“Prezados fãs e seguidores, com muita tristeza que anuncio que estou interrompendo minha carreira como ator pornô por tempo indeterminado. Infelizmente, tenho enfrentado crises decorrentes do meu transtorno de personalidade borderline e preciso me afastar das redes sociais para cuidar de minha saúde”. Samuel Hodecker, produtor de conteúdo adulto LGBT+, pegou seus mais de 300 mil seguidores no Twitter de surpresa quando fez este anúncio em abril deste ano.
“Minha família tem um histórico bem forte de borderline. Minha avó tinha o diagnóstico e minha mãe tem. Sempre soube que a minha cabeça não era muito tranquila, era muito extrema, e eu tentava muito controlar isso”, relata o jovem de 24 anos. "Eu ficava me perguntando: ‘por que eu sou tão intenso?’”.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, o borderline é caracterizado pela “instabilidade e hipersensibilidade nos relacionamentos, instabilidade na autoimagem, alterações extremas de humor e impulsividade, além do medo de abandono”. Ainda de acordo com a associação, estima-se que 2 milhões de pessoas vivem com o transtorno no Brasil.
Além do borderline, Samuel também vive com a depressão : “Tentei suicídio devido a um namoro que foi bem ruim para mim”, conta. “Eu não estava conseguindo trabalhar. Tinha até conseguido um emprego, isso durante a pandemia, só que eu tive crise de pânico no trabalho, enquanto ainda estava lidando com as questões do relacionamento que me destruíram”.
Pelas dificuldades financeiras, Samuel encontrou na produção de conteúdo adulto uma alternativa de trabalho para conseguir um bom dinheiro, especialmente quando o ator teve um problema de saúde e o tratamento demoraria pela rede pública.
“No início de 2021 eu tive um infarto e fiquei internado 15 dias. Nos exames descobri que estava com um tumor na hipófise. O meu tratamento também foi um dos motivos para eu começar a trabalhar com conteúdo adulto porque pela rede pública a minha cirurgia iria demorar muito tempo. Com o OnlyFans eu consegui a grana e fiz a cirurgia”, explica Samuel, que além da plataforma privada, também produz conteúdo para uma produtora adulta LGBT+, a Meninos Online.
Saúde mental e a produção de conteúdo adulto
O número de brasileiros que consideram a saúde mental um dos maiores problemas do país mais que dobrou nos últimos quatro anos, chegando a quase metade da população (49%), o que fez pela primeira vez, em 2022, o motivo ultrapassar a preocupação com o câncer, segundo o relatório “Monitor Global dos Serviços de Saúde”.
O psicólogo e sexólogo especializado em transtorno do desejo sexual Márcio Dias, explica que atores de conteúdo adulto estão expostos ao desejo do outro, o que “às vezes pode ser destrutivo”.
“A pessoa abre um canal na plataforma de conteúdo adulto para atender os desejos de quem, de si ou do outro? E quando esse conteúdo é transformado em uma fonte de renda, o quanto a pessoa está sujeita ao desejo do outro? Isso acaba mexendo com a identidade do produtor”, afirma o especialista, que acrescenta: “Os atores de filmes adultos profissionais acabam explorados pelas produtoras, mas os produtores de plataformas independentes são explorados pelo público. A pessoa que entra para este ramo às vezes nem refletiu sobre essas questões”.
Trazendo uma reflexão sobre a outra ponta, o consumidor, o psicólogo analisa que a dependência de filmes e produções de conteúdo adulto é uma questão ligada ao condicionamento. “O contato com a via do prazer fica condicionado, não só ao estímulo, mas também àquela condição de segurança que o consumo da pornografia traz”, diz o profissional de saúde.
“Quando a pessoa está consumindo a pornografia, ela está em um ambiente seguro no sentido que ela não está enfrentando muita interferência de estímulos inibitórios para o desejo e para a satisfação. A pessoa vai ficar mais desinibida e mais potente”, afirma.
A dependência nos filmes pode interferir diretamente na vida sexual da pessoa, acrescenta Dias. “No contato com o sexo real às vezes a pessoa até começa a questionar a própria potência, e se sentir insegura porque de certa forma a via onde a pessoa está acostumada a sentir prazer [a pornografia] é diferente da ‘vida real’.
