O ator Bruno Fagundes, 33, falou com exclusividade ao iG Queer.
Reprodução/Instagram.
O ator Bruno Fagundes, 33, falou com exclusividade ao iG Queer.

Bruno Fagundes tem 33 anos e uma vasta carreira de ator que envolve múltiplas plataformas como o teatro, a televisão, o streaming e o cinema. Ele, que também é músico e produtor, viu seu nome estampar diversas notícias nos últimos dias, mas o motivo não foi a sua carreira já vitoriosa, mas sim o relacionamento com o também ator Igor Fernandez, de 26 anos.

“Nós nos conhecemos em 2022, por meio de um trabalho que durou quase o ano inteiro. Ele foi, imediatamente, uma das primeiras pessoas que eu fiquei amigo, e começamos a nos ver regularmente, como amigos. Depois da metade do ano, começamos a ficar e tudo aconteceu de forma simples e natural. Absolutamente sem nenhum problema, não envolvia nenhuma outra questão a não ser a vontade de estar perto”, afirma o ator em uma entrevista exclusiva ao iG Queer .

O namoro dos artistas veio a público no início de janeiro deste ano, por meio das redes sociais, o que Bruno revela não ter sido premeditado.

“Não arquitetamos nada do que aconteceu. Passamos a virada do Ano Novo juntos, ele postou uma foto e eu repostei. Acabou. Não teve nenhuma estratégia, nenhuma intenção maior”, comenta o ator que contou que a ideia de falar abertamente sobre sua sexualidade já era um desejo, mas que “envolvia muitas questões”.

“Eu sempre tive uma vida pública e, antes, na minha pré-adolescência, não era nem por uma questão de escolha, era só pelo fato de eu ser filho de pais famosos”, responde Bruno que é filho do veterano Antônio Fagundes e da atriz Mara Carvalho. “Isso obviamente mudou meu comportamento e moldou minha forma de agir”, diz.

Bruno Fagundes e Igor Fernandez revelaram o namoro ao postarem foto juntos no Instagram.
Reprodução/Instagram
Bruno Fagundes e Igor Fernandez revelaram o namoro ao postarem foto juntos no Instagram.


Aconselhado a não falar sobre sua sexualidade


Bruno relembra que durante sua pré-adolescência , nos anos 2000, era praticamente impensável falar abertamente sobre sexualidade, sobretudo quando se é filho de pais atores “que trabalharam em uma indústria que durante muito tempo alimentou estereótipos, especialmente, sobre masculinidade”.

“Todas essas questões me moldaram um pouco a não falar sobre minha orientação sexual por muito tempo. Eu fui muito aconselhado a minha vida inteira a não falar, e eu entendo hoje que isso se deu por uma questão estrutural. As pessoas que me deram esses conselhos estavam agindo de acordo com a estrutura social, e não necessariamente com a forma como elas pensavam. Mas, obviamente, isso tudo me oprimia, e me deixava morrendo de medo”, lembra o ator, que acrescenta: “Eu ouvi a vida inteira que nada daria certo, especialmente nesta carreira, se eu falasse abertamente sobre ser um homem gay”.

O artista diz ainda que acredita que houve uma reação exagerada do público em relação ao seu namoro com Igor, mas que, de certa forma, ele esperava toda essa atenção. “Eu acho que tem uma homofobia velada por parte das pessoas. Ser um casal gay público com certeza desperta essa homofobia velada das pessoas”, conclui.

Ele também atribui à reação pública um contexto maior, especialmente pelo fato dele ser filho de um homem que durante muitos anos, por meio do trabalho, virou de certa forma a representação do homem hétero ideal no imaginário coletivo. 

“Dentro dessa lógica torta, absolutamente fantasiosa e machista, o homem hétero ideal tem que gerir um filho tal qual suas características, principalmente o filho que segue a mesma a profissão. Então, a minha sexualidade gera espanto nas pessoas”, disserta Fagundes, que complementa ter recebido ataques nas redes sociais após falar abertamente sobre sua sexualidade.

“Eu só posso lamentar que isso ainda gera violência. Demorou um pouco, mas vieram ataques nas minhas redes”, adiciona.


Autodescoberta como pessoa LGBT+


Para muitos LGBT+ um dos momentos mais difíceis da vida é falar sobre a sexualidade ou identidade de gênero à família, em um país extremamente violento e LGBTfóbico como o Brasil , que lidera o ranking de países que mais matam pessoas queer em todo o mundo.

Embora cercado de privilégios, Bruno também sentiu receio no momento em que decidiu contar aos pais que havia se descoberto como um homem gay cis, o que ocorreu aos 15 anos.

“Nunca é fácil, né? Ainda mais nessa sociedade em que a gente vive, com questões estruturantes que são muito opressoras. Tem sempre uma caminhada que todo mundo tem que fazer; eu individualmente, meu pai, minha mãe, e quem mais tiver na minha família que fez parte desse momento. É uma caminhada em que é preciso rever as projeções e reconfigurar, de certa forma, a pessoa que está na sua frente”, diz.

Bruno conta que “depois que o impacto inicial passou”, seus pais se mostraram verdadeiros aliados.

“Eles sempre me deram muito amor e eu sei que isso é uma sorte tremenda. Com o tempo, percebi que nada mudou, teve sim esse processo de adaptação, mas só há dois caminhos: adaptar ou ruir. Felizmente não escolhemos pela ruína e sim pelo amor. Só nos aproximamos mais”, revela o ator que se diz feliz por se tornar uma espécie de “agente de transformação para outras pessoas”.

“Se um homem que foi a representação do homem hétero, do macho alfa, durante muito tempo no imaginário das pessoas, apoia um filho LGBT+ e é aliado da causa, por que outros pais também não podem ser? Acho que existe uma função social nesse momento, que de certa forma me sinto bem em fazer parte”, lembra Bruno.

