As mães Carla e Lara, Val e Lika, Marcela e Melanie, Anna e Iza e Bruna e Camila compartilham sua história de dupla maternidade
iG Queer/Julio Cesar Ferreira
As mães Carla e Lara, Val e Lika, Marcela e Melanie, Anna e Iza e Bruna e Camila compartilham sua história de dupla maternidade


“Ser mãe sempre foi nossa vontade, então quando nos conhecemos já sabíamos que seríamos ser mães juntas. Com sete anos de relacionamento decidimos que era a hora de aumentar a família”, conta o  casal de mulheres lésbicas Bruna Lourenço Vioto, 30, psicóloga e Camila Lourenço Vioto, 30, arquiteta. Juntas, elas mostram o dia a dia do casal e da maternidade no Instagram @2maeseosgemeos.

Mães dos gêmeos Marina e Valentim de 3 anos, elas vivem em Salto, interior de São Paulo, e optaram pela Fertilização In Vitro (FIV) , um tratamento de reprodução assistida que consiste em realizar a fecundação do óvulo com o espermatozoide em um ambiente laboratorial, formando embriões que são cultivados, selecionados e transferidos para o útero da mãe posteriormente.

“Optamos pela FIV por ser um procedimento com maiores chances de vir o positivo. Além disso, conhecíamos amigas que já tinham feito o procedimento e nos sentimos mais confiantes que conseguiríamos o positivo mais rápido”, completam.

Juntas há quase 11 anos, elas se conheceram no último ano do ensino médio, nutrindo apenas uma amizade de dois anos, e só em 2012 ficaram pela primeira vez, e todo aquele sentimento que permanecia guardado foi aflorado e fortalecido.

Bruna e Camila escrevem uma mensagem para Marina e Valentim ler no futuro
iG Queer/Julio Cesar Ferreira
Bruna e Camila escrevem uma mensagem para Marina e Valentim ler no futuro

Assim como Bruna e Camila, as mães da capital paulista Marcela Tiboni, 40, escritora e influenciadora e Melanie Graille, 33, consultora imobiliária, também tiveram gêmeos e escolheram a FIV como método de concepção. Seus filhos, Bernardo e Iolanda de 4 anos estão sempre aparecendo nas redes sociais de Marcela, que é autora de três livros que abordam a questão da maternidade lésbica : “Mama: relato de maternidade homoafetiva”, “Maternidades no plural: retratos de diferentes formas de maternar” e “Desmama: memórias de uma mãe com outra mãe”.

Unidas há 10 anos, elas se conheceram enquanto efetuavam uma pós-graduação. “O desejo da maternidade nos uniu muito rápido, e isso nos colocou muito próximas desde sempre”.

Marcela conta que, no começo, estavam envoltas de um grande desconhecimento quando buscaram um método para terem os filhos, pois ainda tinham muitas dúvidas de como duas mulheres na ausência de um sêmen poderiam engravidar. “Se falava muito pouco sobre a maternidade lésbica quando a gente fez, que foi entre 2017 e 2018, mal sabíamos a diferença entre inseminação e fertilização, só na clínica que escolhemos soubemos um pouco dessa diferença”.

Marcela escreve uma mensagem para Bernardo e Iolanda ler no futuro
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Marcela escreve uma mensagem para Bernardo e Iolanda ler no futuro

“A maternidade esteve muito vinculada à constituição familiar. Uma das justificativas sociais da mulher era a procriação e cuidado da prole; ela era vista apenas como um acontecimento biológico. E hoje, sabemos que a maternidade é uma construção social, uma vivência sócio-histórica em que contempla o cuidado e o envolvimento afetivo”, explica a psicóloga clínica Fabiana Jacopucci.

Para ela, a maternidade é uma questão extremamente complexa e é preciso refletir sobre o desejo de engravidar e de ser mãe “que são coisas diferentes, mas que podem caminhar juntas”, afirma.

Carla Sarcinelli 33, engenheira e Lara Espindula, 34, enfermeira e terapeuta integrativa são mães por adoção. Os seus filhos Jovana, 8, e Lorenzo, 4, chegaram até elas juntos em 2021, com 2 e 6 anos.

