Geraldo Maia chamou a atenção do público e dos jurados ao se apresentar no The Voice +
, da TV Globo,
durante a fase de “audições às cegas” exibidas no dia 17 de janeiro. O cantor recifense de 61 anos interpretou um clássico de Luiz Gonzaga, "Estrada de Canindé", e conquistou os quatro componentes do júri: Daniel, Claudia Leitte
, Ludmilla
e Mumuzinho
.
Além da interpretação original da canção, ele também deixou sua marca ao falar abertamente em rede nacional sobre sua homossexualidade
, apresentando o marido, John Holtappel, de 63 anos, com quem está junto há 29 anos.
O candidato do time de Mumuzinho – que em Pernambuco já é um nome forte da música, com 11 álbuns de estúdio – conheceu seu marido inglês em 1991, em um bar gay da vila Armação de Pêra, que fica na região do Algarve, em Portugal
, onde Geraldo fazia um pequeno show.
“Era uma noite fria, de inverno. Tinha pouca gente no bar e ele estava no balcão, sozinho, tomando whisky. Acho que gostou da voz do cantor, em primeiro lugar, e do cantor também. Nos intervalos, eu descia do palco e ficava conversando com ele, no balcão. Assim a gente foi se ‘engraçando’ um pelo outro. Dois meses depois, estávamos morando juntos”, lembra Maia ao falar do início da relação que dura até hoje: “Ele está muito próximo de mim o tempo todo”.
Nascido no norte da Inglaterra
, John morava no vilarejo português há pouco mais de três anos, fugido do frio severo, já que a região é a parte mais quente de Portugal. “John adora a Inglaterra, mas sempre gostou muito de sol”, comenta o cantor. Por sete anos, o casal continuou morando na região do Algarve e, depois, quando Geraldo voltou para o Recife, capital de Pernambuco, John foi com ele.
No Brasil, firmaram uma união estável homoafetiva e viveram, até 2012, no Recife, quando foram morar em um sítio em Taquaritinga do Norte, que fica a 192 km da capital, no agreste do estado
. “Construímos a casa em 2009 e em 2012 viemos para cá. A gente sempre quis ter uma vida mais reclusa, em contato com a natureza", diz.
Apesar de estarem sempre juntos, quando está compondo letras de músicas ou ensaiando novas interpretações para canções de outros artistas, Geraldo Maia diz que precisa ficar sozinho e se afastar um pouco do companheiro para se concentrar. “Eu me tranco num quarto. Hoje, tenho o privilégio de morar no meio do mato. Então é muito fácil encontrar um ‘escape’, basta ir para debaixo de uma árvore”, diz. Mas, assim que finaliza o seu processo criativo, tem no companheiro a sua primeira plateia.
“Eu me habituei a dar muito espaço para ele, do mesmo modo que ele me dá espaço para trabalhar com música. Acho que o respeito, a busca pelo equilíbrio e sempre nos entendermos foi o que nos manteve vivos, sãos e salvos até hoje. A gente tem muito respeito pelo espaço um do outro. Ele é o cúmplice maior da minha vida, admira o que faço, me respeita, torce por mim e me ajuda sempre que possível. Ele é uma pessoa presente em tudo o que faço. Além disso, é muito crítico também: quando não gosta, diz de forma direta e objetiva. É um parceiro muito importante na minha vida”, afirma Maia.
Em seu último disco de estúdio, “Avia”, lançado em 2015, Maia canta uma música escrita por John. “Changes” é uma releitura niilista da canção “The Times They Are A-Chagin”, de Bob Dylan
, e é a única em inglês dos 11 álbuns do cantor, que demonstra preferência pelas referências brasileiras como samba pernambucano e MPB.
“Bob Dylan escreveu nos anos 1960 uma letra otimista, com aquela efervescência dos hippies, paz e amor. Já a letra de John é o oposto, é o pessimismo sobre esse momento que já estamos vivendo há um tempo”, explica o cantor.
Visitando o passado
Nem sempre foi assim na vida de Geraldo Maia. Filho de pais portugueses e caçula de oito irmãos — outros três homens e mais quatro mulheres — perdeu a mãe aos cinco anos de idade, de forma repentina, e teve a figura paterna como sua maior referência da infância. Com a influência do pai, que nunca se formou em uma universidade, mas lia muito, o cantor conheceu livros de Eça de Queiroz, Dostoievski e Gracilianos Ramos, mas também aprendeu a repreender a sua sexualidade.
