A peça "The Boys in the Band — Os Garotos da Banda", que fez sucesso em 1968 na off-Broadway, e posteriormente na Broadway, ao retratar de maneira naturalizada a vida gay em Nova York , acaba de ganhar uma nova adaptação no Brasil. A nova montagem, dirigida por Ricardo Grasson, estreia nesta terça-feira (31) no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo.
O espetáculo teve sua primeira montagem nacional em 1970. Com a tradução de Millôr Fernandes e direção de Maurice Vaneau, a peça foi intitulada de “Os Rapazes da Banda”, e tinha no elenco nomes como Walmor Chagas, Otávio Augusto, Benedito Corsi, Denis Carvalho, Roberto Maya, Bene Silva, John Herbert, Paulo Adário e Paulo César Pereio. À época, foi produzida pelo casal heterossexual Eva Wilma e John Herbert e encenada no Teatro Cacilda Becker.
Agora, 53 anos depois, o texto original de Mart Crowley ganha mais uma versão brasileira, com um elenco e equipe técnica majoritariamente LGBTQIAP+ . Em entrevista exclusiva ao iG Queer , Ricardo Grasson, o diretor da peça, Heitor Garcia, o assistente de direção, e o ator Mateus Ribeiro — que dá vida ao Michael — compartilham insights sobre a montagem do espetáculo e a importância da representatividade e o resgate LGBT+ no teatro.
O processo da montagem
O diretor, já indicado ao Prêmio Bibi Ferreira na categoria Melhor Direção em Musicais por “O Bem Amado Musicado”, revela que o convite para dirigir a peça veio da produtora Zuza Ribeiro, e de Caio Evangelista, que assina a versão brasileira do texto e também atua na peça como o Larry. Ricardo Grasson conta que foi despertado no meio da noite com a proposta e, após uma breve pesquisa, aceitou o convite.
Sobre o processo de montagem da peça, Ricardo explica que não houve tempo para testes abertos. Ele teve apenas uma semana para se preparar e convidar atores que sabia que abraçariam os personagens com alma. “O resultado foi cinco semanas de trabalho intenso e prazeroso.”
Heitor Garcia, assistente de direção da peça, menciona ainda que as produções teatrais são rápidas hoje em dia. O convite para a peça chegou no dia 5 de setembro, e o primeiro encontro foi em cerca de cinco dias depois. “Tivemos um trabalho de leitura de mesa [consiste em apenas ler o texto da obra] que durou em média duas semanas e meia. Comemorei 30 anos na sala de ensaio”, destaca.
No processo, o elenco escolhido foi:
- Bruno Narchi — Harold
- Caio Evangelista — Larry
- Caio Paduan — Alan
- Heber Gutierrez — Emory
- Júlio Oliveira — Cowboy
- Leonardo Miggiorin — Donald
- Mateus Ribeiro — Michael
- Tiago Barbosa — Bernard
- Otávio Martins — Hank
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“Ele parece que veio na hora certa”, diz o ator Mateus Ribeiro sobre seu personagem na peça. “Eu estava jogando para o universo alguns desejos meus, e eles se condensaram nesse espetáculo. Fiquei muito feliz por poder contar essa história ao lado de uma equipe tão incrível.”
O ator, que já interpretou personagens variados no teatro, desde Chaves a Bob Esponja, agora está enfrentando um papel mais dramático. Ele descreve o processo como desafiador, mas enriquecedor.
“Dar vida a um papel é sempre desafiador. Eu tento encarar todo personagem com a mesma responsabilidade e importância. O Michael realmente tem camadas que eu ainda não havia explorado e mostrado ao público, então tem sido um processo muito rico.”
O artista acrescenta que “entender as camadas desse personagem, de onde vem toda a agressividade e cinismo dele, como as inseguranças e a fachada que ele constrói reverberam na maneira dele se portar”, foram os aspectos mais desafiadores na interpretação.
“O bonito dessa peça é isso. As camadas que trazemos por de trás do texto, as relações e como elas reverberam nos olhares e na própria maneira de se relacionar”, acrescenta.
Resgate e representatividade LGBT+
Heitor Garcia, o assistente de direção do espetáculo, diz que um de seus sonhos era estar envolvido em um espetáculo com temática voltada à comunidade LGBTQIAP+, e que a história desse grupo sempre precisa ser revisitada.
“Nos últimos tempos tivemos lindas obras em cartaz com a mesma temática e a nossa história sempre precisa ser revisitada”, afirma. “ A Herança ” e “Tom na Fazenda” são exemplos de peças com a temática queer que tiveram destaque nos últimos tempos.
Em relação à representatividade, o diretor Ricardo Grasson confirma que todos os atores são LGBTQIAP+, exceto o heterossexual Caio Paduan, que interpreta um personagem da mesma sexualidade. A equipe técnica também é majoritariamente formada por mulheres e pessoas LGBTQIAP+. “Acho digno”, brinca o diretor.