Elas se conheceram em 2005, mas só eram amigas até então. Em 2006 o primeiro beijo entre elas aconteceu, como eram muito novas, o relacionamento durou apenas três meses. E entre encontros e desencontros, voltaram a se relacionar em 2009. Juntas há 14 anos, Carla sempre quis ser mãe desde pequena. Lara, por sua vez, tinha o desejo de aumentar a família ao lado da Carla.

Carla e Lara escrevem uma mensagem para Jovana e Lorenzo ler no futuro
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Carla e Lara escrevem uma mensagem para Jovana e Lorenzo ler no futuro

“Em nossas conversas sempre falávamos em filhos por adoção e filhos também gestados. Mesmo após quase todo o processo para FIV, sentimos em nosso coração que a melhor escolha era a adoção, e aí nos preparamos entrando na fila”, explica Lara. Elas deram entrada no processo de adoção em 2018 “decidimos deixar rolar, sem pressa, sem ansiedade que no tempo certo as coisas aconteceriam”, e deu.

Val Lobato, 27 e a Lika, 33 também compartilham a maternidade dupla do casal no Instagram @cookiesfamily.rj. Mãe dos gêmeos Lianne e Théo de 1 ano e 6 meses, o casal escolheu a inseminação caseira para que pudessem ter os filhos depois de 8 anos juntas.

Elas se conheceram por meio de um jogo on-line, e ser mãe sempre foi um desejo de ambas, assim como as outras mães já citadas, mas Val e Lika escolheram o método da inseminação caseira.

“Nós escolhemos a inseminação caseira por causa do custo, se escolhêssemos fazer em uma clínica nós não teríamos condições de arcar com o enxoval para um bebê, pois seria gasto tudo na clínica”.

A inseminação caseira é um procedimento em alta no Brasil e consiste em apenas encontrar um doador, comprar uma seringa e um coletor. Para dar certo, é preciso acompanhar o período de ovulação da mãe que decida ser a gestante e com isso, inserir o material no corpo dela.

Além disso, o procedimento não é amparado por nenhuma legislação no Brasil. Não há, portanto, regra que proíba a prática. Já a cobrança pelo material genético é vetada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

Val escreve uma mensagem para Théo e Lianne ler no futuro
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Val escreve uma mensagem para Théo e Lianne ler no futuro

“Você precisa pesquisar para encontrar um doador confiável antes de realizar o procedimento, porque já encontramos muita gente mal-intencionada”.

Anna Guedes, 27, designer de móveis e Iza Tanucha, 38, Guarda Civil Municipal de Salvador, há 1 ano e 10 meses tiveram Dionísio por meio da inseminação artificial.

Elas se conheceram no Natal de 2016, em um evento organizado por um amigo em comum. Juntas há 7 anos, era Anna que tinha um desejo maior da maternidade, mas não queria gestar, enquanto isso Iza ainda maturava a ideia.

Como Anna não desejava gestar, Iza mudou de ideia e passou a ser a mãe gestante. “Por ironia do destino, pouco tempo após começarmos o relacionamento a Iza entrou num quadro delicado com problemas uterinos e corria o risco de não gestar mais. Decidimos começar as tentativas com a crença de ‘é agora ou nunca’, e passamos a ser tentantes”, relembra a mãe Anna. 

Foi só em 2018 que elas se tornaram “tentantes” (nome dado para quem busca engravidar/ser mãe). Com a escolha de um método de reprodução assistida, elas optaram pela inseminação artificial. “A FIV sempre teve um custo alto para nosso orçamento, e quando estávamos pesquisando, a inseminação [artificial] cabia mais nos nossos rendimentos”, conta.

Anna escreve uma mensagem para Dionísio ler no futuro
iG Queer/Julio Cesar Ferreira
Anna escreve uma mensagem para Dionísio ler no futuro

A inseminação caseira e artificial ocorre da mesma forma: os espermatozoides são introduzidos na cavidade uterina. Dessa forma, a fertilização acontece dentro do corpo da mulher, assim como aconteceria naturalmente após uma relação sexual. Porém, um é feito em clínicas de reprodução, e o outro no ambiente residencial.

