. Todas se mostravam gratas e tinham tempo para dar um depoimento ao final de seus shows.
Uma das declarações mais emocionadas foi a de Alexia, amiga de longa data de Ikaro, que lembrou a generosidade da artista durante os anos, além de recordar que de início ambas não se deram muito bem (momento de muita risada da plateia).
Sobre as apresentações, uma que me marcou foi a da Mahina. A drag host da Casa Fluida, um dos espaços LGBTs mais importantes de São Paulo, selecionou uma música evangélica para performar, o que funcionou quase como um protesto contra a repressão que LGBTs vivem por parte de pessoas religiosas intolerantes. Com muita dramaticidade, a drag fez a plateia sentir cada palavra da música, enquanto andava pelo espaço com uma fantasia de monstro.
Thelores foi outro show à parte. A drag fez uma contação em três atos de uma história de terror, um dos ápices da tarde. Ela demonstrou domínio da arte de narrar um conto, deixando o suspense no ar a cada intervalo para o próximo ato, além de combinar o terror com muito humor.
Outro ponto que é importante salientar é que Sasha Zimmer, a DJ, também fez apresentações e abriu a tarde de atrações. Um dos pontos altos foi quando ela chamou duas crianças e uma senhora para “baterem cabelo” — uma clara demonstração de que drag é para todes, independemente da idade e do gênero.
Mais um momento que ficou guardado na minha mente foi quando Ikaro relatou que ouve, com certa frequência, relatos de mulheres que dizem gostar de frequentar o evento porque “se sentem seguras”, algo forte e importante ao mesmo tempo; e de fato, a maior parte do público era composto por mulheres.
Na conversa que Ikaro teve com o iG Queer neste ano, ele revelou o desejo de expandir o evento para outros estados brasileiros. “Queremos expandir para outras capitais e outros lugares [...] “A confiança no projeto é tão grande que as pessoas compram sem saber quem vai fazer show, e a gente solta o line-up sempre 15 dias antes. Tem sido incrível.”
De fato é realmente incrível e é super recomendado — e aqui expresso uma opinião de quem teve a oportunidade de conferir o evento de perto. As datas de 2024 ainda não saíram, mas eu mal posso esperar para viver essa experiência mais uma vez!
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