Gabs Noah ganhou os holofotes por ser irmão do jornalista Fred, participante da 23ª edição do "Big Brother Brasil", mas o músico de 30 anos vai muito além de ser o “irmão de de alguém”. Ao iG Queer ele relembra sobre o preconceito nas ruas, da relação com a família, e como foi a aceitação sobre sua sexualidade, suas vivências, como se descobriu uma pessoa trans não binária, até a decisão de fazer a cirurgia que ganhou de presente do irmão.
O músico conta que foi vítima de LGBTfobia quando ainda estava tentando entender o mundo no qual estava inserido. Por volta de 2012 e 2013, ele diz que ainda sentia “muitos olhares e falas” na rua, o que isso o fazia sentir como se “tivesse que se esconder”.
“É uma sensação terrível , dolorida e te coloca em questionamentos”, conta. “O que eu diria que é a pior parte é a atitude de uma pessoa preconceituosa te colocar em dúvida sobre o que você sente e sobre o que você é.”
Hoje ele afirma que ainda sente o preconceito, algo que acontece mais pela internet, especialmente por meio dos comentários nas redes sociais. Apesar disso, garante que já não o abala mais, apenas sente o receio de que as pessoas que o seguem vejam esse tipo de comentário e se coloquem em questionamentos sobre quem são.
“Por isso, sempre faço questão de deixar minhas redes abertas para conversas e, principalmente, para espalhar amor. Acho que isso pode servir como um porto seguro para algumas pessoas.”
A importância da representatividade
Durante a infância e adolescência, o artista diz que não se sentia representado e que descobriu sobre sua sexualidade em 2020, por meio da internet. E foi quando começou a sentir a sensação que descreve como uma “identificação enorme, pertencimento e representatividade”.
Apesar da dificuldade que sentiu no passado, ele diz acreditar que hoje as séries, programas de TV e a própria internet estão ajudando muitas pessoas a se reconhecerem e que espera que ainda se fale muito mais sobre o tema no futuro.
“Eu estou aqui também fazendo a minha parte, para tentar com que isso chegue mais longe e para mais pessoas”, afirma. “E acho que aos poucos eu estou conseguindo, já aconteceu de uma pessoa não-binaria me parar na rua e me agradecer por tanto, porque elu se entendeu depois de ler meus posts. E elu me pediu um abraço, ao invés de foto. Guardo esse dia com carinho ”, relembra o artista.
O momento de descoberta
Os questionamentos vieram quando Gabs se pegou falando "não sei se sou uma mulher ou um homem", mas a ajuda da esposa, Jess Bortoletto, foi fundamental para essa “descoberta interior”.
“Por sorte, sou casade com uma pessoa que tem uma pluralidade enorme dentro de si”, conta o artista. “Ouvindo isso ela parou e me ouviu de fato, e falou o quão era importante eu ir mais a fundo nesse pensamento.”
Após assistir vários vídeos de homens trans e pessoas não binárias, ao qual não tinha conhecimento, o músico afirma que, a partir dali “aconteceu um despertar”.
Tudo se passou em 2020, durante os primeiros meses de pandemia. Foi um tempo cercado por choro, dúvidas e sensação de não pertencimento, ao qual ele afirma ter recebido o apoio de pessoas importantes, como a esposa, amigos e familiares, que “mesmo on-line, se faziam presentes”.
Noah conta que a decisão de fazer a cirurgia veio logo em seguida, e que não teve medo em momento algum, pois “conhecia e respeitava os processos”, além de estar muito seguro do que queria. A única dificuldade, segundo ele, foi lidar com a ansiedade, mas que estava muito feliz.
“Só de pensar nela [cirurgia], já me trazia paz. Após a cirurgia, eu olhei para o meu corpo e me enchi de orgulho, foi ali que a minha ficha caiu: eu sou uma pessoa trans”.
A reação da família
Apesar de hoje ter uma relação muito boa e próxima com todos da família, em relação à sexualidade, Gabs conta que nem sempre foi assim.
“Eu contei para a minha família que namorava uma mulher em 2013”, lembra. “Naquela época sofri bastante preconceito da minha mãe. Meu pai e meu irmão sempre me acolheram. Isso se estendeu por alguns anos.”
Aos 19 anos, ele conta que saiu de casa, mesmo sem condições muito favoráveis financeiramente, fez o possível para se estabelecer, pois sabia que seria o melhor a fazer naquele momento.
A situação foi se resolvendo com o tempo, ele lembra: “Em 2015, minha mãe já frequentava a minha casa com a minha ex-parceira. Foi dolorido, mas respeitei o processo da minha mãe, a coisa mais importante, sem dúvida alguma, era não deixar aquilo me silenciar e dar tempo ao tempo. Hoje em dia é só felicidade, acolhimento e amor.”