“O desejo de exercer a maternidade pode ser vivenciado de diversas formas. Na psicologia analítica, estudamos muito sobre o arquétipo da grande mãe, presente em todas as culturas e em todos os seres humanos e sua vivência pessoal no complexo materno, que pode ser exercido se tornando mãe de bebê, adotando um animal de estimação , criando um projeto novo, construindo novas possibilidades”, afirma a Samantha Mucci, professora adjunta e psicóloga do departamento de psiquiatria da Unifesp, que também é mãe por adoção e lésbica.

Samantha acredita que todos temos internamente um materno que nos mobiliza. “Esse desejo específico [de ser mãe] é vivenciado por cada um de nós de forma subjetiva de acordo com as vivências de maternagem que vamos tendo ao longo da vida”, pontua.

Dia das Mães

Na comemoração do Dia das Mães, Marcela argumenta que é um dia comemorado em casa, mas não é nada exacerbado, elas não ganham nenhum presente e elas não se compram. “Juntamos as duas vós, nós e fazemos um momento de presença e de afeto das mães da família”.

Ela cita ainda que, para lidar com datas comemorativas, ela e Melanie escolheram matricular os filhos em uma escola pública que não se comemora nenhuma dessas datas, sejam elas religiosas, comerciais ou cívicas. “Na escola eles só têm o Dia da Família, e para a gente isso é importante porque não queríamos que as crianças ficassem fazendo presentes ou lembranças para o Dia das Mães ou o Dia dos Pais, porque eles não têm pai, e há tantas outras crianças que vivem em configurações familiares diferentes”.

“Para nós ser mãe, é algo difícil de responder, porque eu sou uma mãe e a Mel é outra mãe. Ao mesmo tempo que eu tô sendo essa mãe possível, eu vejo a minha esposa sendo um outro tipo de mãe, e esse é um contraponto muito bonito, porque mexe também com as minhas ideias pessoais do que é a maternidade”, confessa Marcela.

Val e Lika também farão um almoço em família, e para finalizar o domingo, irão para a igreja, pois ambas são evangélicas, e agradecerão o segundo Dia das Mães com seus filhos cheios de saúde.

“Ser mãe para mim é algo incrível, é um sonho realizado. Eu amo meus filhos, mas a maternidade é pesada e a maternidade gemelar é exaustiva, mas se eu olho para trás, eu não vejo a minha vida sem meus filhos”, afirma Val.

Carla e Lara, por sua vez, estarão com os filhos e se dividindo entre a casa de suas mães, as avós de seus filhos. “Antes das crianças nós passávamos o Dia das Mães separadas, cada uma com sua mãe, mas hoje fazemos questão de estarmos com eles o dia todo, e dividimos o tempo das avós”.

“Ser mãe é evoluir constantemente, ter que olhar para dentro de si, até mesmo para coisas que você não queria olhar, ser melhor para si, para a família, para o mundo. Ser mãe é acreditar num mundo melhor e trabalhar para isso. Ser mãe é todo dia, não dá para ser mãe hoje e amanhã não. Se você não sabe se quer ser mãe, espere até ter certeza de que quer, os filhos não merecem uma mãe pela metade, pois eles sempre são inteiros”, evocam Carla e Lara.

Bruna e Camila também passarão em família: “Vamos reunir as mulheres da família para aproveitarmos o dia bem agarradinhas nas nossas crias. Eles nos tornaram mães e somos muito gratas por eles serem nossos filhos amados e desejados”.

“Para nós ser mãe é algo muito complexo, difícil até definir em palavras, ser mãe é uma entrega total, muito prazeroso e desafiador ao mesmo tempo. É amar tanto um ser humano ao ponto de enfrentar o mundo por ele, é querer ser melhor a cada dia e transformar o mundo onde eles vivem”, dividem Camila e Bruna.

Já Anna e Iza ainda não têm uma programação, mas a certeza é que passarão todos juntos.

