Benjamín Damini fala sobre a carreira e transgeneridade
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Benjamín Damini fala sobre a carreira e transgeneridade

O Brasil conheceu Benjamín Damini, 21, quando ele interpretava a vilã Martinha na novela "Malhação - Toda Forma de Amar", da TV Globo. Poucos meses depois do último episódio ir ao ar, o artista contou que é um homem trans em um post no Instagram. Nesta entrevista ao iG Queer, Benjamín fala sobre a música ter se tornado uma maneira de se expressar melhor, do difícil período escolar -- "Eu era muito ofendido" -- e que não acredita no pensamento de que teria nascido no corpo errado: "Meu corpo é meu corpo". Ele fala, também, sobre família, depressão, terapia e as novas músicas que pretende lançar em 2021. "Tenho muita história para contar", diz. 

Queer: Depois de "Malhação", você lançou a música e o clipe “Gela”. Você pretende se dedicar à carreira musical ou ainda quer atuar?
Benjamín: São coisas que se complementam. Todos os conhecimentos que eu tenho na área de atuação, acabo usando com a música. Mas chegam alguns momentos em que tenho que escolher. Neste momento, de fato, estou focando na música. Preciso muito da música, colocar as minhas composições no mundo. Acabei fazendo essa escolha, mas sempre me mantenho aberto para possibilidade que possam aparecer. É um momento da minha vida em que eu tenho muita história para contar, muitos sentimentos para compartilhar e a música me dá uma liberdade maior de ser o Benjamín, e não um personagem. Eu estava precisando muito disso.

Você contou que é um homem trans depois do fim de "Malhação". Houve algum motivo pelo qual você preferiu esperar?

Eu precisava do meu tempo para entender melhor o que estava acontecendo comigo, o que eu estava sentindo e me sentir preparado. A recepção poderia ser boa, mas poderia não ser. A gente vive em um país que é muito transfóbico. Precisei desse tempo para me estruturar psicologicamente, para lidar com todos os cenários possíveis.

Quando você realmente entendeu que é um homem trans?
Tenho lembranças desde muito pequenininho, que eu tinha uma identificação muito maior com o gênero masculino, desde muito cedo. Sabe quando dá um estalo de consciência? Eu tive alguns e não quis olhar. Fiquei postergando até que chegou a pandemia e eu não tinha mais como fugir de mim. Sempre fiz terapia e isso acabava aparecendo, às vezes, mas nunca era algo que eu queria parar para ver. A pandemia me colocou nesse lugar. Eu me dei a chance de me resgatar, porque é quem eu sempre fui.

Você escreveu um texto no seu Instagram no qual você diz que, quando tinha por volta de três anos, pensava que havia nascido no corpo errado. Do que você se lembra dessa época?
Tenho algumas memórias e muitas delas acabam girando em torno desse senso comum: ‘nascer no corpo errado’. Não acredito que pessoas nasçam em corpos errados. Não acredito em corpos errados. Para mim, existem apenas corpos. Quando eu era criança, tinha essas questões com o meu corpo, de achar que nasci errado. Demorou muito tempo e estudo para entender que não é bem assim. O meu corpo é o meu corpo.

No post, você também fala de uma agressividade contra a família e colegas de escola. Como era isso?
Eu era uma pessoa muito reativa. Eu não me ouvia, então, como eu poderia ouvir outras pessoas? Não gostava de ser contrariado. E, na escola, ouvia muitas coisas: o tempo inteiro me chamavam de ‘maria-macho’ -- e eu não suportava e brigava com as pessoas. Isso acontecia sempre. Todo dia, na escola, era uma briga por conta disso. Era uma questão de defesa. Eu era muito ofendido.

Quando era mais jovem, você escreveu um texto sobre um garoto chamado Benjamín e que tinha muitos sentimentos. Era sobre você?
É muito louco isso: por mais que não fosse algo consciente, eu estava escrevendo sobre mim. Hoje, quando leio o texto, percebo que é um desabafo. Falo muito sobre mim. Percebo que escolhi o meu nome naquele momento, quando estava escrevendo aquela história. Mas não tinha essa consciência. Foi algo que eu reprimi muito.

Se pudesse, você daria um conselho para o seu eu do passado?
Falaria para eu me abrir para mim mesmo, para eu me ver e me ouvir. Também falaria para ter paciência, porque uma hora as coisas vão se encaixar e fazer sentido. Diria para ter paciência porque eu vou me encontrar.

Toda essa situação, de você não conseguir se compreender, causou algum reflexo psicológico para você?
Tive dois episódios depressivos. Fiz tratamento, fiz terapia e é algo que eu sempre friso que é importante: buscar acompanhamento psicológico. Acredito que as duas depressões que tive foram por eu estar muito perdido dentro de mim e não conseguir lidar com o que acontecia ao meu redor.

Qual foi a reação da sua família e dos seus amigos quando você contou para eles que é um homem trans?
Foi de muito acolhimento. Tenho muita sorte de ter pessoas que me amam e me acolhem. Foi uma benção, que eu sei que não são todas as pessoas trans que têm. 

Você viu?

Qual foi a principal mudança que se compreender como homem trans trouxe?

Me deu um alívio muito grande. Parece que saíram 100 quilos das minhas costas. Poder ser você mesmo é tão gostoso e eu nunca havia experimentado isso. Passei a vida inteira tentando ser alguém que eu não sou. O benefício é poder viver leve e feliz.

Jovens trans procuram você?
Sim. Recebo muitas histórias bem emocionantes. Até de familiares que viram entrevistas ou me encontraram na internet e conseguiram aceitar a transgeneridade dos filhos. Isso é muito importante. É onde sei que estou acertando: cada vez mais desmistificar as coisas. Muitas pessoas me procuram e eu me sinto muito confortável nesse lugar. Gosto e quero falar sobre isso.







Você já tem planos para 2021?

Temos muitos planos para 2021, muitos singles soltos para serem lançados. Também já estamos em fase de pré-produção do meu álbum. Planejo lançar no próximo ano, e estou bem empolgado. Meu maior sonho profissional é colocar esse álbum no mundo e ter a minha própria turnê. Quero muito fazer meu show autoral.

E seu sonho pessoal?

É me manter fiel à minha essência. Por muitos anos, não me permiti viver isso, porque a sociedade me cobrava outra coisa. Isso virou o meu ouro e quero poder matê-lo.

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