Fagundes ainda relembra quando estudou em um colégio conservador - fato que ele afirma ter o oprimido e dificultado que pudesse falar sobre sua sexualidade de forma mais aberta ao público. Essa repressão, contudo, virou motor anos mais tarde para que ele explorasse melhor seu lado artístico.

“Eu estudei em um colégio extremamente conservador o que me fez ser muito isolado e excluído na época de escola. Eu desenvolvi uma timidez absurda, não conseguia falar com as pessoas, e essa foi uma das razões pelas quais eu decidi fazer teatro. Eu já sabia que eu queria ser artista”, comenta.

O ator conta também que se sentia muito exposto, uma vez que 
“chegava ao colégio e as pessoas sabiam quem eu era, mas eu não sabia quem era ninguém”. Ele afirma que essa situação o deixava apavorado.

“Eu sentia que os olhos estavam todos sempre voltados para mim de uma forma um pouco exagerada porque meu pai sempre foi muito famoso”, diz ele, que acrescenta que se descobrir LGBT+ também dificultou sua interação social durante o período da pré-adolescência.

“Eu também já sabia que minha sexualidade não era a esperada pelas pessoas e isso também me tornava mais introspectivo. Mas eu sempre fui muito investigativo com relação à minha vida e às minhas vontades. Não sou uma pessoa que opera no medo, eu simplesmente vou e tenho uma honestidade muito grande comigo mesmo. Então, nunca fugi dessa questão. Me entendi plenamente como homem gay muito cedo, e falei para minha família muito cedo”, afirma.

Comparações com o pai


Ser filho de uma das grandes lendas da dramaturgia brasileira e decidir seguir pela mesma carreira do pai pode parecer amedrontador para muitos atores, mas Bruno decidiu encarar esse desafio. Com a carreira consolidada, ele avalia que já chegou em um patamar em que as pessoas conseguem diferenciar seu trabalho do seu pai.

“Eu acho que eu já cheguei nesse lugar onde as pessoas nos veem como duas pessoas diferentes e com trajetórias diferentes. Eu fiz trabalhos que meu pai não faria, ele fez trabalhos que eu não faria, e assim que deve ser. Mesmo que eu fizesse os mesmos trabalhos dele, ainda assim seria uma outra carreira. Simples assim. Mas a pressão existe, né?”, pontua.

Contudo, Bruno assume que nem sempre foi assim e afirma que sentiu que muitas vezes as pessoas projetaram nele a imagem de seu pai.

“Elas projetam uma fantasia do que elas esperam que você seja, e eu sofri muito essa pressão. No âmbito profissional e no âmbito mais íntimo. Uma expectativa constante de esperar que eu aja e faça da mesma forma que ele fez. Isso é de uma injustiça tão absurda, não só reduz a carreira dele como reduz a minha, nos coloca em um lugar de comparação, o que é impossível. Ele tem de profissão quase o dobro do que eu tenho de idade, é incomparável”, afirmou.

Tragédia gay moderna


Por falar em carreira, o próximo projeto do ator é a peça "A Herança", que contará com elenco grande e diverso, incluindo Reynaldo Gianecchini e Felipe Hintze. Na entrevista, Bruno define a peça como "uma tragédia gay moderna".

“É uma peça que fala muito sobre existências LGBT+, com um recorte focado nos homens gays. A peça fala sobre ocupação de espaços”, disse o ator.

No momento, o projeto está na fase de ensaio e a peça tem previsão de estreia para 9 de março, no Teatro Vivo, em São Paulo. Ela ficará em cartaz até 30 de abril, e será encenada de quinta a domingo.

“Sou eu, o Reynaldo Gianecchini , e mais 10 atores homens, e a participação de uma atriz. É uma peça grande e superambiciosa, com elenco diverso, jovem, e estamos todos megaenvolvidos. Tem sido um processo lindo”, conta o ator, que ainda revela estar envolvido na produção do espetáculo - função que não é inédita em sua carreria.

“Eu idealizei e estou produzindo a peça junto com o Zé Henrique de Paula, que é o diretor. Vimos o texto fora [do Brasil], em momentos diferentes, resolvemos comprar os direitos e nos juntamos para fazer a peça. Eu já fiz três produções de peças grandes. Produzi ‘Vermelho’, ‘Baixa Terapia’ e ‘Tribos' - três obras que atuei com meu pai. Essas três foram produções minha com meu pai, e em cada uma alternamos a quantidade de produção, mas fizemos juntos”, contabiliza Bruno.

Para o ator, a possibilidade de realizar trabalhos como "A Herança", voltados para temáticas LGBTQIAPN+ “é um progresso que conquistamos a duras penas”.

Ele avalia que, nos últimos anos, as representações queer nas artes, especialmente em espaços de muito alcance, “eram tortas”, mas que isso vem mudando. O artista destaca ainda sua participação na série da Netflix "Só Se For Por Amor", em que teve a oportunidade de interpretar seu primeiro papel LGBT+.

“Poder contar uma história como foi o caso do Rafael [personagem na série], que gera senso de comunidade e de representatividade, é de extrema importância [...] O personagem, em termos de volume e de cenas, era muito menor do que o papel que eu interpretei no meu último trabalho na Netflix ['3%'], mas quando eu fiquei sabendo que era um personagem LGBT+, eu pensei ‘vou fazer, preciso fazer’, e foi só por essa razão que eu aceitei”, afirma o artista que diz ter recebido uma “enxurrada de mensagens” de pessoas que se identificaram com o personagem gay.

“Isso me deixou muito realizado de fazer parte do projeto. É importante demais este tipo de história ser contada e pessoas LGBT+ ocuparem cada vez mais espaços”, finaliza.


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