Tati Villela e Mariana Nunes
Charles Pereira

Tati Villela e Mariana Nunes

A partir de uma livre inspiração nos textos ‘’Vivendo de amor’’, de bell hooks, o espetáculo " Amor e outras Revoluções " aborda as vivências de um casal de mulheres negras, que estão de casamento marcado.

Tati Villela, a autora da peça, entra em cena dando vida a Aynah, parceira de Luzia, que é interpretada por Mariana Nunes.

Tati esteve na novela "Vai na Fé", no papel de Naira, e Mariana Nunes em "Todas as Flores", como Judite.

Fora das telas, o relacionamento das duas se tornou assunto da mídia no início deste ano. Agora, no teatro, elas dão vida a um casal lésbico. 

Na montagem, Aynah e Luzia estão com dúvidas sobre se prosseguem com o casamento ou não. Uma viagem em suas próprias histórias ocupa o centro da cena e as fazem iniciar suas verdadeiras revoluções a respeito do amor e da falta dele.


Aynah é uma jovem adulta moradora da periferia do Rio, que, após ser promovida a um cargo de chefia em seu trabalho, está refletindo cada vez mais sobre a sua vida.

Ela é apaixonada por sua companheira, Luzia, recém-doutora em Ciências Sociais e Políticas Públicas, com passagem por grandes universidades, como Harvard, mas desempregada atualmente.

Juntas, as duas vivem um momento de reflexões e descobertas sobre a presença e a ausência do amor em suas vidas, e entram em dúvida sobre irem adiante ou não com o matrimônio.

O iG Queer conversou com Tati Villela para saber mais sobre o processo, importância e necessidade da peça; confira a entrevista na íntegra: 

Tati Villela
Charles Pereira
Tati Villela

iG QueerQuando surgiu o desejo da criação da peça? 

Tati Villela — O desejo surgiu devido à necessidade de se ter algo onde o amor fosse o ponto central. E as perspectivas viessem de um lugar que habitasse o imaginário de uma escritora negra.

O desejo de trazer uma dramaturgia viva, contemporânea e que apontasse para esferas verdadeiras de percepções e perspectivas acerca do amor, dos sonhos desse recorte, além de poder contar com a magia do teatro.

“Amor e outras Revoluções” surgiu no trabalho de final de semestre do curso de dramaturgia da SP Escola de Teatro 2020, onde fui instigada e provocada a escrever algo novo, algo que passasse pelas minhas verdades mais ocultas e algo que eu mesma achava importante.

Escrever sobre o amor permeia a minha escrita há algum tempo. Sempre soube que isso movimenta as estruturas sociais. A capacidade de amar e a falta disso é um dos pilares que movem, constroem e destroem a sociedade. O amor movimenta.

Esse foi o desejo inicial do texto e posteriormente eu mostrei o texto para Mariana Nunes que na época também estava fazendo suas pesquisas sobre bell hooks e vimos que tínhamos muito para trocar não só entre nós, mas também com a sociedade. Nos conectamos e decidimos montar o espetáculo.

iG Queer  — Qual a importância da criação de montagens que celebram os corpos negros, a relação entre eles e ainda o amor entre mulheres? 

Tati Villela — O tema central da peça é o amor, o conhecimento dele e a falta do mesmo. Como que a relação com o amor constrói diferentes pessoas e como ele afeta a todas independentemente de onde está.

A importância de montagens que celebram corpos negros está na narrativa. Na importância de se criar narrativas para além do que é noticiado todos os dias. No teatro, histórias com narrativas negras têm a possibilidade de existir de forma real.

Histórias com perspectivas negras enriquecem e respeitam a subjetividade das narrativas dos indivíduos que se veem refletidos naquela obra. Mais do que celebrar importância é respeitar a individualidade do ser. Respeitar sua cultura, seu modo de viver a vida.

Entender que esse indivíduo pode contar histórias plurais e novos imaginários. Digo novos porque não são constantemente televisionados os afetos de pessoas negras.

Tati Villela e Mariana Nunes
Charles Pereira
Tati Villela e Mariana Nunes

Esses corpos dificilmente são relacionados com o amor. Estão sempre num lugar de embate. Essa peça é para celebrar o amor e a partir da perspectiva negra. Você gera imagem, a pessoa se vê nela, se reconhece, se afirma, se empodera, se enxerga e se vê merecedor de todas aquelas possibilidades.

A nossa peça produz sonhos possíveis de serem realizados por uma camada da sociedade que sofre com discriminação. A peça é interseccional. Existe um grande déficit na produção artística da história. Não se há produções como essas, onde o amor está no centro da cena dito por duas mulheres negras.

iG Queer  — Escassas, estas histórias ainda são feitas com sexualização ou sem abarcar toda a subjetividade e identidade que uma pessoa negra carrega consigo, sobretudo mulheres negras e lésbicas. O que a peça traz de diferente nesse sentido? 

Tati Villela  — Primeiramente a peça traz essa narrativa, ela traz o amor a partir de um casal de mulheres que se amam. A história é sobre o amor, a dificuldade e facilidades quando a entrega é de verdade. Mas quem consegue se entregar de verdade e quando? São questionamentos.