“Ser mãe ainda é algo que não conseguimos colocar em palavras, mas se pudéssemos descrever tal sentimento, diríamos que ser mãe é padecer no paraíso. Aquele amor incondicional que te cansa e te completa ao mesmo tempo, sabe?”, compartilham Anna e Iza.

O dia a dia da maternidade dupla

“Temos uma rotina bem ajustada de segunda a sexta, as crianças estudam na parte da manhã, que é quando conseguimos treinar, cuidar da casa, fazer supermercado, coisas na rua ou dar um gás no trabalho. A noite estamos normalmente a família toda junta, temos nosso momento de refeição, leitura, brincadeira, duas vezes na semana tem atividade externa do Lorenzo e às 19h as crianças já estão na cama. O resto da noite nós duas aproveitamos para fazer coisas que talvez não tenhamos conseguido fazer durante o dia, ou ter um momento do casal para conversar, cozinhar e nos curtir”, iniciam as mães Carla e Lara.

Nos finais semana normalmente eles passeiam, viajam ou dormem fora. “Já tínhamos uma vida bem movimentada e as crianças entraram nesse ritmo e hoje faz parte da realidade da família. Amamos viver, conhecer lugares e pessoas, viajar e aproveitar a vida”, completam.

Bruna e Camila, mães de Marina e Valentim também têm uma rotina bem intensa: “O que mostramos por meio dos stories é apenas 10% do que vivemos no nosso dia a dia”, confessam.

Ambas cuidam da casa, das crianças e ainda trabalham. “Sem dúvida, é uma rotina intensa, mas que amamos compartilhar com quem nos acompanha, pois recebemos muitas mensagens e é uma troca deliciosa”, enfatizam.

Jovana e Lorenzo: conheça eles por meio de suas mães
iG Queer/Julio Cesar Ferreira
Jovana e Lorenzo: conheça eles por meio de suas mães

De maneira semelhante, as mães Anna e Iza também têm uma rotina supercomum, mas o dia a dia delas mudam a cada período do filho. “Normalmente, de segunda a quarta-feira, Iza fica só com Dionísio porque preciso ir até uma cidade vizinha onde tenho um escritório. Dionísio vai à creche em tempo integral e o trabalho da Iza, como é feito por plantões, ela tem flexibilidade nos dias alternados”, explica Anna.

Dionísio: conheça ele por meio de suas mães
iG Queer/Julio Cesar Ferreira
Dionísio: conheça ele por meio de suas mães

Val e Lika, que moram no Rio de Janeiro, também não param, pois atualmente suas crianças demandam muita atenção, embora tenham começado a frequentar a creche em período integral recentemente. “Quando eles estão em casa, é uma correria danada: é café, é soneca, é almoço, é a outra soneca e eles também têm que brincar para gastar energia, ‘é eita atrás de eita’ nessa casa”, brincam.

Quando os filhos estão na creche, elas tentam conciliar os outros afazeres, como organizar a casa ou preparar as refeições com mais calma.

Em relação às divisões das tarefas, as mães contam que sempre buscam o que é melhor para a realidade das famílias. No caso da escritora Marcela e a Melanie, as tarefas são divididas de maneira orgânica. “Graças a Deus e ao universo, fugimos desse padrão de que tenha uma responsabilidade de mãe ou uma responsabilidade de pai, é a responsabilidade de duas mães com as suas tarefas e afazeres.

“A Mel é quem assume o trabalho mais para fora de casa, no mercado imobiliário, então ela tem uma agenda muito mais intensa do que a minha. Eu fico com as tarefas mais ligadas à rotina das crianças: de levar e buscar na escola, na aula de circo ou natação. Mas as tarefas da casa em si são superdivididas entre nós: ela que cozinha, dá banho neles, eu corto a unha, arrumo as gavetas”.

“Nada muito marcado ou combinado, só vamos fazendo o que tem que fazer, cuidando do que dá para cuidar e é isso, como uma família comum”, afirmam as mães Anna e Iza.

