Edith Modesto trabalha há mais de 30 anos com a comunidade LGBTQIA+
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Edith Modesto trabalha há mais de 30 anos com a comunidade LGBTQIA+

Foi quando o filho Marcelo contou que era gay que Edith Modesto teve o primeiro contato com a comunidade LGBTQIA+. Em 1989, o rapaz estava com 19 anos e a mãe teve uma experiência "pavorosa" com a descoberta. Para tentar compreender o filho, ela decidiu conversar com outros homens gays e entendeu que a sexualidade é apenas mais uma característica da pessoa. Nessa busca, a mãe de Marcelo e de outros seis filhos fundou o Grupo de Pais de Homossexuais e, passados mais de 30 anos do primeiro contato com a diversidade, o trabalho dela só evoluiu.

Edith, hoje com 83 anos, é psicanalista, doutora em sexualidade, escritora continua trabalhando pelo respeito à diversidade. Ela já ajudou inúmeras mães e pais a aceitarem seus filhos, foi uma das fundadoras do grupo Mães pela Diversidade, atende pacientes no consultório e, atualmente, trabalha com os idosos LGBTQIA+, na organização EternamenteSOU que trabalha com um espaço de convivência e ajuda psicossocial para esse público, em São Paulo. Em entrevista ao iG Queer, ela relembrou um pouco dessa trajetória e falou sobre maternidade, preconceito e aceitação.

Queer: a senhora começou a trabalhar com a comunidade LGBTQIA+ quando seu filho se assumiu gay, há 31 anos. Na época, você já tinha suspeitas da sexualidade dele?
Edith: Nunca imaginei que tivesse um filho homossexual, nunca suspeitei de nada. Na época, eu sabia que os homossexuais existiam, mas não pensava nisso. Era uma coisa que não me dizia respeito. Achava que era uma coisa que deveria existir, mas em outra cidade ou em um bairro longínquo.

Queer: Como você se sentiu ao descobrir que seu filho é gay?
Foi horrível, foi um pavor, foi um horror. Não me conformava de jeito nenhum, eu não queria perder o meu filho. Sentia como uma morte. Toda vez que conversava com ele, eu brigava. Não aceitava. Pensei que precisava conhecer essas pessoas, então comecei a entrevistar gays para saber quem eram. Conheci jovens gays que me trataram muito bem, me pegaram no colo e se tornaram meus amigos. São meus grandes amigos até hoje. Vi que ser gay é uma característica a mais. Aprendi com eles e agradeço muito pela paciência que tiveram.

Quando você percebeu que já aceitava completamente a sexualidade do seu filho?
Foi aos poucos. A aceitação não se dá toda de uma vez. A gente vai aceitando aos poucos. Quando você fala para alguém ‘meu filho é gay’ e é indiferente, não é um orgulho nem um sofrimento. Às vezes, você precisa falar, mas nem sempre. Não fede nem cheira. Quando começou a acontecer isso, vi que tinha aceitado completamente que é uma característica dele.

Como é para mães e pais descobrirem que eles têm um filho LGBTQIA+? Existe alguma fase em comum pela qual as pessoas passam?
No início, há um luto. Não tem como não haver. Porque você tem um filho e o médico fala: é um menino. Na sua cabeça, aquele menino é hétero. Não tem como pensar que aquele filho pode ser gay. Essa possibilidade não ficou naturalizada ainda. Nasceu menino ou menina, é hétero. Trans, então, nem se fala. Quando a criança começa a mostrar que não é bem assim, os pais passam por um processo de luto. Aquele menino hétero vai morrer simbolicamente e, no processo de aceitação, vai renascer. É muito bonito isso, porque renasce o filho. É uma coisa muito mágica, muito misteriosa. Depois, há uma fase de um estranhamento. Uma dificuldade até de conversar, de olhar para o filho. O filho aparece, a mãe estranha. Isso existe, é triste para caramba. A mãe sofre muito quando ela sente isso, mas a maioria delas sente. Por um segundo, ela olha e pensa: ‘cadê meu filho hétero?’