Uma peça é uma obra que aborda temas sociais dissociados nas narrativas, trazendo histórias de personagens que se comunicam com todo tipo de público e sendo atemporal. O inovador é que é mais uma história sobre o amor, porém de um outro ponto de vista. É bom ver o público diverso se reconhecendo e se conectando com ela.

Hoje no Brasil estamos vivendo uma situação crítica em relação aos direitos das pessoas LGBTQIAP+  em que um grupo de políticos quer proibir o casamento homoafetivo. Um grupo que passa por cima da Constituição, coloca um Deus falso na frente de tudo para manter seus privilégios. 


O amor precisa estar nos poros e nas rachaduras da cidade, abrindo espaço para o respeito e a dignidade de se ser quem quiser ser e amar a quem quiser amar, construir famílias e se constituir do modo onde você seja feliz sem infringir a vida de outro.

Tati Villela e Mariana Nunes
Charles Pereira
Tati Villela e Mariana Nunes

iG Queer — A oportunidade de pôr o romance entre duas pessoas negras do gênero feminino como tema central do trabalho, tendo em vista a falta de amor experienciada por esse recorte, também é uma demanda que você sente necessidade de preencher em sua própria vida?

Tati Villela — A necessidade é de mudar as estatísticas do IBGE onde a cada ano o número de mulheres negras que se casam só despenca enquanto o de mulheres brancas aumenta. Ou seja, mulheres negras são as que menos se casam, constituem famílias, são a maioria das mães solo e as que menos têm esse contato com o amor, com o afeto.  

O teatro tem o poder de nos fazer refletir sobre a vida e gerar mudanças. A meta aqui é falar sobre o amor e vê-lo como algo que pode transformar e revolucionar a nossa sociedade.

iG Queer  — O espetáculo ganha qual formato? E como as apresentações estão sendo direcionadas? 

Tati Villela  — Esse espetáculo traz um formato híbrido. Tem audiovisual, projeção, música orgânica, mapping e performance que, junto com uma escrita lúdica, metafórica, contemporânea e poética, levam o público para vários lugares e tempos de suas vidas.


A estética marca a contemporaneidade com toques ancestrais. Tudo é uma ressignificação do amar. Para o público é uma viagem sensorial porque ele pode se ver em muito do que está sendo dito.

Tem uma atmosfera que pode ser sentida e há quem diga que dá até para sentir o gosto de momentos em que já esteve amando. As pessoas costumam dizer que foi posta uma câmera escondida em suas casas, ao assistirem ao espetáculo. Ele comunica muito com o cotidiano. 

Tati Villela e Mariana Nunes
Charles Pereira
Tati Villela e Mariana Nunes

O espetáculo precisa voar. Muitos pedidos de várias partes do Brasil para assistirem. Estamos entendendo a importância e necessidade deste trabalho e nosso desejo é que ele seja visto cada vez por um maior número de pessoas que queiram refletir sobre o amor e revolucionar suas vidas.

iG Queer  — Inspirado nos textos “Vivendo de amor’’, de bell hooks, quem for ao espetáculo precisa ter conhecimento da obra ou os textos são traduzidos para uma realidade já pertinente da população negra quando o assunto é o amor? 

Tati Villela  — O teatro é uma arte completa por si só. Nossa peça traz inúmeros elementos além do texto, música e performance. Até mesmo os silêncios são carregados de significados profundos. Você não precisa ter lido bell hooks para entender a peça. “Amor e outras Revoluções” é uma experiência que se concretiza de diferentes formas em cada uma das pessoas que a assistem.

iG Queer — Enquanto namoradas, a peça também ganha um tom íntimo e inquietações próprias das atrizes por estarem em um relacionamento lésbico? Qual a linha tênue entre a ficção e a realidade? 

Não temos inquietações por estarmos em um relacionamento lésbico. No palco e durante o processo, nossa relação se torna cada vez mais profissional.

Apesar de namoradas, são as nossas atrizes que se relacionam durante a peça. É um outro tipo de intimidade que não vem pronta pelo fato de já nos conhecermos. É uma intimidade cênica em constante construção.

Mariana Nunes
Charles Pereira
Mariana Nunes

iG Queer O espetáculo traz o subúrbio carioca como um dos principais ambiente de suas cenas, com o objetivo de mostrar que amor também faz parte das vivências periféricas. A escolha do cenário foi feita para atenuar uma realidade da população negra e mostrar que há beleza e amor também nesses territórios? 

Tati Villela  — Não queremos atenuar a realidade da população negra. Muito pelo contrário. Queremos ampliar a visão viciada que temos da população negra. Acho que essa peça traz a riqueza de vivências e a pluralidade das formas de amor que também existem nas periferias e subúrbios.

Atualmente, o teatro encerrou as apresentações no Teatro Municipal Ruth de Souza, no Rio, mas pode retornar com outra temporada. Para saber mais sobre as novas apresentações e/ou datas, acompanhe o perfil da montagem no Instagram ( @amoreoutrasrevolucoes ). 

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