Lika e Val também não se apagam aos rótulos, mas têm uma predileção por certas atividades. Val conta que faz as refeições e organiza a casa, enquanto Lika fica de olho nas crianças. Ou é ao contrário.

“Normalmente, o que diz respeito à cozinha, eu que fico responsável, e minha tia também ajuda muito a gente deixando algumas refeições prontas para a gente só aquecer. Eu também cuido da minha vó que tem 84 anos, e a gente serve as refeições e a medicação dela.”

Não existem tarefas pré-estabelecidas na casa da Carla e da Lara, mas existem coisas que uma gosta mais de fazer do que a outra. Carla gosta de cozinhar, Lara não, e normalmente Carla é quem faz a comida. Carla gosta de escovar os dentes das crianças para checar como está a saúde bucal deles, e Lara normalmente está mais tranquila no horário de almoço para pegar Jovana na escola, mas quando Carla está livre, pegam ela juntas. 

Porém, como Carla às vezes trabalha viajando, nessas horas Lara acaba assumindo as responsabilidades do dia a dia, mas fora isso as tarefas são bem compartilhadas.

Marina e Valentim: conheça eles por meio de suas mães
iG Queer/Julio Cesar Ferreira
Marina e Valentim: conheça eles por meio de suas mães

Assim como as outras famílias, Camila e Bruna dividem as tarefas de melhor forma possível desde os cuidados com a casa e as demandas dos gêmeos, ambas não têm uma tarefa definida: “Vamos fazendo conforme a demanda dos afazeres”.

Os processos para se tornarem mães

Carla e Lara deram entrada no  processo de adoção em 2018, na cidade onde moravam, no interior do Espírito Santo, nesse mesmo ano elas se mudaram de cidade e em 2019 pediram transferência do pedido para que o processo corresse na cidade onde estavam. Porém, a transferência do processo demorou mais do que deveria, e elas não sabiam o motivo. “Só fomos acionadas para fazer o curso preparatório para adoção em fevereiro de 2020, e nossa habilitação saiu em meados de 2020, que é quando de fato entramos na fila para adotar nossos filhos”.

Em 2020 elas se mudaram para outra cidade novamente, e tiveram que pedir uma nova transferência da comarca (termo usado para indicar uma região de atuação de determinado juiz ou de juizado de primeira instância). Mais uma vez, tudo ocorreu sem nenhuma dificuldade, pois só foi preciso ir até a vara da infância e juventude, preencheram o formulário de transferência e a movimentação foi bem rápida. Em setembro de 2021 elas foram acionadas e os seus filhos chegaram até elas.

As mães contam que não tiveram nenhuma dificuldade no processo, pois seguiram todos os procedimentos de maneira correta, enviando a documentação de acordo com o solicitado e tendo paciência. “Tudo acontece da forma que deve acontecer, afinal a vara busca famílias para crianças, e não crianças para famílias, então tudo é para o bem da criança, como deve ser”, lembra Carla.

A advogada Melissa Meirelles, que também é lésbica e militante nos Direitos das Mulheres, das Famílias e da classe  LGBTQIAP+ contribui dizendo que a adoção por parte de casais homoafetivos não tem nenhuma diferença e não há nenhum empecilho, pois ocorre exatamente o mesmo processo aplicado a um casal heterossexual.

“Hoje vejo um judiciário muito mais preparado para lidar com a adoção por casais homoafetivos, principalmente no que tange ao Direito de Família, que vem acompanhando muito bem as mudanças sociais que temos vivido. Se porventura o casal homoafetivo vivenciar quaisquer tipos de discriminação, precisa relatar imediatamente à pessoa advogada que lhe assiste para tomar as providências cabíveis”, adiciona.

Já Val e Lika recordam que o processo demorou um pouco mais de um ano e meio, pois no início a Val que seria a mãe tentante e ela que engravidaria. Lika queria ser mãe, mas ela não queria gerar, mas depois de algumas tentativas o positivo não veio, pois após Val fazer alguns exames, ela descobriu um problema com a sua fertilidade, e para ela tratar, custaria dinheiro. “Iríamos ter que adiar esse sonho por um tempo, mas a minha esposa repensou e disse que queria ser a tentante dessa vez. Em janeiro de 2020 veio o nosso primeiro positivo, mas infelizmente o feto parou de evoluir com seis semanas e no dia do nosso aniversário de namoro, a Lika passou pelo aborto espontâneo”, lamenta Val.

