Fernanda, 16 e Cézar Sant'Anna, 34 - Filha e pai
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Fernanda, 16 e Cézar Sant'Anna, 34 - Filha e pai

A maternidade e a paternidade trans são assuntos pouco discutidos, desde a ótica social até médica. Existem pais e mães com filhos após a transição de gênero e aqueles que tiveram filhos antes de transicionar; esse último grupo é ainda mais restrito em debates sobre responsáveis trans, embora existam vários relatos de pais trans em processo de gestação ou adoção por parte das mulheres trans. Ter filho antes da transição gênero é um desafio tanto para quem recebe a notícia quanto para quem anuncia a mudança de gênero.

O caso de Cézar Sant'Anna, 34, é um deles. Ele teve a filha, Fernanda, aos 18 anos, quando ainda ocupava um corpo de mulher e se relacionava com homens. Aos 27 anos precisou contar para sua filha que ele era um homem trans, e agora também, heterossexual (que só se relacionaria com mulher). Na época, Fernanda tinha nove anos. No período inicial, ele relembra que foi um desafio lidar com a sua mudança de gênero, mas que a filha lidou bem com o fato, pois Cézar sempre prezou pelo diálogo com ela.

“Eu sempre carreguei o desconforto com o gênero e o universo feminino, porém não tinha conhecimento da possibilidade de realizar a transição para o gênero no qual me reconheço. Após essa descoberta, eu mergulhei nesse universo de novas informações para entender melhor e amadurecer esse sentimento", diz Sant'Anna.

O pai conta que, ao passo em que descobria mais sobre o universo trans e LGBTQIA+, ele trazia isso para dentro de casa para que a filha entendesse melhor sobre e soubesse lidar com sua transição da melhor maneira possível. Isso fez com que o processo fosse muito mais tranquilo. "Eu trouxe personalidades trans para o diálogo para servir como referência para ela quando eu fosse falar objetivamente sobre meu processo de transição”, afirma.

“Eu sempre me preocupei em oferecer uma educação diversificada, em que ela pudesse conhecer e experimentar a diversidade que existe no mundo, que vai além do nosso modelo familiar tradicional”, acrescenta.

“Nunca teve dificuldade, lógico que no começo tudo era expectativa e não sabíamos exatamente tudo que aconteceria. E por isso, eventualmente, eu a chamo de novo para confirmar se está tudo bem quanto a isso. É bom dar oportunidade de ouvir e falar periodicamente, é como uma revisão. Não que eu creia que ser transexual é algo que pudesse prejudicar minha filha, mas é bom saber isso vindo dela”, enfatiza.

Atualmente, Fernanda tem 16 anos e agora só chama Cézar de pai. Antes, ela já o chamou por pai e mãe: “Eu nunca a obriguei a me chamar de pai. Foi algo que aconteceu gradativamente”. Além disso, ele também tem um enteado que convive com ele desde os seis anos de idade: “Diariamente exerço o papel de pai afetivo dele”.

Ele defende que esses conceitos tradicionais precisam ser repensados e ressignificados, pois a gestação pertence ao corpo que tem útero, e não apenas ao universo feminino: “Não é uma exclusividade de gênero e sim de corpos. Todo corpo possui uma identidade, não há ninguém idêntico a outra pessoa, mesmo dentro da cisgeneridade. Existe um leque enorme de identidades que fogem do padrão, e esses padrões são limitantes demais para os aceitarmos dentro da nossa condição humana, que é diversa”.

“Os adultos geralmente dão mais trabalho que as crianças”

Sant'Anna diz que quando uma pessoa inicia a transição de gênero, todos ao redor iniciam também. Cada um tem o próprio tempo para processar as informações: “Os adultos geralmente dão mais trabalho que as crianças”.

Além da filha, ele também tem sobrinhos e sobrinhas que acompanharam de longe e de perto sua mudança, e nenhum deles apresentou qualquer resistência ou estranhamento sobre a identidade dele. Porém, no caso dos adultos, foi mais complicado.

“Ouvi pessoas próximas trazendo várias questões acerca do desenvolvimento da minha filha e o quanto isso poderia ser prejudicial para ela. Confesso que isso me trouxe alguns medos que não haviam surgido antes, até por oferecer uma educação aberta sobre as diversidades, referências de outras personalidades transmasculinas e conversado muito tranquilamente com ela sobre o que achava disso ou daquilo. Essas pessoas me trouxeram dúvidas da minha própria capacidade de educar e da capacidade da minha filha em me amar independentemente da aparência que eu teria”.

“É um ‘terrorismo emocional’ que fazem. É uma espécie de transfobia também, questionar a capacidade que nós temos de educar e de sermos amados é uma ferramenta de invisibilidade e desumanização da nossa existência”, completa.

“Se uma mãe já é cobrada ao extremo, um pai transexual é cobrado mil vezes mais. Existe um certo policiamento excessivo quanto a nossa paternidade, como se não fôssemos capazes de educar e desenvolver um criança apta para viver socialmente como as demais”, argumenta Cézar.

Ele também produz conteúdo nas redes sociais acerca da sua paternidade trans e busca conscientizar mais pessoas sobre essa realidade.

“É muito importante falarmos sobre esse tema de janeiro a janeiro. A transexualidade é algo já invisibilizado pela sociedade em geral. A paternidade trans, então, é ridicularizada por quem não conhece o tema, quem não se solidariza e explicitamente pelas pessoas transfóbicas que existem fora e dentro da própria comunidade LGBTQIA+. É necessário esse diálogo para que possamos resgatar nossa humanidade e dignidade”, finaliza.

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** Julio Cesar Ferreira é estudante de Jornalismo na PUC-SP. Venceu o 13.º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão com a pauta “Brasil sob a fumaça da desinformação”. Em seus interesses estão Diretos Humanos, Cultura, Moda, Política, Cultura Pop e Entretenimento. Enquanto estagiário no iG, já passou pelas editorias de Último Segundo/Saúde, Delas/Receitas, e atualmente está em Queer/Pet/Turismo.

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