Monique Reis , jornalista e Presidente do Conselho de Cultura de Taubaté com histórico em iniciativas da vida política do município, veio às redes sociais para publicar uma carta aberta mediante um caso de transfobia do qual foi vítima na última terça-feira (16). Durante a votação de um Projeto de Lei cujo objetivo era vetar o uso de pronomes neutros nas escolas da região, o Vereador Boanerge (PTB) referiu-se à Monique e disse que ela “não é mulher”.
Reis falou com exclusividade ao iG Queer sobre a ocasião. “Eu não estava na sessão de ontem”, esclarece. “Não participei da votação por estar ocupada com outros projetos. Foram as pessoas ali presentes que me ligaram e disseram que fui citada pelo vereador e que ele alegou na tribuna que não sou mulher”. Monique Reis explica ainda que o contexto da fala de Boanerge se dá por uma homenagem que ela teve em março e que na época já tinha gerado tumulto.
“Taubaté é a cidade natal de Hebe Camargo, então todo ano, no Dia Internacional da Mulher, que também é o aniversário da falecida apresentadora, a Secretaria de Cultura escolhe algumas mulheres que se destacaram durante o ano para receber uma honraria”, conta. “Durante a pandemia, a escola de samba GRCES Imperatriz do Morro, da qual sou presidente, distribuiu máscaras de graça para a comunidade, junto a um kit higiene. Tentei manter e gerar emprego e renda para a população, principalmente as que perderam o emprego”, relembra.
“Fizemos um trabalho social muito grande na comunidade, além de eu ter uma grande atuação por meio da Lei Aldir Blanc em prol dos artistas e profissionais da área cultural. Por conta disso, a Secretaria de Cultura decidiu me homenagear como uma das mulheres do ano, em decorrência a todas essas iniciativas durante o período pandêmico”.
Ela pontua que a honraria não agradou a todos e gerou muitas críticas: “Surgiu uma onda de comentários na cidade, porque muitos disseram que eu não sou mulher e, portanto, não deveria receber essa homenagem. Por conta disso, a Câmara Municipal, que possui um mandato coletivo, propôs uma moção de aplauso pelo fato de eu ser a primeira mulher trans homenageada na cidade. A iniciativa foi aprovada, mas o mesmo vereador que falou ontem que ‘não sou mulher’ votou contra essa moção,porém até então a questão estava encerrada. Até que ontem, na votação do Projeto de Lei, ele trouxe isso à tona novamente”.
Transfobia reincidente
Ao ser questionada se essa foi a primeira ocorrência mais pesada de transfobia que sofreu, Monique Reis salienta que desde o começo da atuação que tem na vida pública e política de Taubaté já tiveram vários episódios marcantes – o que não diminui o impacto que a ocorrência mais recente teve.
“Eu fui a primeira Editora Chefe trans do Brasil, no jornal Voz do Vale. Eu fui a primeira trans a se candidatar para vereadora em toda região do Vale do Parnaíba e também a primeira candidata trans a deputada em toda região metropolitana”, diz. “Em 2014, eu fui a mais votada. Também já fui assessora parlamentar. E mesmo com tudo isso, a primeira preocupação foi qual banheiro eu deveria usar na Câmara Municipal. A presidência da Câmara precisou emitir um comunicado dizendo que deveria-se seguir a determinação judicial de que pessoas trans têm o direito de usar o banheiro correspondente à sua identidade. Então todos os percalços já começaram nesse ponto”, explica.
Monique conta também que já quase foi agredida durante o trabalho: “Em 2017 surgiu toda a questão da escola sem partido. Como assessora, quase sofri agressões por membros da direita política. Fui chamada para dar uma palestra em uma escola pública Estadual sobre orientação sexual e identidade de gênero, incluindo as problemáticas da homofobia e da transfobia. Falei para 2 mil jovens, tirei fotos com as pessoas e fui parar na página do Olavo de Carvalho. Surgiram comentários dizendo que eu, por ser travesti, estava espalhando ‘ideologia de gênero’ para os jovens de Taubaté. Cheguei a ser ameaçada de morte na época”, relembra.
“Por conta dos ataques, parei de usar o Facebook, por exemplo. Fiz um Boletim de Ocorrência na época para pedir medida protetiva. Chegou ao ponto de descobrirem o telefone dos meus pais, ligaram para a minha mãe e disseram que sabiam quais locais eu frequentava e que me matariam se eu passasse por lá. Sequer conseguia usar um banheiro, porque eu poderia ser agredida por alguém que dizia que eu não era mulher e que, portanto, não podia estar naquele espaço”, conta ao iG Queer.
Monique destaca ainda que pretende formalizar uma denúncia. “Eu já conversei com dois advogados que se colocaram aptos a me representar para fazer um fazer o Boletim de Ocorrência e abrir uma denúncia para caminhar para ao Ministério Público por quebra de decoro”.
Ainda que os ataques sejam uma realidade enfrentada por Reis desde o começo nas ações em prol da comunidade, ela ressalta que, independentemente da frequência, esse tipo de ocorrência nunca perderá o impacto: “Estou muito chateada, porque por mais que a gente esteja acostumado, afeta de qualquer maneira. Fico triste porque eu seguro essa onda, mas temo pelo meu pai e pela minha mãe que acabam acompanhando tudo isso”.
O Vereador Boanerge se retratou com Monique Reis por meio de um vídeo postado no Instagram. O político disse que não deveria ter citado o nome de Reis e "muito menos afirmar que você não é mulher, pois não conheço a sua história".
o iG Queer também no Telegram! Clique aqui para entrar no grupo. Siga também o perfil geral do Portal iG.