Você ajuda pais a aceitarem os filhos LGBTQIA+ há mais de 30 anos. Ao longo desse tempo, você viu alguma mudança nesse processo?
Um pouco, mas não muito. Hoje em dia, já se fala muito mais da possibilidade de uma orientação sexual diferente. Eles chegam um pouco melhor, mas pouco. Esse luto ficou menor, mas existe. A gente tem que entender que ele existe. Se a gente não permitir que a pessoa passe pelo luto, a aceitação fica malfeita. Eu converso com mães que pensam que já aceitaram o filho. ‘Se eu tivesse outro filho, queria que ele fosse gay’, elas dizem. Quando começa esse papo, já fico desconfiada. É o outro lado da medalha. O exagero aponta problema. Vai ter um dia que isso não vai acontecer. Quando se naturalizar a possibilidade de um filho nascer e ser gay. Ele nasce e os pais pensam: ‘será que ele é gay? Será que ele é hétero?’. Aí não vai ter luto, vai ter uma expectativa só. Ele pode se gay, pode ser hétero, pode ser bi, pode ser trans...

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Em toda sua trajetória, qual caso mais te marcou?
Uma família que eu não consegui ajudar. Fiz de tudo. Uma mãe que não aceitava de jeito nenhum. Não teve jeito de ajudar esse rapaz. Acredito que ela tem muitos problemas, e não é só o fato de o filho ser gay, mas problemas psíquicos. Sempre ajudo, nem que seja um pouco. Essa, eu não consegui. Mas há outros que foram uma maravilha, que a família chegou esfacelada e, em pouquíssimo tempo, todo mundo repensou.

Qual o primeiro passo para uma pessoa romper com o preconceito?
A gente aceitar que tem o preconceito. Meio mundo acha que não tem. Todos nós temos preconceitos contra todas as minorias. Tem alguns preconceitos que a gente tem menos, outros a gente tem mais. Mas a gente tem.

Você se considera uma pessoa preconceituosa?
Há 30 anos eu trabalho com LGBTs. Se eu tenho algum preconceito com LGBTs, deve ser muito pequeno. Mesmo assim, não posso garantir que não tenha nenhum. Faço um esforço enorme para diminuir os meus preconceitos, mas não sou tão feliz assim. Volta e meia, eu me percebo preconceituosa. Tenho um preconceito cultural enorme. Sempre brinco com os meus filhos: acho que não vou conseguir morrer sem preconceitos. Isso é uma tristeza.

Atualmente, você tem trabalhado LGBTQIA+ na EternamenteSOU, ao invés das ações com as famílias. Por que decidiu fazer essa mudança?
Fui de dificuldade em dificuldade. Eu vou atrás de quem precisa mais. Primeiro, tinha um monte de mães que precisavam de uma ajuda para a aceitação de seus filhos. Hoje, é difícil ser um velho gay, ser uma velha lésbica. Aliás, é difícil ser uma velha hétero. Agora, se é difícil para os velhos heterossexuais, você já imaginou para os velhos homossexuais? Ser velho trans? Que quase não tem, porque alguém mata eles antes.

No que consiste seu trabalho na organização?
Estou desde o início na EternamenteSOU. Eu sou madrinha e consultora. Também estou fazendo uma live toda sexta-feira à noite sobre algum tema livre, cada semana escolhemos um.

Q ual o maior problema que um idoso LGBTQIA+ enfrenta?
São problemas no plural. Soma-se o preconceito ao idoso, que existe muito forte no Brasil, com as dificuldades enfrentadas pela comunidade LGBTQIA+.

Que conselho você daria para um pai ou uma mãe que está com dificuldade de aceitar o filho LGBTQIA+?
Que ligue para mim.

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