“Em muitos aspectos sinto que ainda estamos nos anos 1960, que não avançamos como sociedade e principalmente como seres pensantes” completa Ricardo quando questionado sobre o debate LGBTQIAP+ que a peça visa suscitar.
Além disso, o diretor enfatiza que a luta contra a LGBTfobia nunca termina. Tanto Ricardo quanto Heitor mencionam o projeto de lei que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo gênero , destacando a necessidade de as pessoas estarem unidas contra os retrocessos.
Ricardo ainda pontua a importância fundamental de falar, contar e refletir sobre a comunidade LGBTQIAP+, especialmente para a juventude, para que essa geração saiba que a luta de seus antecessores não foi fácil: “Muitos lutaram e foram humilhados, maltratados e tiveram suas existências negadas para que hoje possamos ter um pouco de dignidade.”
Já o ator Mateus Ribeiro afirma que ter uma equipe 99% queer é primordial, tanto por uma questão de representatividade como também pela vivência. “Temos conversas muito grandiosas durante os ensaios sobre experiências de cada um, e debatemos bastante sobre os temas que a peça aborda.”
Heitor corrobora com o colega de profissão e defende a ideia de que é necessário construir pontes por meio do diálogo, ações práticas e arte. Ele acredita que quanto mais se discutem as questões urgentes da comunidade LGBTQIAP+, mais perto se chega de uma sociedade empática e igualitária.
“Trazer pautas da comunidade para dentro de um teatro, considerado um teatro para a família, me resgata um lugar de ocupar lugares que também nos pertencem”, diz.
O que esperar da versão brasileira
A peça gira em torno de um grupo de homens gays que se reúnem para uma festa de aniversário em Nova York. A história se passa em um apartamento. Michael, um homem gay de 30 anos e bem-sucedido, convida vários de seus amigos homossexuais para o apartamento dele para a festa de aniversário de Harold.
O grupo inclui Donald, o amante atual de Michael; Emory, um gay efeminado; Hank, que já foi casado e pai de dois filhos, mas agora vive com Larry; Bernard, um homem gay negro; e Cowboy, um garoto de programa que é o presente de aniversário de Emory para Harold.
O amigo da faculdade de Michael, Alan, que é casado e hostil aos homossexuais, aparece inesperadamente na festa. A ação da peça culmina em um jogo que Michael cria durante a celebração que se desdobra em outras situações.
O diretor esclarece que foi decidido manter o texto original da peça da década de 1960, pré-Stonewall e pré-Aids , para refletir sobre as conquistas e desafios da comunidade LGBTQIAP+ ao longo dos anos.
“O texto retrata uma época e o melhor a fazer foi mantê-lo no seu recorte para que possamos entender e refletir todas as nossas conquistas e também refletir e entender o que não mudou, o quanto temos ainda que lutar e conquistar”, diz.
O assistente de direção defende a posição do diretor, argumentando que eles não estão interessados em atualizar a história ou mudar seu contexto. O que realmente importa é provocar uma discussão temporal e refletir sobre os impactos na vida e na sociedade contemporânea.
Contudo, embora o texto não tenha sido atualizado, as atuações receberam o “tempero” do Brasil. “A montagem brasileira traz a nossa força, nosso calor. Nosso elenco é primoroso, rico de personalidade, técnica e sensibilidade, temos trocas e momentos inesquecíveis que nos fortalecem todos os dias, sou apaixonado pelo artista de cada um deles, é lindo de ver”, diz Heitor.
Ricardo espera transportar o público para a atmosfera do final dos anos 1960, e quer que as pessoas se divirtam, riam, cantem e sonhem junto com os personagens da peça.
“Embarquem nesta história de amizade, cumplicidade, amor. Um grupo de amigos vivendo em uma sociedade heteronormativa, patriarcal, cheia de preconceitos, mas que quando estavam juntos, a sua maneira, do jeito que podiam, eram felizes.”
Mateus conclui: “Acredito que queremos ser um espelho do que como sociedade podemos ter evoluído e do quanto ainda precisamos evoluir. Então se a plateia sair se questionando sobre que tipo de atitudes reproduzimos, e como elas podem ferir outras pessoas, acho que fizemos um bom trabalho. É uma peça que mexe no nosso íntimo, e esse lugar nem sempre é cômodo.”
SERVIÇO
The Boys in the Band — Os Garotos da Banda
Estreia:
31 de outubro
Onde:
Teatro Procópio Ferreira — Rua Augusta, 2.823 – Cerqueira César - São Paulo
Quando:
Terças e quartas-feiras às 21h
Ingressos:
R$ 120 a R$ 60; via Sympla — compre aqui
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