Passados quatro meses, elas tentaram novamente, depois que o corpo de Lika, e a mente de ambas já tinham se reestruturado. “Veio o positivo de novo e nasceram os gêmeos Théo e Lianne”.

Marcela e Melanie defendem que o processo para elas começou muito antes do processo clínico: ele iniciou por meio pesquisas na internet, consumo de matérias, filmes, documentários e muito diálogo. “Isso tudo faz parte de um processo, um processo, inclusive, de entendimento de que nós poderíamos formar uma família. As pessoas pontuam muito a ausência de um pai, mas na nossa família não falta nada. Somos duas mães e temos uma família completa”.

Como escolheram a FIV, o processo clínico durou cerca de 10 meses. Elas fizeram a primeira consulta em abril de 2017 e a transferência dos embriões em janeiro de 2018.

O número de ciclos de Fertilização In Vitro para reprodução assistida no Brasil cresceu 32,72% em um ano, saltando de 34.623 procedimentos realizados em 2020 para 45.952 ciclos em 2021, segundo os dados mais recentes do Relatório de Produção de Embriões (SisEmbrio), divulgado anualmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A Mel, como mãe gestante, fez todo o procedimento: tomou as medicações, foi para as consultas, fez diversos exames e descobriram que havia uma única tentativa, e nessa tentativa, uma chance de nascer gêmeos. E foi o que aconteceu, e os únicos dois embriões congelados juntos que sobraram do processo vingaram e nasceram o Bernardo e a Iolanda.

Marcela também se preparou para amamentar os filhos por meio do procedimento de indução à lactação. Esse processo é realizado por meio de uma combinação de técnicas que incluem a estimulação do mamilo e a utilização de medicamentos, como hormônios e galactagogos (substâncias que estimulam a produção de leite). Além disso, a mãe não gestante que está passando pela indução à lactação precisa estar em uma dieta adequada e manter a hidratação para garantir a produção adequada de leite.

“Para a sociedade, há uma expectativa/curiosidade de que é preciso 'suprir' a ausência do pai. Eu acredito que a função paterna e materna não estão associadas à questão de gênero (desde Freud isso já é postado), mas infelizmente ainda há em nossa cultura essa associação. Avós, mães solos, pais solos, ou seja, uma pessoa é capaz de exercer ambos os papéis, símbolos e funções no psiquismo infantil”, elucida Samantha Mucci.

Bruna e Camila também não tiveram nenhuma dificuldade no processo clínico. Para as mães, foi mais rápido do que imaginavam. “Desde os primeiros exames e consultas até o nosso positivo foram 6 meses de ansiedade e expectativas. As amigas que tínhamos à nossa volta e que passaram pelo processo de FIV tiveram experiências diferentes, a maioria sem sucesso na primeira tentativa e isso de alguma forma nos colocou numa expectativa mais baixa, mas para nossa surpresa deu certo de primeira. O processo foi bem tranquilo, escolhemos uma clínica com muitas indicações e fomos muito bem instruídas em tudo”, compartilham as mães dos gêmeos Marina e Valentim.

Anna e Iza, que viraram tentantes em 2018, teve a Iza como a mãe gestante, e ela iniciou o tratamento de inseminação artificial junto a um ginecologista para avaliar a capacidade dela para gestação. Na primeira tentativa, perderam o feto com uma semana. Logo após isso, o médico que a acompanhava constatou a necessidade de uma cirurgia, pois havia impossibilidades de gestação devido a miomas.

A cirurgia foi realizada no final de 2019 e aguardaram o período de restauração do útero para retornarem as tentativas. “Acompanhamos o ciclo e tentamos novamente em 2020, e com isso nasceu Dionísio em 2021. Mas de 2018 até 2021, foram 4 anos de empenho e vontade”, afirma Anna.

