Reprodução/Netflix - 23.12.2022
"Um Crush para o Natal" (2021) foi o primeiro romance gay natalino da Netflix

O período de festas não se restringe apenas às comemorações em grupo. No audiovisual, principalmente em filmes,  o Natal e o Réveillon costumam ganhar protagonismo anualmente, como plano de fundo de histórias que normalmente falam de amor, superação, união e realização de sonhos. Dentro desse nicho, há produções que incluem personagens LGBT, porém a pluralidade desses retratos deixa a desejar

A grande maioria dos especiais de fim de ano queer acompanham homens gays, cis, brancos e dentro do padrão estético socialmente estipulado. Tendo em vista isso, vale questionar de que modo a falta de presença de bissexuais, lésbicas, transgêneros e tantas outras letras da sigla impactam no movimento em prol da representatividade da comunidade. 

De antemão, é preciso sublinhar que nenhuma análise crítica tira a importância da presença de homens gays em filmes de fim de ano, pois como parte da comunidade LGBT eles possuem demandas e precisam sim ser representados. O que se questiona é o quão prejudicial é se limitar apenas à letra G. 

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Rafael Tayslan é um homem trans e um dos sócios da Transmuta, uma produtora que valoriza principalmente a presença LGBT, em especial a presença trans nas produções. Ao iG Queer, ele comenta que além da pouca frequência de personagens LGBT em especiais de fim de ano, normalmente quando a letra T é retratada ela está sempre sob a lente de um olhar cisgênero, daí a importância de primeiramente priorizar a presença queer desde os primeiros estágios de produção. 

“Quando pessoas que não fazem parte da nossa realidade falam sobre nós, automaticamente colocam estereótipos que são aceitos pela sociedade cisgênero dentro dos personagens. Então é muito comum vermos uma travesti debochada ou um preto violento, por exemplo. Nós queremos e somos capazes de contar nossas próprias histórias”, diz ele. 

A produtora audiovisual Camila Francini traz à tona também toda a questão do transfake – pessoas cisgênero que interpretam personagens trans . Segundo ela, essa conduta é “muito comum em produções audiovisuais e contribui fortemente para perpetuar a visão estereotipada acerca de pessoas trans. É necessário que cada indivíduo esteja onde realmente deseja estar e faça parte”. A profissional avalia que existe um olhar da indústria para a comunidade como um todo. 

“Existe um movimento muito forte em prol da causa LGBT, justamente porque vivemos em uma sociedade extremamente preconceituosa. Temos um longo caminho a percorrer, mas o trabalho já está sendo feito”, pontua. 

Além destes exemplos ligados às pessoas e personagens trans, a visão dos consumidores também abrange a forma como as produções são apresentadas. Kessya Jacira Silva é uma mulher bissexual e cisgênero e diz que nunca viu um especial de Natal clássico que tenha personagens LGBT. “Sempre vi o gay que serve de alívio cômico”, explica ela. “Ele é o chaveirinho e tem o casal principal, hétero, entre pessoas cis. Filmes relacionados ao feriado com representatividade LGBT não fazem parte da minha rotina porque são poucos e não são bem divulgados”. 

De acordo com Kessya, muitas vezes é até difícil dizer que “sente falta” de personagens LGBT em especiais de fim de ano, justamente porque é tão pouco comum que se torna obsoleto. “Eu acho que é tão naturalizado que ‘ser LGBT é pecado’, que até então não parei para pensar nessa ausência nos filmes”. 

Além disso, as poucas produções que inserem personagens queer em suas narrativas normalmente os retratam com pouco aprofundamento ou se guiam apenas pela visão do senso comum. “São totalmente estereotipados”, diz Kessya. “O gay chaveirinho é o mais comum. A menina cis e hétero tem um amigo gay para ajudá-la com tudo, como se ele fosse obrigado a entender do ‘universo feminino’. Não é um problema que eles estejam próximos dos estereótipos de feminilidade, mas é um estereótipo muito forte e limitante”. 

Quando questionada sobre o que ela gostaria de ver em um especial de Natal LGBT, Kessya é modesta. Para ela, a falta de representatividade é tão grande que quaisquer manifestações sensíveis e verossímeis com a realidade da comunidade bastariam para sanar essa necessidade a curto prazo. 

“Qualquer plot clichê e bonitinho de fim de ano é bom”, diz. “Dessa forma, estaremos inseridos no que é comum as pessoas verem e cantarem. Não precisa ser um enredo totalmente ativista, porque ser LGBT e lutar pelos nossos direitos é sim uma ação muito presente em nossas vidas, mas não nos resumimos a isso. Seria muito bom ver um filme com um plot comum de Natal com protagonistas LGBT ou pessoas da comunidade em outros papéis que não resumem o personagem a sofrer por ser quem é”, conclui.

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