Em um país racista como o Brasil, os indígenas LGBTQIA+ ainda são pouco inseridos dentro da comunidade queer; reflexo de uma trajetória colonialista. Historicamente, as populações indígenas tinham mais liberdade para vivenciar as sexualidades pluralmente. Todavia, a partir da aniquilação dos povos, catequização e escravização, o cenário mudou.
Com isso, ao longo dos anos, as comunidades indígenas e seus habitantes passaram a adquirir pensamentos em que demonizavam gêneros e sexualidades que fugiam de uma cisheteronormatividade. O que se faz presente até hoje em alguns povos.
Em 1614 ocorreu o primeiro caso de homofobia no Brasil que causou a morte do indígena Tibira, da etnia tupinambá, no Maranhão. Ele foi executado por conta de sua orientação sexual com a aprovação de religiosos da Igreja Católica em missão no país.
“Esse debate não havia sido feito, mas ao longo desse tempo, a gente vem conseguindo uma maior visibilidade para discutir sobre gênero e sexualidade dentro das comunidades indígenas, porque essas pautas acabam sendo demandadas pelos movimentos sociais e principalmente pelo momento LGBTQIA+ nacional. Acredito que ainda está sendo um momento de construção, principalmente pela questão racial, que a gente sempre põe em discussão como fator fundamental para que as especificidades dos povos indígenas, e a sexualidade dos indígenas possam ser compreendidas”, explica Danilo Tupinikim , 22, ativista, cofundador do coletivo Tibira, que tem como principal objetivo levar informações sobre temas relacionados à comunidade LGBTQIA+ decolonial promovendo debates e conscientização e estudante de Ciência Política na Universidade de Brasília (UnB).
“Há de um lado a tentativa de incluir os povos indígenas para debater essa questão, mas de outro tem a reprodução do racismo. Infelizmente, muita gente não conhece a realidade indígena e acaba reproduzindo diversos estereótipos atrelados a uma imagem colonial que ainda somos vistos”, adiciona.
Diferentemente da América do Norte, em que há o termo “Two Spirit” (Dois Espíritos, em português) comumente utilizado para evidenciar a existência de uma população queer originária, no Brasil, a expressão “Tibira” ocupa esse lugar, pois os indígenas a utilizam para se referir a um homossexual. Mas, não é uma regra para todos os povos, pois alguns têm nomes próprios com o idioma nativo para denominar alguém LGBTQIA+.
Não é possível definir como cada povo lida com o tema de gênero e sexualidade, porque houve mais de 300 povos indígenas afetados com a colonização no Brasil. Para o jovem, que sofreu homofobia dentro da própria comunidade, ele reconhece que isso é um resultado da atuação de uma população não indígena dentro da sua comunidade. “Eu precisei me empoderar para conseguir também trazer a importância dessa pauta para dentro da minha própria comunidade”, argumenta.
O povo Tupinikim sofreu enorme influência do catolicismo em todas as comunidades, tanto que há várias igrejas católicas e evangélicas nos territórios da comunidade, algo que aumenta os comportamentos homofóbicos e machistas.
A importância de uma representatividade
De acordo com o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 0,42% da população do Brasil, cerca de 817.963 indivíduos, declara-se indígena, sendo 36,2% moradores de área urbana e 63,8% da área rural.
“A criação do coletivo Tibira nasceu inicialmente como uma mídia, pela necessidade de trazer visibilidade para as questões de gênero e sexualidade dentro do contexto indígena, por essa pauta ser bastante invisibilizada, devido a colonização, não havia muitas informações sobre. Além disso, também surgiu para nos sentirmos representados, porque não nos víamos em lugar nenhum, como nas produções midiáticas e entre outros espaços. É um meio de acolher outros indígenas LGBTQIA+ e fortalecer essa rede”, reflete o estudante que tem a homossexualidade como orientação sexual.
Todavia, mesmo com os avanços, ele ainda enfatiza que há muito o que ser feito, sobretudo quando o assunto é o racismo. Isso porque, ele também conta o quanto é hipersexualizado ou fetichizado quando vai se relacionar com outras pessoas.
“De um lado, a gente é marginalizado e sofre diversas violências, do outro estamos sendo super fetichizados, porque quando a gente vai se apresentar para uma pessoa, por exemplo, ou até quando alguém tem uma relação com algum indígena é bem comum escutarmos ‘nossa, mas eu nunca fiquei com um índio’ ou ‘meu sonho é ficar com índio’ e isso é algo muito triste e violento para nós, porque acaba se tornando uma fantasia da outra pessoa e não um desejo de se relacionar efetivamente conosco”.
A mudança por meio da educação
Mais de 57 mil estudantes indígenas cursavam o ensino superior no país em 2018, segundo dados do Ministério da Educação. De acordo com a comissão, o número chegou a 75 mil em 2020. Mas, o que isso tem a ver com a comunidade LGBTQIA+?
Para Danilo, o acesso à educação também é uma forma de mudar os estigmas dos povos e lutar pela conquista de outros direitos.
“Há uma baixa aderência dos indígenas em todas as outras pautas, como, por exemplo, no ensino superior, fazendo com que a presença indígena ainda seja pouca, mesmo com a adoção das cotas ou vestibulares específicos, até porque há vários outros fatores, como fraudes e outras deficiências sociais que dificultam esse acesso. E é fundamental que ocupemos mais esses espaços para podermos lutar pelos nossos direitos de uma maneira mais ‘ocidental’. É preciso que haja mais políticas públicas que contribuam para que a gente ocupe esses espaços institucionais, para podermos impedir que os nossos direitos sejam revogados e façamos valer o que a constituição garante para nós”, conclui.
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