O técnico em enfermagem Daniel Rocha Braz viu sua vida virar de cabeça para baixo há cerca de quatro anos. Na época, seu marido, Jhonatan Williantan da Silva, decidiu que queria adotar cinco crianças — todas primas de segundo grau dele, que tiveram sua criação negligenciada pela mãe.
São elas: Douglas, de 13 anos, Wendel, de 8, Harry, de 6, Yarah, de 5, e João Miguel, de 3. O casal de Rio Claro, no interior de São Paulo , começou então a saga para formalizar todo o processo de adoção.
A história ganhou repercussão notável em 2023, quando Daniel e Jhonatan foram convidados para ir ao programa “The Wall”, atração do “Domingão do Huck” (TV Globo). Na atração, eles tentariam ganhar dinheiro para comprar a casa própria da família.
O sonho, contudo, foi interrompido no dia 4 de março de 2023, antes do programa ir ao ar, com a notícia da morte de Jhonatan. Abalado, Daniel continuou lutando para que o desejo do marido fosse realizado: que os nomes dos dois estivessem na certidão de nascimento dos cinco filhos.
O começo da saga
O técnico em enfermagem explica que Jhonatan era o único familiar que queria adotar as crianças quando foram recolhidas da mãe. A ideia era adotá-los para que não fossem separados.
“No começo eu não quis! Fiquei com medo, pois a gente estava adotando as crianças no meio da pandemia”, revela ele em entrevista ao iG Queer . “Na época, eu estava me formando na área de enfermagem. Eu falei para o Jhonatan que tinha que pensar. Falei para ele que a gente ia passar necessidade. Ele falou: ‘Não, a gente vai adotar as crianças’ e pegou elas.”
Inicialmente, eram quatro irmãos, contudo, durante o processo de adoção, a mãe ficou grávida novamente e teve um quinto filho. A assistente social entrou em contato novamente com o casal, que aceitou acolher o bebê.
A ideia de receber o recém-nascido não foi aceita de prontidão por Daniel, que brinca que ficou “um mês bravo”. Ele admite ainda que no momento pensou apenas em si e na forma como se sentia sobre a questão.
“Eu me senti muito egoísta, porque eu fiquei com medo de perder ele para as crianças. Eu pensei só em mim. Não pensei nas crianças. Mas eu tenho certeza que essas crianças foram feitas para mim”, diz o pai com os olhos marejados.
Meses de incertezas
O processo corria bem. A guarda estava no nome de Jhonatan, quando chegou o fatídico dia 4 de março de 2023. O jovem de 29 anos foi internado às pressas em uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e não resistiu ao mal súbito.
A morte do marido causou incertezas a Daniel, especialmente sobre como ele conseguiria seguir sem o companheiro e, agora, com cinco filhos: “Quando o Jonathan faleceu, eu fiquei a ‘Deus dará’. Eu perguntei: ‘Meu Deus, como é que eu vou fazer agora?’ Não tinha dinheiro para pagar a advogada, as crianças só estavam no nome do Jhonatan, o que eu ia fazer?”
Daniel explica que, assim que o marido faleceu, a guarda dos filhos passaram a ser do Estado. Ele, então, fez de tudo para que as crianças não voltassem para a Casa Lar — instituição onde menores ficam antes de serem adotados.
“Antes dele falecer, ele me pediu: ‘Não abandone as crianças’. Eu prometi que não abandonaria, mas fiquei inseguro. Eu chorava. O Douglas, de 13 anos, me olhava e falava: ‘Você vai deixar a gente voltar para a Casa Lar?’"
Na época, a responsável pelo caso era a advogada Sâmoa Martins, que atua na cidade de Natal , capital do Rio Grande do Norte. A advogada conheceu o casal durante uma live no Instagram e decidiu que ajudaria os maridos a conseguirem a guarda dos cinco filhos. Ao saber da morte de Jhonatan, Sâmoa foi até Rio Claro, ajudar o técnico em enfermagem na busca pela guarda provisória.
A profissional explica que em um processo de adoção, independentemente da orientação sexual do casal, os requisitos são os mesmos. “Idade adequada, ter residência física, ter renda familiar e não ter antecedentes criminais; ou seja, uma reputação ilibada”, descreve ela ao iG Queer . “[É necessário também] provar que tem capacidade física e mental para cuidar da criança adotada.”
Para dar início em um processo, basta comparecer à Vara da Infância e da Juventude da comarca da cidade onde o solicitante mora, portando RG, CPF, comprovante de residência, comprovante de renda, atestado de sanidade física e mental, e fotos que comprovem residência apta para receber uma criança.
A partir disso, a pessoa preenche um formulário de adoção que dá início a todo o trâmite judicial, explica a advogada. O processo de habilitação demorar cerca de 120 dias.
No caso de Daniel e Jhonatan, Sâmoa diz que houve um desafio em conseguir convencer o juiz de que “apesar de Jhonathan ter morrido antes do protocolo da adoção finalizar, Daniel já exercia essa vinculação, ou seja, ele já era pai das crianças.”
Segundo ela, “essa modalidade de adoção não é conhecida pelos juristas. Mas, é plenamente possível. Se é expressado pelo falecido antes da morte que tinha desejo de adotar aquela criança, ela deve sim ser protocolada pelo companheiro, e o nome do falecido deve estar na certidão pela expressão da vontade antes do falecimento.”
Final feliz
Após quase um ano da morte de Jhonatan, finalmente Daniel conseguiu o que tanto almejava: o nome dele e do marido na certidão de nascimento das crianças.
“Prometi para o Jho que vou ver o nosso nome na certidão de nascimento das crianças, que era o que ele tanto sonhava. Agora elas têm o nosso nome!”, comenta ele que explica que o nome de Jhonatan consta no documento como uma adoção póstuma — quando o requerente consegue a inclusão do nome na certidão após a morte.
Para Daniel, o momento em que chegou no cartório e leu os nomes foi um “de muita emoção”. “Peguei aquela certidão e chorei. Lembrei que a gente passou por momentos de luta, que a gente sofreu junto, que a gente pensou que não ia conseguir. Chorei no momento que olhei o papel, e quando vi o nome do Jhonatan senti a falta dele.”
Com a certidão em mãos e a guarda definitiva dos cinco filhos, Daniel agora é o guardião legal das crianças, tendo plenos direitos como pai.
“Antes das certidões, eu me sentia muito desconfortável. Quando eu ia no hospital, ou se a gente fosse fazer alguma viagem, era uma burocracia, pois eles sempre pedem a certidão de nascimento e perguntam quem são os pais, e é muito chato isso para mim, já que as crianças não estavam com o meu nome nos documentos”, relata o pai.
A história do técnico em enfermagem acabou ganhando grande repercussão na internet e ele atingiu a marca de mais de 160 mil seguidores no Instagram. No perfil, Daniel compartilha suas histórias e a rotina cuidando dos seus filhos, além de receber doações. Ele descreve sua presença na internet como “representatividade”.
“Têm muitos pais que, às vezes, não conseguem fazer nada do que eu faço no dia a dia e se espelham nos meus vídeos. Eu acho muito interessante e muito legal”, finaliza.