“Meu pai era um protótipo do ‘machão’, com todos os estereótipos, e desejava que eu e meus três irmãos fôssemos ‘homens’ e casassem. Eu era o espelho dele. O medo que eu tinha que ele descobrisse que eu era gay me fez namorar várias mulheres. Inclusive, ele achava que eu era um 'Don Juan' porque havia muitas meninas atrás de mim, que viviam ligando para a minha casa. Na época só havia telefone fixo. Ele achava aquilo o máximo, mas era tudo mentira”, afirma.
Apesar do período não ter sido muito longo, até hoje Geraldo lembra daquele momento como uma fase de sofrimento que viveu e não deseja que ninguém viva a mesma situação.
“Eu nunca fui às vias de fato com nenhuma delas. Eram só uns namoricos. Era ruim para mim e para elas, que me desejavam, mas viam que havia alguma coisa que não dava certo. Era um sufoco, um sofrimento. Não desejo aquilo para ninguém", relata. "Tem gente da minha idade que, até hoje, está fazendo isso. Conheço vários homens que são casados com mulheres e que vivem uma vida desassossegada, continuam fazendo o que eu fazia, mas há quarenta anos. Deus me livre! Acho que tenho uma pulsão dentro de mim muito forte pela vida sincera e honesta. Todo o meu percurso na vida pessoal e profissional foi em busca de caber por inteiro, sem me camuflar”, completa.
Geraldo diz que o pai tinha muito medo de que ele fosse gay e que sempre desconfiou. Apesar disso, os dois nunca chegaram a conversar “olho no olho”, como ele fala, sobre o assunto. Quando veio de Portugual ao Brasil às pressas, para se despedir do pai, que estava muito doente, não havia mais espaço para falar sobre a sua sexualidade. "Uma pena porque foi uma questão que me amargurou a vida toda e, com certeza, a ele também”, lamenta.
Quase como uma compensação, as famílias dos dois lados lidam muito bem com o fato deles serem homossexuais e nunca houve nenhuma situação de discriminação, segundo Geraldo. “Eles me aceitam como a pessoa que é casada com John, como marido, e os meus irmãos a mesma coisa: tratam ele como cunhado. É uma relação bem tranquila”, diz.
Filhos
Durante um período longo da vida do casal, John teve vontade de adotar uma criança, um filho, para aumentar a família, mas Geraldo, que nunca quis ser pai, declara que foi firme ao se colocar contra a ideia. “Nunca quis, nunca senti falta e nunca procurei entender porque eu não sinto falta. Simplesmente não passa na minha cabeça. Hoje, John está tranquilo com isso, com a ideia de que não será mais possível”, diz Maia.
O casal preferiu outras criações: vivem com 16 gatos, quatro cachorros e três burrinhos no sítio onde moram. Antes, chegaram a ter 15 cachorros, alguns dos quais morreram de velhice.
De acordo com Geraldo, ele e John nunca foram vítimas de preconceito
, apesar de reconhecer que o Brasil é um país “machista, conservador, homofóbico, ‘careta’”. Para ele a violência e a discriminação são generalizadas, mas mais impactantes em nichos específicos, como para as populações negra, trans e nas periferias.
“Se houve [ discriminação
], foi de uma forma disfarçada. Não digo que todas as pessoas que convivem comigo e John aceitam a nossa relação com espontaneidade e compreensão. Não é assim. Mas nunca sofremos nenhum tipo de discriminação. É um pouco de sorte e também por sermos brancos, de classe média e um casal discreto. Há um certo pacto de convivência e tolerância no grupo social do qual fazemos parte”, afirma.
Entre as maiores felicidades que viveram como cúmplices de toda uma vida, oferecendo apoio e compreensão um ao outro, o artista lembra das viagens que fizeram como casal. “O grande ‘barato’ que a gente viveu foi viajar, tivemos grandes alegrias em viagens na Europa e no Brasil: Chapada Diamantina, Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei, Buenos Aires... Quando morávamos em Portugal, íamos muito a Sevilha, na Espanha, era lindo, maravilhoso. Fizemos viagens lindas".
Hoje, Geraldo Maia diz estar totalmente envolvido com The Voice +: “Está tomando conta da minha vida de uma forma muito prazerosa. Acho que é janela muito poderosa, eficaz e pertinente que se abriu nessa hora que estamos vivendo. Estou muito feliz”.
Confira a apresentação de Geraldo Maia nas audições às cegas do The Voice +: