Pessoas trans que fazem terapia hormonal com testosterona têm algumas especificidades quanto à saúde sexual
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Pessoas trans que fazem terapia hormonal com testosterona têm algumas especificidades quanto à saúde sexual

Quando o assunto é cuidados médicos e saúde sexual, abre-se uma brecha em termos de diferenciação, pois muito se fala sobre “saúde sexual do homem” e “saúde sexual da mulher”, sem levar em consideração que homens trans e pessoas transmasculinas também podem ter útero e, portanto, enfrentar intercorrências semelhantes às que mulheres cis vivenciam. Por isso, é importante estar atento aos cuidados com o útero e a vagina em si, de modo a expandir a discussão para as especificidades que alguns homens trans e transmasculinos podem ter. 

Para Elisabete Lilian Dair, ginecologista e docente do curso de Medicina da Universidade de Franca (Unifran), o médico em questão deve estar ciente das nuances do público que o procura a fim de proporcionar o melhor atendimento possível. 

“O profissional de ginecologia deve se atentar às práticas sexuais e/ou exercício de sexualidades adotadas pelos pacientes, independentemente de serem heterossexuais, homossexuais, bissexuais, assexuais ou homens trans. Os exames ginecológicos devem ser discutidos previamente, escolhendo juntos o melhor método. Pessoas com útero e sexualmente ativas devem ser orientadas sobre anticoncepção, doenças sexualmente transmissíveis e práticas de sexo seguro”, explica. 

A profissional também destaca quais são os principais exames preventivos que devem estar no topo da lista de pessoas com útero para conseguir diagnóstico precoce de possíveis enfermidades às quais estão sujeitas. 

“O rastreamento do câncer de colo uterino com o exame de citologia oncótica (Papanicolaou) deverá ser iniciado após três anos do início da atividade sexual, segundo recomendação da Febrasgo [Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia] ou após os 25 anos, segundo recomendações do Ministério da Saúde. Não se recomenda esse rastreamento para quem não iniciou a atividade sexual, pois a transmissão do vírus HPV, causador do câncer de colo uterino, ocorre por transmissão sexual”, pontua. 

“O rastreamento de doenças infecciosas deve fazer parte da rotina das pessoas com útero. Acreditar que mulheres homossexuais, bissexuais e homens trans estão menos propensas às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) prejudica a prevenção. O contágio pode ocorrer por contato entre mucosa oral ou vaginal, contato com o sangue e com o uso de acessórios compartilhados”. 

Elisabete chama atenção ainda para a cultura cis-heteronormativa que infelizmente ainda assola a área médica. Ela pontua que é importante que todas as pessoas com útero tenham a mesma qualidade de atendimento, principalmente levando em consideração que pessoas LGBT, por exemplo, muitas vezes estão em situação de vulnerabilidade e precisam de orientação adequada. 

“Há uma preocupação no atendimento a esse público, que muitas vezes se encontram em situação de vulnerabilidade, e na necessidade de preparar o profissional de saúde. Observa-se a eminente necessidade de um trabalho referente a esse assunto nas escolas médicas, além da formação dos agentes da saúde e da elaboração de ações voltadas para as demandas específicas dessa população, sendo importante uma mudança no perfil de atendimento e transformações no modo de pensar e de agir dos profissionais de saúde”. 

Para o caso específico de homens trans e transmasculinos que fazem terapia hormonal com testosterona, por exemplo, existem alguns fatores específicos, como destaca Ana Thereza Uchoa, médica ginecologista, obstetra e professora do curso de Medicina do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê). 

“Pessoas transgênero que se submetem à terapia hormonal masculinizante experimentam uma ampla gama de efeitos na medida em que iniciam e mantêm a terapia com testosterona. Para a saúde sexual, tais efeitos são benéficos do ponto de vista de desejo sexual, pois corrige sua hipoatividade. Os cuidados a serem tomados estão relacionados à disfunção hepática e ao risco cardiovascular. Assim, sugiro a prevenção dessas condições por meio de exames laboratoriais rastreando a função hepática e avaliação cardiológica completa, de forma rotineira”, explica ela.

Os cuidados, porém, não se restringem apenas ao consultório de ginecologia. Segundo Félix Neto, fisioterapeuta pélvico, as precauções mantém-se igualmente fundamentais durante o ato sexual em si. “Existe a necessidade de se tomar cuidado com as posições sexuais escolhidas pelos parceiros, a higiene e a proteção individual da pessoa e seus parceires também é essencial, além de cuidados com a penetração peniana e a escolha correta de produtos como géis, lubrificantes, óleos e até mesmo toys para evitar lesões e machucados”, observa ele. 

Sobre as possíveis práticas sexuais de pessoas com útero, o especialista salienta que existem alguns métodos e fatores que podem trazer malefícios para esta população, então é bom aplicar maior atenção nestes aspectos e, se possível, evitá-los. 

“Um toy mal higienizado pode gerar infecções, por exemplo. Quando falamos de fisting , os cuidados devem ser redobrados: lubrificantes devem sempre ser à base de água e testados em outras mucosas antes dos casos de hipersensibilidade vaginal. A depender do diâmetro do canal vaginal, algumas posições podem ser grandes aliadas ou piores inimigas”, destaca. 

Devido aos tabus que rondam a vida sexual em si, principalmente quando o foco é a comunidade LGBT, é possível que mulheres lésbicas, bi e pan e homens trans e transmasculinos cresçam sexualmente reprimidos. Félix Neto comenta sobre alguns efeitos negativos desse fenômeno. 

“Podemos destacar a diminuição da libido, a repulsa sexual ou a exacerbação dela (que podem gerar inúmeros problemas e doenças), vaginismo, ejaculação precoce ou tardia. Todos precisam se sentir bem, livres e confortáveis para praticar o ato sexual. É importante destacar a importância do bem-estar para a liberação da serotonina, o hormônio do prazer. Assim você estará feliz durante e após o ato, diminuindo a aparição de doenças psicossomáticas”, declara. 

Para evitar esse tipo de malefício, o profissional aconselha que cada indivíduo explore a própria sexualidade e o próprio corpo para melhor se conhecer e saber o que causa ou não prazer, além do que é ou não confortável e o que pode ou não pode ser negativo em termos de saúde. 

“Quando falamos de atos sexuais, precisamos, para um sexo seguro, nos conhecer e saber o que gostamos ou deixamos de gostar. Além disso, é necessário manter uma rotina de higiene, além de se protegerem com camisinha para evitar contaminação por ISTs, incluindo juntamente a isso, métodos contraceptivos, caso não queiram uma gravidez, por exemplo. A inclusão de toys nas relações pode ser bastante benéfico para o prazer de pessoas com útero também. Existem diversos modelos, tamanhos, cores, texturas que, de fato, vão dar ainda mais prazer sozinhe ou acompanhade, além do consentimento de ambas as partes sempre”.

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