Thiago Salvático e Gugu Liberato tiveram um relacionamento de oito anos até o dia da morte do apresentador, em 2019, mas o juiz José Walter Chacon Cardoso, do Tribunal de Justiça de São Paulo, protocolou uma decisão no dia 15 de dezembro de 2022 em que definiu que os dois não tinham uma união estável , mas eram “apenas amigos” . A notícia caiu como uma bomba na vida do chef de cozinha, o que reforçou o estigma da inexistência dos relacionamentos LGBTQIA+.
Em entrevista exclusiva ao iG Queer , Thiago declara que é um absurdo ser tratado como amigo de Gugu, mesmo depois de ter apresentado diversos tipos de provas como prints de conversas de WhatsApp, fotos de viagens em diversos anos e indicado testemunhas que conviveram com o casal. Ele questiona o motivo pelo qual esses documentos foram desconsiderados pelo magistrado .
“O juiz teria uma conta conjunta com o amigo? Daria a senha do Instagram para o amigo (ainda mais no caso de uma pessoa pública)? Viajaria o mundo sempre com esse mesmo amigo, em todos os momentos livre que tiver? Faria fotos românticas? Trocaria mensagens diárias compartilhando a vida e mensagens de amor? Dormiria junto nos hotéis, casas ou onde estivessem? O juiz acredita mesmo que o Gugu faria isso com um ‘amigo’ por anos e anos? Se as mesmas perguntas fossem feitas ao juiz sobre uma relação heterossexual, duvido que ele enxergaria apenas ‘amizade’", desabafa.
O chef de cozinha, que atualmente mora na Alemanha, acredita que tenha sido vítima de preconceito, mesmo depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu no dia 5 de maio de 2011 a existência e a legitimidade de uma relação entre duas pessoas do mesmo gênero . Para Thiago, quando uma pessoa pública como Gugu não tem sua relação reconhecida, dá mais força para que o judiciário renegue esse direito a outros casais da comunidade LGBTQIA+ .
“A partir do momento em que há uma diferença na resposta apenas por se alterar o gênero de um dos companheiros, configurado está que houve alguma espécie de preconceito. Essa decisão é o reflexo do que muitos casais homoafetivos passam no Brasil. Por que a resposta para dois homens é diferente?”, indaga. “Esse preconceito não pode existir no Poder Judiciário e claro que, de certa forma, quando um caso como esse cai na mídia, acaba influenciando toda a comunidade. Com certeza, inúmeros outros casais homoafetivos passam pelo mesmo preconceito que eu estou passando.”
Ele diz que se sentiu injustiçado pela decisão porque produziu e apresentou todas as provas e conta que “o juiz sequer deixou o processo andar”. Thiago reclama que protocolou o pedido, o caso foi negado, as testemunhas não foram ouvidas e o casal foi carimbado como "amigos".
“Não deu a oportunidade de mostrar toda a história também ouvindo as pessoas, todos que sabiam da nossa união, enfim, todo o procedimento que qualquer ação de união estável passa. Acredito que vamos reverter essa decisão no Tribunal, espero que os desembargadores sejam mais respeitosos com as relações homoafetivas, e o final do processo será diferente, reconhecendo a verdade, que é a nossa união”, acredita.
Amor, carinho e companheirismo
Salvático lembra com ternura os tempos que passou ao lado do apresentador e destaca que todos ao entorno do casal sabiam sobre o relacionamento: funcionários, amigos próximos deles e até mesmo alguns familiares, com exceção dos filhos do Gugu – João Augusto e as gêmeas, Sofia e Marina – que ainda eram adolescentes. Na época, o apresentador teria dito ao então namorado que “se um dia os filhos perguntassem” algo sobre a relação dele, não omitiria a informação.
Ele também relata que Gugu tinha planos de permanecer na TV por apenas mais alguns anos antes de se aposentar e, assim que deixasse os holofotes, revezaria sua residência seis meses na Europa e seis meses no Brasil para ter uma vida mais leve após a aposentadoria junto do namorado. Contudo, o futuro feliz dos dois foi interrompido quando o apresentador morreu no dia 21 de novembro de 2019, após sofrer um acidente em sua casa em Orlando, nos Estados Unidos.
“Gugu usava uma frase muito boa: ‘O que as pessoas não sabem, elas não destroem’. Ele era uma figura pública, um personagem televisivo amado pelo país, que apresentava programas para famílias, tinha uma linha voltada ao público infantil e, para completar, nos últimos anos estava na Record, emissora religiosa, religião pela qual a homossexualidade é condenável.”
O relacionamento de Gugu era algo muito íntimo, restrito e ele nunca compartilhou uma foto sequer de Thiago em suas redes sociais. O ex-namorado conta que o apresentador nunca quis exposição, sempre foram um casal bem discreto, mas quando saíam em São Paulo ou qualquer lugar do mundo, sempre demonstraram afeto sem qualquer medo.
“Apenas não era possível que o grande público soubesse em razão do papel dele, do trabalho da figura Gugu enquanto pessoa pública. Existia entre nós algo que talvez não consiga explicar em palavras, mas sabe quando você está completamente feliz e nada e ninguém mais nos interessava? Era isso”, narra.
“Após a morte dele, a história veio a público. Nunca procurei a imprensa para expor o nosso relacionamento que sempre foi discreto. Desde então, cada vez que vazam na imprensa alguma coisa do processo (o que nem deveria acontecer já que está em segredo de justiça), os jornalistas acabam me procurando para comentar, parte da mídia fica me xingando e falando absurdos e mentiras, e eu fico apenas me defendendo de tudo que falam”, completa.
Lembranças boas
Thiago se recorda com carinho dos momentos felizes que passou ao lado de Gugu, a quem ele chamava carinhosamente de “Toninho”, uma referência ao primeiro nome do apresentador, Antônio. O chef conta que o ex-namorado o fazia se sentir único, que ele era muito carinhoso, atencioso e inteligente, amava tecnologia, televisão e era um amante de vinhos.
“Ele foi minha metade nesses oito anos. Os dias com ele foram eternos e realmente fui privilegiado em ter Toninho como companheiro. Falávamos de tudo e sobre tudo”, lembra. “A história mais marcante foi que o sonho dele era conhecer o Polo Norte, a casa do Papai Noel. Então decidimos ir, ficamos em um iglu de vidro onde pudemos assistir à aurora boreal juntos. Lembro que fomos na casa do Papai Noel e ele brincou puxando a barba do Bom Velhinho. Enviamos cartas diretamente da casa do Papai Noel para nossos familiares, e eles também mandou para os filhos dele.”
Três anos após o trágico acidente, ele garante que este foi um período de muito luto e dor. Por várias vezes, Salvático compartilhou sua tristeza nas redes sociais, principalmente em momentos emblemáticos como o aniversário de “Toninho” ou a data em que morreu. Ele diz que sua vida sentimental também ficou parada por muito tempo, mas já tem conseguido dar uma nova chance ao coração.
“Estive viajando pela Austrália, onde visitei os países ao redor, como Tasmânia e Nova Zelândia. Em Sydney, encontrei uma pessoa bacana e tivemos 15 dias juntos maravilhosos. Fora isso, não conseguia! Era difícil... não que ainda não seja, mas agora me sinto um pouco mais seguro em relação ao meu coração”, confessa.
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