O melhor presente de todos
O artista conta que a relação com o irmão Fred – atualmente confinado na casa do BBB 23 – sempre foi muito presente, seja pessoalmente ou pela internet, eles sempre se encontraram nas madrugadas para conversar e, quando revelou para ele sobre sua sexualidade, não foi nada difícil.
“E nessas horas a gente sempre conversa sobre tudo. Então todos os pensamentos que estavam me cercando, eu dividia com ele. Sempre foi leve e acolhedor”, conta.
Uma boa prova disso é que a mamoplastia veio como um presente de aniversário dado por ele, algo que foi muito especial.
“Disse na hora para ele e digo sempre, foi o melhor presente da minha vida! Aumentou a sensação de 'eu realmente estou sendo ouvido'. Mesmo eu já sabendo. Foi cheio de choro, abraços e várias frases bonitas”, revela.
Além da vida pessoal, eles também dividem uma vida profissional, trabalhando juntos desde 2021. Gabs diz que eles sempre foram muito “um pelo outro em absolutamente tudo”, e isso define bem as relações, tanto pessoal, quanto profissional.
“Eu estou ali sempre por ele, e ele por mim. Seja em algo delicado no trabalho, ou na vida pessoal, quando algo 'aperta' a gente sempre corre um para o outro.”
Ele também conta sobre como foi sua reação ao descobrir que o irmão estaria no maior reality show da TV Globo: “Sobre o BBB, fiquei assustade e receose com certeza, mas nada como várias conversas para discernir e enxergar novos caminhos. E esses caminhos já estão acontecendo”.
A relação com o sobrinho e o desejo de ter filhos
Gabs afirma sem pensar duas vezes: o sobrinho – Cris, filho de Fred com a também ex-BBB Bianca Andrade – é o que tem de mais precioso. Ele conta que um de seus maiores sonhos sempre foi ter um sobrinho e que a primeira vez em que o segurou no colo, o irmão olhou para ele e disse: “Olha, o seu maior sonho bem aí, no seu colo!”
“Eu crio momentos meus com ele, ele sempre vem em casa, ele brinca com todos os meus instrumentos (tenho instrumento na casa do papai dele também). Ele me vê e já fala 'miau', ele sabe onde fica o meu teclado e já vai direto”, conta.
O tio coruja diz que quer criar memórias como essas no sobrinho, e que ele o veja e se lembre sempre de “música e de miaus” – Gabs e a esposa têm cinco gatos de estimação.
Sobre ter filhos, ele diz que pretende e revela qual será o nome: “É um dos sonhos da minha esposa, e tem se tornado cada dia mais um meu também. Já temos até nome, se vier apenas um, vai se chamar Gaé, a junção de Gab com Jé e um nome livre para ser quem quiser.”
Uma história de amor
Gabs Noah é casade com Jess Bortoletto, que conheceu quando tinham 15 anos, quando estavam trabalhando em um buffet infantil. O músico afirma que essa é sua história preferida na vida.
“Na época nos tornamos melhores amigas. Hoje, tendo consciência, eu acho que a Jé foi a primeira mulher por quem eu me apaixonei, mas eu não tinha representatividade, então eu nem sabia que 'eu poderia me apaixonar por uma mulher'”, ele conta.
O artista conta que tinham uma "amizade diferente" e que muitos amigos na época diziam que eram namoradas: “Vários anos se passaram e a gente sempre esteve presente uma na vida da outra, alguns ciclos mais afastados, outros mais próximos, temos muitos amigos em comum”, relembra.
“No final de 2019 nos encontramos para nos reencontrarmos, pois estávamos afastadas há quase três anos”, conta. “Chamamos de reencontro porque nos permitimos nos reencontrar, em três anos muita coisa muda, então éramos outras pessoas, com novos pensamentos.”
E a data ficou marcada: “Esse encontro aconteceu dia 6 de novembro de 2019. Desde lá, nossas almas não se largaram mais”.
O amor pela música e a vida profissional
Em contato com a música desde a infância, ele conta que aos sete anos viu um amigo da escola tocar violão e soube naquele momento que aquilo era o que gostaria de fazer pelo resto da vida.
“Eu toco desde os oito anos, já tive vários projetos, entre bandas, trios e duplas. Tudo que vivi me trouxe até aqui, e estou pronto para viver minha melhor fase na música”, afirma o artista, que conta entusiasmado sobre o novo trabalho, que está para ser lançado no próximo mês.
“Em fevereiro eu lanço o meu primeiro single, de um EP. É um trabalho que estou tendo o prazer de produzir junto com a Mônica Agena, que sempre foi uma grande inspiração para mim.”
“É um EP minimalista, voz, violão, guitarra e alguns ‘elementos surpresa’. A minha intenção é trazer uma música leve, que possa fazer com que as pessoas me conheçam e, quem sabe, gostarem de mim de cara, sabe? Está lindo de ouvir, e estou muito feliz com os processos e os resultados”, aponta o artista.
“Se vocês deixarem, em fevereiro estou aqui falando dele de novo [risos]”, completa em tom bem-humorado.
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