Envelhecer não é um processo fácil para ninguém. Com o passar do tempo, esse corpo, que um dia já foi jovem, começa a desenvolver doenças, exaustidão, presencia perda de amigos ou familiares e precisa lidar com as mudanças inerentes desse processo. Ser idoso no Brasil não é fácil, mas ser um idoso e LGBTQIA+ cria outras dores para esses corpos.
No contexto brasileiro, há 37,7 milhões de pessoas idosas, de acordo com uma pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de 2021, sendo que 3,1 milhões são LGBT+.
Quando se pensa na população idosa do país, há uma tendência em colocar todos em um mesmo nicho, mas é preciso que haja um recorte ao falar sobre o envelhecimento da população LGBT; já que ela precisa lidar não apenas com uma problemática social, mas com duas: ser idoso e ser LGBT.
Ricardo Silva, 55, homem gay aposentado, conta que, para ele, envelhecer foi um processo difícil, pois teve sempre uma preocupação com esse momento em sua vida. Atualmente, ele vive com seu companheiro e está se mudando para o Rio de Janeiro para realizar o sonho de morar na cidade.
A história de Ricardo é semelhante a de muitas pessoas da geração passada: ele só conseguiu se assumir após adulto. Inseridos em uma sociedade homofóbica, machista e com tantos outros problemas já conhecidos, muitos preferem se resguardar.
“Por ter me aceitado e me assumido há pouco tempo, nunca sofri nenhum tipo de preconceito forte, mas ter que me esconder durante tanto tempo sendo o ‘hétero fofinho’ foi um grande sofrimento”, conta ao iG Queer.
“A velhice geralmente traz falta de afetos. No meu caso, estou longe do afeto da minha família, tenho pouco contato. Na questão amorosa tive relacionamentos que me trouxeram afetos, mas com interesses financeiros. No entanto, há três anos vivo um relacionamento com muito afeto e muita verdade”, acrescenta.
Ricardo considera que teve sorte em encontrar ajuda em pessoas e organizações em um período que sempre temeu: o do envelhecimento. Uma organização que foi importante em seu processo foi a ONG EternamenteSOU, espaço criado em São Paulo em 2017 com o objetivo de acolher a população idosa e LGBT+ por meio de serviços e projetos. O intuito da organização é favorecer a inclusão social e o protagonismo de idosos, proporcionando uma velhice digna e com garantia de direitos humanos para os que fazem parte da comunidade.
“Ter um espaço de acolhida onde podemos encontrar atenção e carinho já é muito importante. Mas quero que isso se expanda, pois as pessoas precisam continuar lutando pela criação e manutenção de direitos, além da garantia de aplicação dos direitos já conquistados. É preciso criar mais espaços onde possamos colocar nossas opiniões e nossos dons a serviço de outros e de nós mesmos”, argumenta Silva.
Dora Cudignola, 69, professora lésbica aposentada e vice-presidente da ONG EternamenteSOU, relata que a organização foi muito importante em sua vida.
Assumida, assim como Ricardo, após a vida adulta, ela relembra que após se separar de seu marido e ter uma filha, resolveu se assumir para todos. Com isso, descobriria no futuro que sua filha era como ela: uma mulher lésbica.
“A nossa sociedade ainda tem muito preconceito e discriminação e nós ainda temos que batalhar para isso acabar. Hoje eu sou feliz, idosa e lésbica, mas não foi fácil”.
Dora aponta um medo que ainda tem: o de andar de mãos dadas ou beijar sua companheira na rua; não apenas por ser lésbica, mas por ser idosa. Ela celebra os jovens que fazem isso: “Acho lindo e sempre tenho vontade de parar e falar que eles podem fazer isso graças às lutas que passamos no passado”.
Quando fez 30 anos, a professora passou a ter medo de envelhecer: “Tinha medo de rugas, do andar dos idosos e a maneira deles precisarem de alguém. Eu sempre andava na rua observando isso e tinha medo”.
Quando chegou aos 50 anos, viu que ainda era uma pessoa cheia de vigor, com inúmeras vontades, desejos e sonhos. “Isso fez com que eu dissesse: ‘Olha, se eu cheguei aos 50 anos com tudo isso, feliz, alegre, amando e disposta a dançar, envelhecer não é tão ruim'”.
“A EternamenteSOU chegou para mim no momento certo. Estava em um processo de luto desde 2014. Minha filha que me apresentou a ONG, fui em um coral que tinha com os idosos LGBT+ e, conheci o Rogério Pedro [idealizador e presidente da ONG]. Ele me apresentou propostas e projetos que aconteciam por ali, e nunca mais saí”.
Ela narra que o espaço é muito importante para a população mais velha da comunidade. “É quando nós chegamos na idade avançada e não temos com quem conversar, sair ou até falar de nós mesmos. A EternamenteSOU é justamente esse espaço que junta todos os que precisam desse local”.
Na pandemia, a organização, mesmo fechada, conseguiu atender as pessoas de maneira online, oferecendo cursos, seminários, atendimentos psicológicos e até assistência jurídica com os advogados e outros profissionais que atuam de maneira voluntária para a preservação de sua continuidade.
Ela se orgulha de fazer parte do projeto, pois reconhece nele a potência dela própria para subverter a visão que a sociedade coloca acima dos corpos idosos e, sobretudo, LGBT+. Dora também pensa que os idosos estão sendo esquecidos, mas são nesses espaços que conseguem se empoderar e criar espaços para não deixarem que esse discurso recaia sobre eles. É um meio de se reafirmem e de não serem esquecidos.
“Nós queremos paz, amor, liberdade e viver feliz, da maneira melhor possível. Tudo isso em conjunto, porque sozinho nós não somos nada. Só venceremos juntos”, finaliza a aposentada.
Agora você pode acompanhar o iG Queer também no Telegram! Clique aqui para entrar no grupo. Siga também o perfil geral do Portal iG.