“Numa sociedade heteronormativa e homofóbica , quando a mulher assume a orientação sexual homoafetiva é como se renunciasse à maternidade; o que não é verdade, pois não é uma questão de reprodução sexual. Há que se respeitar e validar as diversas formas de vivenciar o feminino. E a orientação sexual não é renúncia da condição de ser mulher e muito menos da maternidade”, retoma a psicóloga Fabiana.

... E as famílias?

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou, com base no Censo do ano de 2010, 60 mil casais homoafetivos no país, a maioria formada por mulheres (53%). Para entender melhor esse cenário, o iG Queer pediu um levantamento de dados exclusivo para a Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais), a entidade que representa os registradores civis de pessoas naturais do Brasil, responsáveis pelo registro de nascimentos, e entre outros atos relacionados ao estado civil das pessoas. Entre 2013 e abril de 2023, segundo a associação, foram registrados no Brasil, 54.732 crianças com duas mães no Registro Civil.

No caso de Carla e Lara, foi tudo muito natural, todos os seus familiares tratam as crianças como deve ser: filhos do casal. Carla conta que não dão espaço para nenhum tipo de tratativa diferenciada como pena, coitadismo, ou preconceitos disfarçados de bondade.

“Isso foi uma questão que me deixou muito ansiosa à época. Será que principalmente os meus pais e meus irmãos encarariam essas crianças como netos e sobrinhos como encaravam as outras crianças da minha família? E essa foi uma pergunta que eu fiz para eles, eu mandei um WhatsApp para cada um deles fazendo essa pergunta, e mandei também para minha a cunhada, meu cunhado, sogra e sogro, e a resposta foi a mesma: ‘Que espécie de pergunta é essa? É óbvio que sim. Não vai ter a menor diferença’, e isso me tranquilizou muito porque, para mim, serão meus filhos de qualquer forma, mas era importante também saber que a nossa família de origem também encararia essas crianças dessa forma”, diz Marcela.

No início do relacionamento de Bruna e Camila, elas não eram aceitas na família da Bruna, então ficaram alguns anos vivendo pela metade, sem frequentar festas de família, Natal, aniversários, e isso foi muito difícil para as duas, chegando a afetar relacionamento delas.

“Após anos juntas e com nosso casamento no civil as coisas mudaram, nossas famílias nos acolheram mais. E com a chegada dos gêmeos tudo ficou melhor, eles uniram nossas famílias, as crianças vieram para ressignificar muita coisa”.

Anna relembra que, ao anunciarem no início que Iza estava grávida, houve estranhamentos por parte de alguns, mas nada que abalasse a certeza que elas tinham em seus corações: de que a criança seria amada incondicionalmente. Hoje, o Dionísio é amado e respeitado em ambas as famílias.

Val e Lika também não têm nenhum problema, pois como Lika se mudou para o Rio de Janeiro, ela não tem muito contato com sua família, já Val, tem seus filhos respeitados por sua vó e suas tias, que estão sempre em sua casa.

“A família deve ser um ambiente seguro, de apoio e acolhimento que possibilite o desenvolvimento biopsicossocioespiritual das pessoas envolvidas, e a criança só tem a ganhar sendo oriunda de lares que estimulam a liberdade, o respeito, o pensamento crítico tornando-se cidadãos autores e protagonistas da própria história, conscientes do quanto se constituem na coletividade”, afirma Fabiana, que soma que o importante é que os pilares que sustentem a família sejam o afeto, respeito e liberdade. “Família é escolha, afeto e coletividade. É uma realidade moral, social e sentimental”.

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** Julio Cesar Ferreira é estudante de Jornalismo na PUC-SP. Venceu o 13.º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão com a pauta “Brasil sob a fumaça da desinformação”. Em seus interesses estão Diretos Humanos, Cultura, Moda, Política, Cultura Pop e Entretenimento. Enquanto estagiário no iG, já passou pelas editorias de Último Segundo/Saúde, Delas/Receitas, e atualmente está em Queer/Pet/Turismo.

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