Questionado sobre se existe um consumo sadio de conteúdos adultos, o sexólogo afirma que “a ideia é que a pessoa não precise só da pornografia para buscar o estímulo ao prazer”.
“Com a indústria pornográfica começamos a ver o sexo como um produto. A questão é a forma como essa mercadoria [o sexo] é apresentada e quando ela começa a condicionar a imaginação e a fantasia das pessoas. Vira um problema psicológico quando a dependência se torna uma redução de variabilidade comportamental, ou seja, quando as pessoas só conseguem reproduzir aquele comportamento sob certas condições muito restritas”, finaliza.
Produção amadora
Fabrício Viana, de 45 anos, é jornalista e psicanalista junguiano, mas na pandemia descobriu que poderia fazer dinheiro com os milhares de vídeos amadores de sexo que produzia com o marido e os amigos.
“Quando surgiram os assinantes eu tomei um susto”, brinca. “Quando notei, estava ganhando cerca de 8 mil reais por mês. Essa renda extra estava ficando maior do que o meu salário [...] Eu não faço os vídeos com a intuição de ser um ator pornô, na verdade eu vendo a minha intimidade”.
Viana conta que lida de forma saudável com a produção dos conteúdos adultos pelo fato de ter estudado psicologia.
“Eu tenho um discernimento muito grande sobre saúde mental e essa questão sempre foi muito importante na minha vida. Quando eu comecei a produzir os vídeos nunca foi algo que me afetou, porque a minha sexualidade sempre foi muito bem resolvida”, diz o jornalista que é casado há 19 anos e há sete meses vive um relacionamento trisal.
“Eu já estou envelhecendo, estou bem e me sentindo bem ao envelhecer. Eu não tenho nenhum problema com isso”, conta Fabrício que ainda explica que utiliza o termo “daddy”, relacionado a homens mais velhos, para se promover nas plataformas de conteúdo adulto. “Tem mais a ver com a minha idade, com o meu ser e com o meu perfil”.
Ele ainda brinca que não tem nenhum problema em esconder a produção de conteúdo amadora de conhecidos e familiares: “As pessoas fazem com medo da família descobrir. Eu falo que se a minha família descobrir, os primeiros três meses tem desconto”.
Já para Samuel a produção é profissional, já que ele tem os vídeos como sua principal fonte de renda. “Eu preciso gravar o máximo que eu puder para poder fazer o dinheiro compensar e ter lucro, e muita gente leva a produção de forma amadora [...] Eu boto um profissionalismo ali dentro. Tem uma produção, tem câmera, tem luz, tem edição. Tem muita coisa envolvida”.
O jovem está de viagem marcada para o Chile. Vivendo em um relacionamento sadio, ele pretende interromper as gravações por, pelo menos, um ano.
“Estou em um relacionamento que está me fazendo muito bem, ele é uma pessoa incrível, eu acho que ninguém nunca me amou tanto como essa pessoa me ama”, diz o ator pornô. “É um relacionamento que me motiva para muita coisa, que me ajuda. E ele não tem nenhum problema com a minha produção de vídeos adultos, até porque ele me conheceu assim, ele sabe que é a forma como eu ganho dinheiro, como eu ajudo a minha família”.
Além da depressão e do borderline, Samuel também
vive com HIV,
diagnóstico que recebeu aos 18 anos. “Eu estava com muito medo de fazer o exame. Quando eu recebi o resultado positivo eu não me surpreendi porque a pessoa que me infectou me avisou depois da relação sexual que tinha o vírus, e que era culpa minha não ter me cuidado”.
O ator afirma que na época não revelou o diagnóstico para ninguém. “Queria levar essa informação para o túmulo”, lembra ele. Contudo, segundo Samuel, ele foi chantageado por uma pessoa que descobriu que ele vivia com HIV, o que o fez revelar o vírus publicamente.
“Tirei uma foto da medicação e postei no Twitter. Até hoje recebo mensagens de pessoas buscando ajuda [...] “Tem atores que dizem que eu tenho muita coragem de falar que vivo HIV porque dentro do pornô ainda tem muita gente preconceituosa”, diz ele que revela que não pretende viver do conteúdo adulto para sempre.
“Eu pretendo um dia me desvincular do pornô, não tenho nada contra, mas não é uma coisa que me faz 100% bem. Pretendo investir no Youtube”, finaliza.
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