A parada LGBTQIAP+ de São Paulo, realizada no último domingo (19), contou com 19 trios elétricos posicionados na Avenida Paulista, cada um com diferentes atrações e artistas. Entre as personalidades que estiveram presentes no evento estava MC Trans , cantora, apresentadora, mãe, militante e travesti. A artista foi contratada pela Vivo para estar no trio da operadora – trio 12 –, mas no final do dia ela foi às redes sociais se manifestar sobre alguns problemas enfrentados durante o evento.
MC Trans falou com exclusividade ao iG Queer sobre como tudo se desenrolou. De acordo com ela, uma funcionária da Vivo lhe contatou via telefone pessoal para fechar a presença dela no trio com um cachê previamente acordado. “No momento em que saí do hotel, não tinha ninguém para me levar até o trio”, explica ela. “E em nenhum momento é sobre eu querer ser paparicada ou algo do tipo, e sim pela falta de assistência. Enquanto eu estava na rua, muitos fãs se aproximaram de mim, e eu não neguei foto para nenhum deles. Interagi com todo mundo que parou para me ver e depois procurei pelo trio para finalmente conseguir subir”.
Ela conta ainda que até então não tinha sido informada de que o trio seria dividido entre artistas e influenciadores. Assim que chegou, viu Paulette Pink, uma das precursoras do movimento drag no país e que estava no trio como destaque. “Eu fui falar com ela, e nesse momento um rapaz gay e branco chegou até mim e disse: ‘aqui é apenas para artistas que irão fazer show’. Ele usou um tom desagradável comigo, me tratou como se eu também não fosse artista. E a grande questão é que nesse momento o que a sociedade espera de uma travesti é que ela grite, quebre tudo e faça escândalo. É isso que esperam que a gente faça, mas eu não fiz: apenas consenti e desci para procurar pela moça que tinha me contratado”.
Ela relata o iG Queer que explicou para a funcionária da Vivo o que tinha acontecido e ela imediatamente se prontificou em falar com os demais responsáveis pelo trio para corrigir a situação. “Ela teve que explicar para as pessoas quem eu era. Ela precisou lutar para que eu fosse incluída. Olhando em volta, me perguntei: ‘quantas pessoas trans têm aqui?’. Eu era a única travesti, fora outra menina trans que estava trabalhando lá. Estava me sentindo a cota. A moça que me contratou conseguiu que eu subisse, mas um pouco antes da Gretchen se apresentar, o mesmo rapaz que me tratou mal anteriormente me disse que a própria Gretchen pediu que eu descesse para ela poder fazer o show, sendo que existe um espaço reservado no trio apenas para isso. Novamente, não bati de frente: acatei e desci”, conta.
O iG Queer entrou em contato com a assessoria da cantora Gretchen para colher um posicionamento sobre o ocorrido e o retorno foi: “isso é uma inverdade, uma vez que a Gretchen atende, respeita e abraça a todos nesta causa e luta. Isso não aconteceu em momento algum, pelo menos não vindo da cantora”.
MC Trans desabafa ao lamentar a situação e explica que a falta de comunicação e despreparo em recebê-la vai muito além de um desconforto. “Não é como se eu pedisse champanhe, regalias ou quaisquer luxos. Eu apenas queria fazer o meu trabalho, aquilo pelo qual fui contratada. Cheguei até a dizer para a moça que me contratou que não precisava me pagar o cachê, não tem problema. Mas é muito doloroso passar por esse tipo de situação. Se eu ia até os influenciadores, eles diziam que meu lugar era com os artistas, mas se eu ia até os artistas, me diziam que meu lugar não era ali”.
Ela continua ressaltando o fato de que a própria trajetória, assim como de outras artistas, ainda não é devidamente lembrada. “Eu e MC Xuxú fomos algumas das precursoras a marcar presença no ramo musical como cantoras e travestis. Investi muito dinheiro para gravar em estúdio e conseguir construir minha carreira. Eu tenho um filho, tenho uma vida. Eu e a Xuxú abrimos portas lá atrás para que muitas das travestis que hoje conseguem espaço possam trilhar os próprios caminhos e, sinceramente, não me arrependo. Fico feliz de poder vê-las nos palcos e tendo o sucesso que merecem, mas dói ser destratada e ver que músicas da Xuxú foram tocadas na parada, mas nenhum trio pediu pela presença dela, por exemplo”.
“Naquela época, éramos alvo de piadas na televisão”, acrescenta. “E tínhamos que engolir, senão nem sobreviveríamos. A questão é: por que me tiraram da minha casa para me colocar em um trio sendo que sequer fui tratada como alguém que estava ali para trabalhar? Eu falei para a moça que me contratou: eu posso não ter um milhão de seguidores, mas tenho história sim”.
A artista se abriu com o iG Queer sobre a depressão que enfrenta, e como esse tipo de situação lhe impacta psicologicamente. “Eu tive vontade de pular de cima do trio, porque nosso nome e nossa história apenas são ouvidos quando nós morremos. Aí sim a travesti tem espaço e voz”, desabafa. “No final das contas, quem acaba sem contratação somos nós, mas dessa vez não pude deixar passar e não falar sobre o assunto. Na hora de apresentar os artistas, todos os nomes foram citados, exceto o meu”.
A artista ressalta ainda que, apesar de todos os contratempos, ainda assim conseguiu receber o carinho dos fãs. “Eu fui reconhecida e aclamada pelos que conhecem, amam e respeitam o meu trabalho. Fiquei até a hora em que tinha que ficar, mas por eles. Pelas pessoas que valorizam minha trajetória”.
Após a postagem do desabafo no Instagram, a cantora recebeu comentários de apoio de várias personalidades, incluindo Jotta, artista trans e ex-cantora gospel que desejou forças e o pai da cantora Anitta, que comentou: “Meu amor, fica assim não. As pessoas do staff são ou foram insensíveis. Você tem fibra”.
MC Trans contou com exclusividade ao iG Queer que a Vivo entrou em contato com ela afim de compreender o que aconteceu. A artista esclareceu todas as ocorrências e disse que a empresa se posicionou de maneira coerente sobre o assunto.
“Eles reconheceram que erros foram cometidos e ressaltaram que queriam aprender comigo, que prezam pela diversidade e querem fechar parcerias comigo futuramente. Fiquei quase duas horas falando para eles sobre o que é transfobia, sobre como essas situações são dolorosas. Eles ouviram e admitiram o despreparo acerca da abordagem comigo”, diz.
O iG Queer entrou em contato com a Vivo para conseguir um posicionamento oficial da empresa e o retorno foi: "A Vivo conhece e respeita a trajetória da MC Trans e entrou em contato com ela. A marca reforça que espera seguir com a participação dela em novos projetos".
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